Não apita o comboio nem passa o autocarro

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Seg, 18/05/2020 - 23:29


Vai para três décadas que ficámos sem comboio, ou quase, porque se manteve, literalmente até cair, um troço entre o Tua e Mirandela, expressão do desprezo ostensivo dos poderes centrais deste país.
Uns anos antes calara-se o silvo na linha do Sabor, uma das estruturas de comunicações que menos durou na história deste país, apesar das expectativas relativamente à mobilidade, mas principalmente ao escoamento dos produtos do planalto, que podia garantir a permanência de gerações que foram empurradas para o litoral ou destinos mais longínquos, provavelmente sem retorno.
Acelerou-se assim o ciclo infernal que varre, sem dó nem piedade, a região, agravando sempre a tragédia do abandono, do inverno demográfico, da inviabilidade económica, uma fatalidade tornada inevitável.
Naquela altura falinhas mansas sugeriram que a alternativa seriam estradas funcionais e seguras, onde não faltariam carreiras confortáveis, com frequências adequadas às necessidades. Os mais atentos pressentiam que não seria bem assim: de facto, já no início da década de setenta do século anterior se tinha notado a tendência de redução das circulações, que deixavam muitas localidades à mingua de transportes.
Centenas de aldeias foram secando sem ver passar a carreira, ao mesmo tempo que o poder político foi iludindo a injustiça de um tratamento desigual, inadmissível, para estes portugueses, por comparação com os que se foram aglomerando na capital e na faixa costeira.
Foi-se fazendo o caminho da destruição metódica, verdadeiro cerco desapiedado a direitos inalienáveis, agora anunciando medidas, logo esquecidas ou mesmo negadas, ao mesmo tempo que se desactivaram serviços, não se impôs a cobertura universal das comunicações e se foi passando a ideia de que já não havia nada a fazer.
Na realidade, há muito tempo que a população do nordeste transmontano não tem outro remédio senão encontrar soluções próprias, caras e dolorosas para a sua mobilidade. O que ainda restava de uma rede rodoviária mínima ficou agora à mercê da tragédia que se vive desde o princípio do ano. Não há operadores interessados, porque as expectativas são cada vez mais baixas e as compensações previstas não bastam para arriscar.
Está em desenvolvimento um projecto regional de transportes, promovido pela CIM-TTM, que será posto a concurso ainda este ano, depois do lançamento previsto para Dezembro passado. Nas condições actuais provavelmente o concurso internacional ficará deserto, como tem acontecido com outros semelhantes, também no interior do país.
Mas mesmo que não tivesse chegado a praga insidiosa, nada seria muito diferente. Só os menos avisados poderiam acreditar que haveria consórcios internacionais interessados em explorar um sistema de transportes no seio de uma população debilitada, resignada, disposta a aconselhar filhos e netos a procurar vida longe destes lugares de esquecimento.
Em breve se ouvirá recordar o tempo em que, nas estradas do distrito, ainda se viam passar, ao menos uma vez por dia, camionetas da carreira, transportando olhares de saudade de uma vida que nunca chegou a ser vivida.

Teófilo Vaz