Cinema regressa a Bragança
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Qui, 02/03/2017 - 11:40
Somos Bragança. E os bragançanos, ufanos do seu rincão, celebram mais um ano da sua cidade, fazendo vincar que se trata da nona cidade mais antiga do país.
Em tempos não muito recuados, Santa Rita Xisto, estudante talentoso em dias de boémia, denominou-a de Coimbra em miniatura. E a cidade foi crescendo. Ultrapassou as costuras dos seus limites. O Fervença parece pedir meças aos rios de grande caudal. As ruas alargaram-se e alindaram-se. O comboio de grandes recordações, inopinadamente subtraído, foi substituído pelos modernos autocarros que atravessam Portugal do Minho ao Algarve. Gente capaz, briosa e de talento tenta mostrar a cidade ao país, orgulhando-se do trabalho feito.
As Escolas não param. O Instituto Politécnico vai atraindo gentes e faz gala de ter dentro de si uma investigadora de nível mundial. Honra ao mérito. A edilidade não esqueceu e em momento aprazado todos aplaudiram. O trabalho, muito trabalho a merecer honras e a ecoar nos presentes.
A cidade está viva. Desafia o conhecimento. Agentes locais espraiam-se no desenvolvimento. Praticam a memória. Mnemósine não descansa. Festeja-se a palavra e mostram-se as capacidades.
E Bragança acontece. Em Bragança vai acontecendo. A inquietação e a insatisfação são marcas de água das gentes que não se acomodam e tentam perpetuar talento e saber, desafiando outros que virão na sua esteira.
A realidade inspira-nos. O trabalho, o lazer e a diversão cabem em nós, porque não partilhar com os outros, lembrando tempos vividos?
Júlio Carvalho que se afirma desconhecido caçador, mas que aprecia a arte de caçar, cidadão de um Portugal de algures, que um dia foi de abalada por terras de Vera Cruz, onde se fez homem e estudou, em Bragança criou raízes. Fez amizades, afinou o verbo e ensinou. Escreveu. Escreveu muito e oralizou mais e um dia ambicionou legar o que fez dele gente: um livro.
A Caça na Literatura Portuguesa, na sua dimensão, que saibamos, é um livro inédito nas nossas letras. Pires Cabral já havia escrito Páginas de caça na Literatura de Trás-os-Montes, outros à caça dedicaram o seu saber, lembremo-nos de A caça na sociedade aristocrática dos séculos XII a XV, de Vera Grilo. Júlio de Carvalho foi mais longe, distanciando-se dos seus prógonos. Servindo-se de 188 obras, de 110 autores, em cerca de 350 páginas de texto, sete de bibliografia e 277 notas de rodapé, numa pesquisa condicionada à sua biblioteca, “convida-nos” a entrar por um acervo com limites a quo e ad quem que vão do lirismo trovadoresco aos nossos dias. Oito séculos de literatura escalpelizados com cuidado, tentando mostrar ao público uma riqueza que ficará para a posteridade.
De modo cauteloso, onde não falta o “tolerante leitor”, como se de Garrett se tratasse, num registo parecido, em tom simples, coloquial e acessivo, utilizando o pronome pessoal na primeira pessoa do singular, estabelece com o leitor uma relação de intimidade e de aproximação que nos convida à integração subtil e despreconceituosa. Com uma ligeira incursão na Pesca. No Rio Baceiro e na Castanha, parece que Trás-os-Montes se aproxima de nós, como se tudo nos pertencesse e entrasse pelo nosso olhar, comungando cheiros, sabores e tudo o que os sentidos absorvem.
À maneira dos compêndios que preencheram épocas em que o estudo da Literatura Portuguesa constituía matéria obrigatória nas nossas escolas, hoje arredada dos estudos, numa época em que os complementos oblíquos(?) ocuparam o lugar dos complementos circunstanciais, o autor lembra a divisão cronológica dos vários períodos da Literatura Portuguesa, matéria pouco interessante nos tempos que passam.
Que importa saber se Almeida Garrett é romântico ou medieval? Basta saber que escreveu Frei Luís de Sousa e já chega, isto antes de se processar a redução das aulas da disciplina de Português e fiquemos reduzidos à leitura dos livros que ocupam os pódios das livrarias, com Cristina Ferreira e Fátima Lopes no comando, com Rúben Rua à ilharga.
