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Atividade física em adultos e idosos

Fazer alguma atividade física é muito melhor do que não fazer nenhuma. Há dezenas de opções ao seu dispor para ser ativo/a.

Inicie com pequenos volumes/intensidades e vá aumentando gradualmente. Sabia que apenas 10 minutos diários de atividade física moderada já confere benefícios para a saúde?

Nunca é tarde para começar! Qual é a sua atividade física ou desporto favorito? Que atividade física pode fazer hoje?

Salvo indicação médica. Se sentir algum desconforto, consulte o seu médico.

Em cada esquina um árbitro

Caros amigos, como tendes passado? Espero que esteja tudo bem convosco. Não sei como anda tudo por aí, mas há uma coisa que nunca perde actualidade, o futebol. No outro dia estava a ver uma equipa acabada de descer de divisão cujos dirigentes protestavam daquela forma caninamente raivosa tão característica em frente da cara impassiva do senhor árbitro. Nesse momento compreendi que as pessoas do futebol tem uma invejável vantagem em relação aos demais sectores da sociedade portuguesa. Um árbitro. Aquele senhor que anda ali no meio do campo a decidir coisas que acontecem por entre correrias de dezenas de pernas, enquanto, em simultâneo, uns amigos gozões a ver o futebol no café lhe vão dizendo coisas ao ouvido, ora para ajudar, ora para atrapalhar. O meio do futebol tem a sorte de ter um senhor árbitro, melhor, um trio de arbitragem. É um privilégio que convém muito ao português, ter um caixote para onde berrar culpas e cuspir impropérios enquanto assobia para o lado e leva a vida da forma mais desenrascada possível. Deveria haver um árbitro dentro de cada casa portuguesa. O marido é um mandrião, a mulher só sabe ralhar e os filhos acumulam gadgets e negativas: Palhaço! Sim, tu que estás aí sentadinho, ó cegueta, a culpa disto não andar para a frente é sempre tua. Agora sai do sofá que eu quero ver a bola, energúmeno! E pronto, estaria sempre tudo impecavelmente bem se houvesse sempre um árbitro disponível para descarregar a responsabilização. No trabalho, o empregado não faz nenhum, o ordenado não sobe, o chefe aperta cada vez mais. O que fazer? Um árbitro em cada posto de trabalho: És um urso! Sempre a mesma m…, estás comprado, não fazes nenhum, é só cafezinhos e empurrar com a barriga e quem se lixa sou eu! Vai mas é enrolar-te com o chefe, seu larilas, que é que o que tu sabes fazer! Em repartições também daria bastante jeito. Por exemplo, na segurança social. É que mandar vir com a pobre coitada que está do outro lado do computador por vezes custa um bocado. Dá um certo constrangimento porque afinal a culpa não é exactamente daquela pessoa, ainda que haja algumas que se prestam particularmente bem a esse papel. A solução? Um árbitro, claro está: Ó estúpido! Sempre a decidir para o mesmo lado. Eu aqui f… duma perna, de baixa em casa há mês e meio e já é a terceira vez que tenho de cá vir por causa da porcaria do papel, ó monte de esterco. E tu nunca resolves nada! Mesmo no supermercado a presença de um árbitro não seria de enjeitar: Ó boi, sim tu aí, anda cá. Então eu estou aqui há meia hora com a senha do fiambre e chega-me esta gaja não sei de onde e diz que tem uma senha antes da minha. Mas tu andas a comer iogurtes gregos com a testa ó quê? Isso é que é ganhar dinheiro fácil, ó cabeça de porco. Ou ainda: Então aqui nesta caixa está uma fila do c… e as outras caixas estão todas fechadas? Mas andas a brincar com isto ou quê? Queres que eu passe aqui o fim de semana todo a olhar p’rá tua fronha? Estás à espera de quê para mandar abrir as caixas do lado, seu borrego? Inclusive junto às caixas multibanco: ó unha rachada, então andas-me a gastar o dinheiro todo em tabaco e raspadinhas e agora eu como o quê até ao final do mês? Seria muito melhor do que salas de stress para partir a loiça toda ou do que o submundo encantado das caixas de comentários da internet. Teria a incomparável vantagem de ser alguém em carne e osso, um ser humano, disposto a fazer a sua melhor cara de urso e assumir-se omni-responsável por tudo o que deu e dá para o torto. O rosto da culpa, o corpo da incompetência, o saco (de escroto) de todas as falhas resultantes, na grande maioria, do demérito próprio. O português não precisaria de mudar um milímetro na sua vida se em qualquer esquina houvesse um árbitro sempre presente e disposto a ser veementemente mandado para as urtigas enquanto se manteria naquela posição direita e amovível de fim de jogo, fitando impávido os indivíduos nos olhos para que o nível dos impropérios fosse subindo sempre de tom e o cidadão português pudesse descarregar as suas frustrações até ao último perdigoto de saliva. O português andaria muito mais feliz. Porque para o português é sempre o outro, foi sempre o outro. Reparem que, tal como neste texto, os portugueses nunca somos nós. O português é. Isto e aquilo. Já eu não. Aliás, quando falamos há os portugueses e há o eu, que não são farinha do mesmo saco. O eu que fala não só tem pouco ou nada a ver com os outros como é alguém que roça quase sempre a perfeição. Bem vistas as coisas, nem sequer há portugueses, só há eus. Só não há é árbitros por todo o lado porque o português não sabe ter ideias de jeito. E quando tem alguma não dá para se fazer nada por causa… de labregos como este que está aqui ao meu lado vestido de preto!