O livro é escrito por quem sabe da poda e não esqueceu. Começou de forma exemplar a caça no período galaico-português, com uma cantiga de Pero Meogo, escrita por volta do século XIII, citando os Cancioneiros da Biblioteca Nacional, Colocci- Brancuti, da Vaticana e da Ajuda, entra pela Poética Fragmentária distinguindo Cantigas de Escárnio e Maldizer. De um modo geral, os autores são devidamente identificados através de datas. Para o estudioso da Literatura, na nossa presença, um texto didáctico, como se todos os livros não o fossem, peço de empréstimo a afirmação a José Saramago que, também, é citado em Levantado do Chão e Memorial do Convento.
Um trabalho de pesquisa, de não curta duração. Tarefa de investigador que entre o muito que lhe é proporcionado, tem de encontrar o documento exacto, resultado de muita paciência, dedicação e esforço. Para quem conhece Os Lusíadas, não terá descoberto entre 1102 estrofes, i.e., 8816 versos, a existência de marcas de caça? O autor esteve lá e encontrou. No Canto IX, das estâncias LXIII à LXXV.
Da Fénix Renascida, edição de 1746, adquirida num alfarrabista, do Rio de Janeiro, proporciona-nos cópias, transmitindo mais verdade à informação.
Embora confesse que um trabalho desta natureza “ será sempre incompleto”, esforçadamente, vamos ficando com um retrato dos vários autores que à caça dedicaram algo da sua verve. Chegados a Guerra Junqueiro ( pag. 205) é altura para saber que o autor, em cargo de responsabilidade no Governo do Distrito, degustou o vinho do poeta, néctar que o conduziu à valorização da leitura d’Os Simples, Os Contos para a Infância, a Oração do Pão e a Oração da Luz.
Dos Modernistas, de entre eles, descobrimos na sua desmultiplicação, Bernardo Soares, em O Livro do Desassossego, manifestando-se em vestígios de caça, o mesmo acontecendo em Almada Negreiros.
De Fausto José (1903-1975) que na Presença debitou algo do seu talento, foi buscar Júlio Carvalho, amostras de caça, em obra publicada pela Câmara Municipal de Amares, onde o presencista foi presidente, “cargo que não apreciava” porque “o enredava em pequenas questões de ordem prática”.
Miguel Torga, António Botto, Alves Redol e Fernando Namora, são alguns dos muitos escritores citados. Manuel Alegre que à caça dedica muito do seu lazer, mostra a sua versatilidade em Cão como Nós, fechando o leque de escritores; mas se aos conhecidos foi dado o espaço devidamente merecido, antes, um menos conhecido, a despontar na odisseia da escrita: Carlos Campaniço, nascido em 1973, director de Programação do Auditório Municipal de Olhão.
Impossível terminar sem uma palavra de regozijo e um encómio por um trabalho
produzido para a comunidade, por um agente cultural que, no entusiasmo do seu viver, deu um passo em frente na Literatura de Portugal, neste Nordeste Transmontano.
Um cívico, ao mesmo tempo um estudioso que um dia percorreu os bancos
da Escola ensinando, e que se obstina no conhecimento, continuando a valorizar o que
vale a pena aprender: caça e livros, num binómio conjugável.
Lembrar hábitos da nossa gente também é Literatura. E foi Literatura que se construiu em Bragança, em dias e noites em que o clima espreita e nos torna mais solidários. Afinal, o frio também é inspirador.
A caça aguça o engenho e o desconhecido caçador veio a terreiro e disse: leiam, este livro, é vosso, A caça na Literatura Portuguesa, do lirismo trovadoresco aos nossos dias.
Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico.
Lopo Rodrigues nasceu em Vila Flor pelo ano de 1518. Seus pais, Jerónimo Rodrigues e Filipa Lopes pertenceriam à geração dos “batizados em pé”.
Seria um homem abonado de recursos financeiros, pertencendo à classe dos rendeiros. Explorava uma vinha e trazia arrematada a cobrança das rendas de Santa Comba da Vilariça e de Vilarelhos, com tulha instalada em cada uma destas localidades.
E porque era homem rico e conceituado, foi por algumas vezes “eleito” vereador da câmara de Vila Flor. E serviu também o cargo de almotacé, competindo-lhe tratar do policiamento da vila, da limpeza das ruas, da taxação de pesos e medidas e da regulação do preço dos alimentos. A este propósito e tendo em conta os documentos até hoje apresentados, pensamos que a lei de segregação dos cristãos-novos proibindo-os de exercer estes cargos municipais terá exatamente começado em Vila Flor, a título experimental, como hoje se diz. Posteriormente seria estendida a todo o país. (1) O mesmo se diga com a lei da “limpeza de sangue” exigida para servir em qualquer cargo, para entrar em qualquer ordem religiosa, ou na universidade e até mesmo para entrar num barco e viajar para o estrangeiro. (2) Pensamos também que neste processo de escolha de Vila Flor para a aplicação de tais medidas terá sido uma consequência da nomeação do inquisidor Diogo de Sousa para o tribunal de Coimbra em 1571 e da tomada de posse do cargo de abade de Vila Flor do inquisidor de Évora Jerónimo de Sousa.
O facto de Vila Flor ser então escolhida como campo experimental de novas leis antijudaicas, significará que a força da gente da nação era ali muito grande e estava sob vigilância apertada da inquisição. E sendo a terra da circunscrição do arcebispado de Braga, então governado pelo bispo/inquisidor Baltasar Limpo, viu-se assolada por uma vaga de prisões.
No meio do turbilhão foi apanhado um Álvaro Rodrigues, Lamegão de alcunha, estalajadeiro em Vila Flor. (3) E estando preso em Lisboa, contou que, 6 anos atrás, vindo de Santa Comba para Vila Flor, em companhia de Lopo Rodrigues, este lhe disse que andava inquieto e tinha medo de ser preso pois que, em Santa Comba, em presença de João Novo e outro lavrador cujo nome não recordava, ele dissera que Nossa Senhora não era virgem. E tinha medo que João Novo e o outro o denunciassem.
Foi quanto bastou para prenderem também Lopo Rodrigues, na inquisição de Lisboa, em 24 de Maio de 1558. (4)
Aliás, ele tinha já uma curta experiência destas coisas pois que, antes de 1547 fora metido na cadeia de Vila Flor, por ordem do vigário geral de Vila Real que, em nome e por ordem do arcebispo de Braga visitara a terra. O processo decorreu em Braga e não fica claro se ele foi libertado por ser declarado inocente ou em virtude do perdão geral então decretado pelo papa.
Antes de prosseguirmos com o processo, vejamos a situação familiar de Lopo. O pai seria já falecido e a mãe encontrava-se, há 2 anos, a morar na Galiza, com o filho Afonso Rodrigues que ali estava casado e a morar em Vila Ávila (ou Orense?). Tinha mais 3 irmãos, a morar em Vila Flor e uma irmã, casada na mesma Vila Flor e que virá também a conhecer as cadeias da inquisição, anos depois. (5)
Do resto da família, tios e primos, repartiam-se entre Vila Flor, Mirandela, Vila Real, Murça e Galiza, alguns deles seriam também hospedados nas masmorras do santo ofício. Ele era casado com Inês Dias e o casal tinha 7 filhos.
Metido na cadeia, Lopo Rodrigues organizou a sua defesa provando que era bom cristão, membro das confrarias de Nª Senhora do Toural e do Santíssimo Sacramento e dava esmolas regulares aos mamposteiros (6) do convento dos Trinitários da vizinha freguesia da Lousa e do convento da Graça em Lisboa. E era tão bom cristão que o abade e os confrades do Santíssimo Sacramento de Vila Flor o encarregaram de ir a Espanha comprar um pálio para a igreja. E nessa compra ele entrou ainda com uma avultada quantia: 50 mil réis. Provou também que era um cidadão exemplar que acompanhava sempre “com os homens honrados e de bons feitos”. Aliás, ninguém o acusara de qualquer falta no seu comportamento religioso e sabia bem a doutrina.