Um abraço e bom Verão para todos!

 

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Diogo Lopes Marques (n. Oviedo, 1665)

Tomé Lopes era um cristão-novo de Vinhais, tratante de profissão. Foi casar a Rebordelo, com Ângela Cardoso, também ela nascida em Vinhais. Em Rebordelo estabeleceram morada e ali, pelo ano de 1652, nasceu uma filha que batizaram com o nome de Guiomar Lopes. Poucos anos depois, a família rumou a Castela.

Ficando viúvo, Tomé Lopes, casou segunda vez, com Filipa Rodrigues e deste casamento nasceu Diogo Lopes Marques, pelo ano de 1665, na povoação de Méndez, termo de Oviedo, região das Astúrias.

Cedo ficaria órfão, dizendo ele mesmo que nunca “alcançou (conheceu) o pai”, criando-se Diogo com os tios maternos, Manuel e José Rodrigues. Este último, sapateiro, casado com Maria de Melha, morador no lugar de Santibañes de Vidriales, bispado de Astorga o terá iniciado na lei de Moisés, explicando-lhe as cerimónias que devia fazer, jejuns, etc. e ensinando-lhe várias orações, como esta que devia rezar de manhã:

Bendita la lux del dia

E el Senhor que nos la imbia

Para nos dar pax e alegria

E saber e entender

Para depues de morirmos

Bolbermos a aparecer

Neste mundo de claridade.(1)

De acordo com o seu testemunho, este ensino aconteceria por 1682, quando ele contava uns 20 anos e trabalharia com os tios, em Astorga. Quatro anos depois, foi a Benavente visitar sua irmã Guiomar Lopes e seu cunhado João Dias Pereira que ali moravam. Com eles, além dos filhos, vivia também um sobrinho de João Dias Pereira, chamado Luís Lopes Penha, que então contava uns 14 anos. Vejam como, anos mais tarde, em 1702, ele descreveu a visita de Diogo:

— Depois de estar um mês em Benavente, veio a casa do dito seu tio Diogo Lopes Marques, hoje de 37 anos, então solteiro e residente em Astorga, estanqueiro do tabaco, meio irmão de Guiomar Lopes, que veio a ver sua irmã, que não via há muitos anos. E na tarde do dia seguinte que chegou à dita casa o dito Diogo Lopes, estando detrás da tenda dela, ele declarante e Guiomar Lopes, os três sós, a dita Guiomar Lopes perguntou se ele Diogo Lopes Marques era cego, ou estava cego. A isto respondeu que não estava cego, porque seu tio Manuel Rodrigues, de Astorga, mercador, e sua mulher Josefa Ramires o haviam ensinado nas coisas da lei de Moisés.(2)

Demorou-se na visita à irmã pouco mais de uma semana, posto o que regressou a Astorga. Algum tempo depois, dirigiu-se a Trás-os-Montes, a Lebução, para casar com Clara Nunes, filha de Álvaro Mendes, mercador e neta do Dr. Manuel Mendes, importante médico natural de Lebução, residente em Chaves.(3)

Em simultâneo, ajustou-se o casamento de Manuel Dias da Mesquita, irmão de Clara, com Isabel Dias Pereira, filha de Guiomar Lopes e João Dias Pereira. Seria pelo ano de 1688.