Embora os réus não fossem informados sobre as testemunhas de acusação, Lopo Rodrigues facilmente chegaria ao Lamegão, dado o seu historial “judeu” e o facto de ter sido preso anteriormente. E mais facilmente ainda, conseguiu provar que o Lamegão o denunciara por ódio e vingança. E mostrou que, ao contrário dele, o denunciante “era tido por mau cristão por toda a Vila Flor (…) homem de mau viver e falsificador de pesos e medidas de seu ofício de carniceiro, que usou na cidade de Lamego”, de onde fugiu para o reino da Galiza. Além de que era um homem “que se tomava do vinho” muitas vezes.
E contou que, de uma ocasião, na qualidade de vereador, o penhorou por dívida de dois mil réis. Acrescentou que, no ano anterior, em dia da festa de Corpo de Deus, sendo almotacé, lhe aplicou uma multa por não ter a rua varrida à porta da sua estalagem.
Referiu que trazendo ele arrendada a sanjoaneira (7) da comenda de Santa Comba, a trespassou por 100 mil réis/ano a Francisco Fernandes, cunhado do Lamegão “e em obras mais que irmãos”, resultando avultados prejuízos, não conseguindo cobrar tal montante, do que ficaram seus inimigos, dizendo que Lopo o tinha enganado e que havia de pagar.
Falou também de um acontecimento que, anos antes, abalou Vila Flor e que foi o assassínio de Manuel Martins, genro do Lamegão. O matador foi Simão Rodrigues, primo de Lopo. E depois de o matar, encerrou-se na igreja matriz de Vila Flor, lugar onde não podia ser preso. E quem o ajudou nesse “esconderijo” foi o mesmo Lopo, que também o ajudou a fugir para o couto de homiziados de Bragança onde se encontrava a viver, em paz e sossego, com a sua família.
Claro que os inquisidores mandaram o vigário geral de Torre de Moncorvo, Pero Fernandes de Lima, (8) fazer diligências em Vila Flor, sendo ouvidas as testemunhas indicadas por Lopo Rodrigues, as quais confirmaram todos os factos. O próprio João Novo, lavrador de Santa Comba, declarou que não ouvira nunca o réu falar da virgindade de Nossa Senhora e nada comentara com o Lamegão.
Claro que, vistas as provas, a sentença dos inquisidores não podia ser outra senão a absolvição do réu, e ditada nos seguintes termos:
- A pena é o tempo em que esteve preso e vá solto e pague as custas de seu livramento, porém o admoestam muito que procure sempre de viver como verdadeiro cristão, no coração e nas obras.
NOTAS:
1-Alvará de D. Sebastião de 1561 proibindo os cristãos-novos de Vila Flor de servirem em cargos públicos – MORAIS, Cristiano de, Cronologia Histórica de Vila Flor 1286-1986, p. 10.
2-Alvará de 1574, visando os cristãos-novos de Vila Flor – ANDRADE e GUIMARÃES, Caminhos Nordestinos de Judeus e Marranos, in: jornal Terra Quente de 15.12.1999. MEA, Elvira Cunha de Azevedo, A Inquisição de Coimbra, p. 177: - Em 1572 um Breve nega aos cristãos-novos acesso ao hábito de Cristo, logo seguido da provisão de 1574 em que se determina a impossibilidade de conversos se empregarem na câmara de Vila Flor. TAVARES, Maria José Ferro, Los Judíos en Portugal, p. 355: - Cronologia. 1574 Exclusión de los cristianos nuevos de la eleccion para los cargos de la cámara de Vila Flor.
3-ANTT, inq. Lisboa, pº 1581, de Álvaro Rodrigues, lamegão.
4-IDEM, pº 2175, de Lopo Rodrigues.
5-IDEM, inq. Coimbra, pº 8377. De Isabel jerónima, casada com Diogo Dias;
6-Os mamposteiros eram pessoas que nas diferentes terras estavam nomeadas para recolher esmolas para resgatar os cristãos que se encontravam prisioneiros dos mouros ou dos turcos.
7-Sanjoaneira porque se iniciava e terminava em dia de S. João.ANTT, inq. Coimbra, pº 8013, de Francisco Fernandes.
8-O vigário Pero Fernandes de Lima sucedeu no cargo ao licenciado Aleixo Dias Falcão que em 15.3.1560 foi instalar o tribunal da inquisição de Goa. Um e outro eram homens de confiança do bispo/inquisidor Baltasar Limpo.