Regressaram a Espanha os dois casais, indo ter a Benavente a casa de Guiomar e João. A filha e o genro ficaram morando em sua casa e para Diogo e Clara tinham reservado uma casa à parte.

Por essa altura marcava o calendário o dia do Kipur, que foi celebrado em casa de Diogo e Clara, “por ser uma casa sem negócio” enquanto na casa do cunhado havia “muitos criados, que pelo dito tempo tinha”. A celebração incluiu dois dias de jejum à maneira judaica, estando todo o dia sem comer e ceando coisas de “viernes”, lavando as mãos antes de comer e enxaguando a boca com água no fim. Participaram nas celebrações os 9 membros da alargada família. Luís Lopes Penha, sobrinho de João Dias e que fazia parte da família ficou durante o dia a tomar conta do “Peso” do tabaco, que o tio trazia arrendada, indo a casa de Diogo apenas à hora de cear. Os outros passaram ali o dia em rezas e cerimónias judaicas.

Os jovens casais detiveram-se em Benavente por meio ano, regressando a Lebução, certamente com planos combinados em rede familiar de negócios, que giravam sobretudo em volta do tabaco e da seda, num constante intercâmbio transfronteiriço. Em Lebução viveram alguns anos, regressando a Benavente.

Por volta de 1698 Diogo Lopes empreendeu uma viagem de maior delicadeza a Placência, em apoio a seus cunhados António Correia e Pedro Álvares a quem o corregedor terá feito um “descaminho” de quantidade de prata. Por essa altura, Clara Nunes adoeceu e pouco depois faleceu. No dia seguinte, Diogo e Pedro a enterraram na igreja de S. Nicolas em Benavente.

Passados 7 dias, Diogo Lopes, Manuel Dias, Pedro Álvares e Luís Lopes, estando sós na dita casa, fizeram um jejum por alma da defunta, estando sem comer nem beber durante 24 horas ceando “viernes” e rezando a oração da “Folganza compuesta…”

Toda a família se empregava na venda de tabaco, arrendando estancos pela região de Salamanca e Zamora. A concorrência era forte e, por 1700, depois de lhe terem “tirado e pujado” o estanco de Benavente, Diogo Lopes regressou a Portugal.

Aliás, o mesmo aconteceu com seu cunhado João Dias Pereira que o precedeu no regresso, indo fixar-se em Torres Novas, onde conseguiu arrendar o estanco do tabaco. E também aos outros membros do clã, nomeadamente a Manuel Dias de Mesquita que regressou acompanhado de sua mulher Isabel Dias, com Diogo Marques, passando por Rebordelo, antes de se dirigirem a Lisboa. Com eles, viria ainda Leonor Henriques, irmã de Manuel, também cunhada de Diogo, solteira, de 30 anos.

Ali, Diogo Lopes estabeleceu morada na Rua das Arcas e com ele ficariam morando a dita Leonor Henriques, sua cunhada, com a qual casaria em segundas núpcias e “um sobrinho do mesmo chamado Manuel que Diogo Lopes tinha em sua casa, para lhe vender pelas ruas”.

Em Castela ficou Luís Lopes Penha, que foi preso pela inquisição de Valhadolid ao início do mês de fevereiro de 1702. Obviamente que Diogo Marques e os mais que com Luís se tinham declarado ficaram apreensivos, pois a inquisição espanhola depressa mandaria para a de Portugal cópia das confissões de Luís, o que efetivamente aconteceu.

Antecipando-se à prisão que pensaria certa, Diogo Lopes Marques procurou fugir para Inglaterra, embarcando-se em uma nau daquele país. Veja-se como Graça Henriques, moça de seus 12 anos, que também pretendia fugir, se referiu ao caso, perante os inquisidores:

— Depois de estarem embarcados na dita nau, passados 20 ou 22 dias, foram para a mesma nau, mas para outro camarote, um Diogo Lopes, duas mulheres que não sabe o nome,  uma rapariga e uma criança de que não sabe o nome, que seria de 1 ano e meio, se acomodava em outro camarote, em outro sobrado debaixo da mesma nau, as quais não conhecia mas eram portuguesas, e estavam embarcadas na mesma nau, para irem para os portos de Inglaterra, e desembarcaram na praia do Cais do Tabaco dia de Natal que foi o dia em que os ingleses os trouxeram à dita praia vindo todos embarcados na lancha dos mesmos ingleses.(4)

Graça e os parentes foram presos naquele mesmo dia de natal e logo denunciaram também Diogo Lopes Marques que foi preso em 3 de janeiro seguinte. Veja-se a denúncia feita por Diogo Rodrigues Dias, do Sabugal, “tutor” da Graça:

— Disse que se achou no mesmo navio com Diogo Lopes Marques, castelhano, (…) e a mulher do mesmo, que lhe parece se chama Leonor, e com uma irmã desta e cunhada do dito Diogo Lopes, e estando todos os quatro no mesmo navio, por ocasião de os mesmos não quererem comer uma galinha assada com manteiga, sem dizer a razão, porém ele confitente ficou entendendo que os mesmos a não queriam comer por serem observantes da lei de Moisés, por ele ter ouvido em outras ocasiões, que era proibido na mesma lei comer lacticínios com carne, de cuja prática ele confitente se aproveitou, não mandando, dali em diante, assar carne com manteiga.(5)

Outros passageiros embarcados, em fuga para Inglaterra eram da família dos Medina, nomeadamente Manuel Lopes Pinheiro e Leonor Henriques, sua sobrinha, filha de Isabel Henriques Laguna e Simão Rodrigues Nunes.(6)

Resta dizer que Diogo Lopes Marques saiu condenado em cárcere e hábito no auto-da-fé de 9.9.1703, a que assistiu D. Catarina, que foi rainha de Inglaterra. E depois de penitenciado, acabou mesmo por fugir para Inglaterra, onde aderiu abertamente ao judaísmo.

 

Notas:

1 - ANTT, inq. Lisboa, pº 4551, tif 96.

2 - Idem, tif 45.

3 - Inq. Coimbra, pº 6018, de Violante Nunes.

4 - Inq. Lisboa, pº 532. Graça era filha de Domingos Lopes Ferreira, contratador, e Francisca Lopes, ausentes já em Inglaterra.

5 - Idem, pº 4551, tif 21.

6 - ANDRADE, António Júlio; GUIMARÃES, Maria Fernanda, Judeus em Trás-os-

-Montes A Rua da Costanilha, p. 191, Âncora Editora, 2015. VIEIRA, Carla, Na­tion Between Empires.

 

Indignado? Claro que fico indignado!

É claro que me indigna. Às vezes chega mesmo a provocar-me revolta. O juiz Ivo Rosa manda retirar do processo Marquês as declarações de Ricardo Salgado feitas no âmbito de outros processos? Porquê? O juiz acha que as mesmas são falsas, desprovidas de fundamento, fantasiosas ou induzidas? Não. Nada disso. O juiz alega que declarações noutros processos não podem ser usadas neste caso. É isso que determina a Lei e ele tem de cumprir a Lei. Mesmo que esteja convicto que as mesmas são verdadeiras, mesmo que outro juiz, em audiência as tenha declarado como boas e úteis, aqui não podem ser usadas. E este não é, sequer, um caso único. Qualquer cidadão comum, como eu, toma conhecimento de casos parecidos em que as provas apresentadas pela acusação (normalmente do Ministério Público) são consideradas inválidas pelo magistrado titular do processo. Mesmo quando parece óbvio que, se levadas à barra do Tribunal, constituiriam um factor sério e consistente para poder sustentar uma, mais que provável condenação… e, sem elas, o réu sai em liberdade sem qualquer pena! Mesmo quando o juiz tem e, muitas vezes declara no acórdão, opinião convicta da sua culpa.

Em Portugal não existe a figura da delação premiada. Toda a gente sabe que, apesar de ser um cancro social e de efeitos devastadores na credibilidade do Regime Democrático, as condenações por corrupção são poucas por ser um crime de contornos difíceis de provar em tribunal onde, obviamente, a colaboração dos envolvidos facilitaria a tarefa dos acusadores e, ainda mais, dos julgadores.

Em abstracto, tão injusto é condenar um inocente, como absolver um culpado. Ambas as acções constituem uma falta de aplicação de justiça.

Contudo…

A absolvição de um culpado, sendo injusta e, muitas vezes penosa para o queixoso, é reversível. Se não no todo, pelo menos em parte. O contrário não!

É certo que ninguém como o envolvido num crime sabe os trâmites e rastos do mesmo. A sua confissão pode carrear aspectos, factos e circunstâncias que de outra forma nunca chegarão a quem deles deva ter conhecimento. Mas, porque razão se há-de premiar um criminoso, por denunciar outro? E se o outro reclamar inocência, porque se há-de acreditar naquele que corrobora a tese de quem investiga? Em última análise podia até acontecer que o delator “colaborasse” num crime com intenções de incriminar outrem, sabendo que a sua pena iria ser atenuada porque, avisadamente, a iria denunciar no tempo adequado.

É verdade que é difícil aceitar que provas com aspecto robusto e evidências claras possam ser descartadas só porque não foram obtidas seguindo a praxis legal, mas nem quero pensar no que poderia acontecer se pudessem ser aceites excepções a esse normativo! Os meios colocados à disposição dos investigadores são muitos, poderosos e sofisticados. E bem. Mas não podem ser usados sem qualquer regra. Por muitas condenações que pudessem acrescentar, a possibilidade de invasão indevida da justa privacidade de cada um, a diminuição inaceitável das garantias de quem é acusado (justa ou injustamente) constituiria um retrocesso civilizacional intolerável!

Quando sei de notícias que podem ajudar criminosos a furtarem-se à mão longa da justiça, fico indignado. Às vezes, revoltado. Mas, depois penso um pouco e conformo-me. Se não fosse assim, era bem pior!

 

A Assembleia da República dos Animais

Não é, sequer, o exemplo mais significativo: entre 1987, data das primeiras eleições europeias e 2019, ano das mais recentes, a abstenção saltou de 28% para 70%, o que indicia um claro e continuado fracasso do Regime político vigente. Por este andar apenas os militantes partidários e demais arregimentados, irão votar.

Trata-se de um sapo que os políticos continuam a engolir sem pestanejar, que lhes retira autoridade para representar quem quer que seja e governar seja lá o que for, mas não os demove da vidinha alegre e airada que a política lhes proporciona. A maioria sente-se como peixe na água pelo que, a coberto da mítica estabilidade política, se devota a garantir que tudo continue como está. Marcelo Rebelo de Sousa é um deles.

Enquanto Presidente da República incitou, sem êxito, os portugueses a ir às urnas, mas no rescaldo de mais este estrondoso desaire da democracia apenas se declarou preocupado com a hipotética crise da Direita. O que nos leva a pensar que para Marcelo de Sousa os abstencionistas são de Direita e que as demais desgraças do Regime, assim como o descalabro da generalidade dos serviços públicos, não merecem a atenção do Presidente da República. Ficamos sem saber se é o analista político que opina se o estadista que se demite.

Como se isto não bastasse Marcelo de Sousa reduz a Direita ao PSD, este sim claramente em queda, e ao CDS que está como sempre esteve, mas esquece que o PS, cuja vitória, nas próximas eleições legislativas inoportunamente augurou, também é de direita desde que Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, pese embora António Costa, em desespero de causa, se ter concertado com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, que por sua vez atiraram os pruridos ideológicos às urtigas, para juntos pedalarem furiosamente pelas autoestradas do capitalismo, montados na Geringonça.

No decorrer desta patriótica refrega Rui Rio veio a terreiro discordar do analista Marcelo de Sousa argumentando que a crise é do Regime. Não deixa de ter razão ainda que as aflições do PSD nada tenham a ver com as maleitas da democracia.

Pena é que o inefável líder do PSD não tenha tido tino para apresentar publicamente, aos eleitores e aos competidores, um pacote completo de reformas contemplando, por exemplo, as candidaturas independentes à Assembleia da República, já que a constituição de novos partidos apenas parece servir aos trânsfugas dos partidos tradicionais. Lamentavelmente, ficou-se pela ideia peregrina, avulsa, de reservar cadeiras vazias no Parlamento. Caiu no ridículo pois então.

 Imagine-se uma Assembleia em que os deputados debatem com cadeiras desocupadas, poiso de fantasmas, que não são de esquerda ou de direita, nem votam a favor ou contra. Melhor avisado teria andado Rui Rio se nas cadeiras vazias sentasse animais, antes que o PAN se apodere da iniciativa.

Teríamos assim uma Assembleia da República surrealista, maioritariamente composta por animais políticos, digníssimos cães, gatos e jumentos, entre outros, devidamente amestrados para ornear delicadamente, levantar a patinha e votar.

Perante tanta tontaria só apetece mesmo sair à rua e gritar: candidaturas independes à Assembleia da República. Já!

 

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Esquerda, direita, um, dois

Lembro-me como se tivesse sido ontem daquela magnífica festa de há quarenta e cinco anos que, como um bom agoiro que se lê no livro da natureza, se fez anunciar numa bonita manhã de primavera e sol nos espaços exteriores do liceu. Quase toda a malta da minha geração a acolheu de braços abertos com o idealismo, a ingenuidade, a ignorância que todos os dezoito anos costumam autorizar. A nossa perceção das coisas da política era fraquinha, para não dizer nula, e nem liberdade nem democracia nos diziam grande coisa: uns meses antes um ministro do salazar tinha sido lá recebido com discursos bajuladores e as honras do costume.

Era o que se passava com o povo em geral. Mas as festas, todas elas, são pausas saborosas no fim de longos dias de rotinas extenuantes; momentos em que os quadris se aliviam do peso desta linha produção que é a vida; intervalos em que uma ordem instituída relaxa a sua lei, ou se afasta para uma outra ordem instituir uma outra lei. Por acréscimo, aquela prometia paz a um país em guerra, pão a uma terra de fome inveterada, saúde a um povo abandonado às suas dores e moléstias, educação a uma população que não sabia ler. Se juntarmos ainda o brinde da liberdade e da democracia, compreendem-se bem os espasmos em que tudo aquilo deu.

Devia ter sido interessante para um observador vindo de fora assistir ao corrupio de ideias que flutuavam no ar por essa altura e ao frenesi de gente acotovelando-se para as apanhar. Posto que o nosso forte nunca foi pensar, aderíamos às coisas por todo o tipo de razões egocêntricas e inconscientes, isto é, mais ou menos com a mesma racionalidade com que antes tínhamos decidido ser do sporting, da académica ou da sanjoanense. Nem preciso de ir muito longe: a minha colagem imediata às esquerdas não tinha por trás nenhum conhecimento amadurecido (nem por amadurecer) do ser humano e da vida em comunidade. Simplesmente, as promessas generosas da revolução eram música para os meus ouvidos de desfavorecido.

Éramos brutos, tal como hoje, e não era difícil convencerem-nos fosse do que fosse. Porque tudo nos era servido como num self-service doses de fast food prontas a comer, comíamos do que nos punham à frente. E depois, as ideias da moda tinham o aval de filósofos, intelectuais, políticos, tudo gente de gabarito que pensava por nós. Apenas um exemplo: passámos quase todos a ser ateus empedernidos, mas, curiosamente, engolíamos com avidez o catecismo de uma nova fé, à qual não faltavam profetas, escrituras, promessas de salvação, messias, apóstolos, mártires, papas, missas, romarias. O fervor da crença chegava mesmo a proporcionar visões, individuais e coletivas.

Se não, vejamos. Uma das primeiras coisas de que nos persuadiram foi que as ideias políticas se repartem por dois grandes campos que mutuamente se excluem e combatem, esquerda e direita. Acoplado a isso, era evidente para nós que arrastados nessa luta se digladiavam também povo e burguesia, operários e patrões, pobres e ricos, explorados e exploradores. Simplista como todos os esquemas, mas tão eficaz que se mantém a funcionar e ainda nos empolga. Curioso é que os segundos termos destes pares foram rapidamente diabolizados. Ser de direita não era ser alguém que pudesse ter ideias válidas e defender modelos de sociedade. Concentrada no adjetivo fáxísta, então em voga, a categoria não só desqualificava qualquer um como tinha mesmo caráter insultuoso. Em resumo, à pobreza do pensamento maniqueísta direita-esquerda acrescentava-se a indigência do pensamento único.

Com o tempo ficámos amarrados à ideia como barcos a um cais, e tomámo-la por tão real como um pau ou uma pedra. Também é verdade que ela vai funcionando dentro do jogo democrático, ao fazer dialogar pontos de vista antagónicos e complementares de cuja síntese se constrói a vida em sociedade. Mas fraturar a vida política (e portanto as nossas mentes) em duas partes é tão arbitrário como fraturá-las em quatro ou oito, não passa de uma convenção como qualquer outra.

Direita e esquerda existem dentro de nós como duas tendências que dialogam entre si e a natureza nunca se teria lembrado de apartar: razão e coração. Cada uma delas devia ser um miradouro para contemplar o panorama antes de avançar, não uma moradia de cuja janela se olha a mesmíssima paisagem durante a vida inteira.

Esquerda, direita, um, dois

Lembro-me como se tivesse sido ontem daquela magnífica festa de há quarenta e cinco anos que, como um bom agoiro que se lê no livro da natureza, se fez anunciar numa bonita manhã de primavera e sol nos espaços exteriores do liceu. Quase toda a malta da minha geração a acolheu de braços abertos com o idealismo, a ingenuidade, a ignorância que todos os dezoito anos costumam autorizar. A nossa perceção das coisas da política era fraquinha, para não dizer nula, e nem liberdade nem democracia nos diziam grande coisa: uns meses antes um ministro do salazar tinha sido lá recebido com discursos bajuladores e as honras do costume.

Era o que se passava com o povo em geral. Mas as festas, todas elas, são pausas saborosas no fim de longos dias de rotinas extenuantes; momentos em que os quadris se aliviam do peso desta linha produção que é a vida; intervalos em que uma ordem instituída relaxa a sua lei, ou se afasta para uma outra ordem instituir uma outra lei. Por acréscimo, aquela prometia paz a um país em guerra, pão a uma terra de fome inveterada, saúde a um povo abandonado às suas dores e moléstias, educação a uma população que não sabia ler. Se juntarmos ainda o brinde da liberdade e da democracia, compreendem-se bem os espasmos em que tudo aquilo deu.

Devia ter sido interessante para um observador vindo de fora assistir ao corrupio de ideias que flutuavam no ar por essa altura e ao frenesi de gente acotovelando-se para as apanhar. Posto que o nosso forte nunca foi pensar, aderíamos às coisas por todo o tipo de razões egocêntricas e inconscientes, isto é, mais ou menos com a mesma racionalidade com que antes tínhamos decidido ser do sporting, da académica ou da sanjoanense. Nem preciso de ir muito longe: a minha colagem imediata às esquerdas não tinha por trás nenhum conhecimento amadurecido (nem por amadurecer) do ser humano e da vida em comunidade. Simplesmente, as promessas generosas da revolução eram música para os meus ouvidos de desfavorecido.

Éramos brutos, tal como hoje, e não era difícil convencerem-nos fosse do que fosse. Porque tudo nos era servido como num self-service doses de fast food prontas a comer, comíamos do que nos punham à frente. E depois, as ideias da moda tinham o aval de filósofos, intelectuais, políticos, tudo gente de gabarito que pensava por nós. Apenas um exemplo: passámos quase todos a ser ateus empedernidos, mas, curiosamente, engolíamos com avidez o catecismo de uma nova fé, à qual não faltavam profetas, escrituras, promessas de salvação, messias, apóstolos, mártires, papas, missas, romarias. O fervor da crença chegava mesmo a proporcionar visões, individuais e coletivas.

Se não, vejamos. Uma das primeiras coisas de que nos persuadiram foi que as ideias políticas se repartem por dois grandes campos que mutuamente se excluem e combatem, esquerda e direita. Acoplado a isso, era evidente para nós que arrastados nessa luta se digladiavam também povo e burguesia, operários e patrões, pobres e ricos, explorados e exploradores. Simplista como todos os esquemas, mas tão eficaz que se mantém a funcionar e ainda nos empolga. Curioso é que os segundos termos destes pares foram rapidamente diabolizados. Ser de direita não era ser alguém que pudesse ter ideias válidas e defender modelos de sociedade. Concentrada no adjetivo fáxísta, então em voga, a categoria não só desqualificava qualquer um como tinha mesmo caráter insultuoso. Em resumo, à pobreza do pensamento maniqueísta direita-esquerda acrescentava-se a indigência do pensamento único.

Com o tempo ficámos amarrados à ideia como barcos a um cais, e tomámo-la por tão real como um pau ou uma pedra. Também é verdade que ela vai funcionando dentro do jogo democrático, ao fazer dialogar pontos de vista antagónicos e complementares de cuja síntese se constrói a vida em sociedade. Mas fraturar a vida política (e portanto as nossas mentes) em duas partes é tão arbitrário como fraturá-las em quatro ou oito, não passa de uma convenção como qualquer outra.

Direita e esquerda existem dentro de nós como duas tendências que dialogam entre si e a natureza nunca se teria lembrado de apartar: razão e coração. Cada uma delas devia ser um miradouro para contemplar o panorama antes de avançar, não uma moradia de cuja janela se olha a mesmíssima paisagem durante a vida inteira.