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Parlamento Europeu As funções do Presidente do PE

Na edição  desta semana iremos falar das funções do Presidente do Parlamento Europeu.

O Presidente do PE (atualmente Antonio Tajani, de nacionalidade italiana e do grupo político PPE/Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos)) é eleito por dois anos e meio, renováveis, ou seja, por metade de uma legislatura.

As funções do Presidente do Parlamento Europeu são:

– O Presidente preside às sessões plenárias do Parlamento Europeu, à Conferência dos Presidentes dos Grupos Políticos e à Mesa do Parlamento (incluindo 14 vice-presidentes e 5 questores). 

– O Presidente é responsável pela aplicação do Regimento do Parlamento Europeu e, para esse fim, supervisiona todas as atividades do Parlamento Europeu e seus órgãos. 

– O Presidente representa o Parlamento Europeu em todos os assuntos legais.

– O Presidente dirige-se ao Conselho Europeu antes de cada uma das suas reuniões, expondo o ponto de vista do Parlamento Europeu sobre os assuntos da ordem do dia no quadro de um debate com os chefes de Estado e de governo.

– O Presidente representa o Parlamento Europeu nas suas relações internacionais e, neste contexto, realiza visitas oficiais dentro e fora da UE.

– O Presidente assina o orçamento da União Europeia na sequência da votação do Parlamento Europeu. Durante o processo, o Presidente preside às delegações de conciliação do PE / Conselho.

– O Presidente pode, no âmbito do processo de co-decisão PE / Conselho, presidir ao comité de conciliação PE / Conselho. Em conjunto com o Presidente em exercício do Conselho, o Presidente assina todos os actos legislativos adoptados por co-decisão.

Quando se realiza uma Conferência Intergovernamental para a reforma dos Tratados, o Presidente participa nas reuniões dos representantes do governo, quando estas são organizadas a nível ministerial.

O murmúrio dos Nossos

As flores que depositámos, piedosamente, sobre as pedras tumbais dos que nos precederam, no carreirão dos vivos, não vão certamente passar o Inverno que começa a mostrar-se de forma séria. Nós sabíamo-lo quando as levámos, que não teriam mais sorte do que um contrato de curta duração concluído à pressa, já adivinhávamos que os raminhos orgulhosos dos crisântemos com generosas flores brilhantes cairiam rapidamente sob o efeito da lei da gravidade húmida e que as pontas das flores se endureceriam para as fazer cair antes da nossa próxima visita.

É sem dúvida uma bonita tradição a que vê afluir, todos os anos, com data fixa, montões de flores ao nosso mercado, às nossas floristas de passagem, para serem depositadas nos cemitérios das nossas aldeias e cidades. Uma tradição que não cede apesar do triunfo do hedonismo e da erupção suposta da pós-modernidade e da revolução dos meios de comunicação. Os vivos ainda têm um coração que recorda. Este hábito, nada o desencoraja, nem o trava, exceto as distâncias que a vida moderna, cruel, colocou entre nós os vivos e os nossos mortos.

Mas esta distância só tem explicação pelo silêncio de uns e dos outros. Não ousamos suficientemente falar aos defuntos e, além disso, não sabemos escutar os seus murmúrios. O que os mortos sussurram ao ouvido dos vivos. Não é preciso ser medium para o ouvir. Basta, por exemplo, que nas alas dum cemitério se preste o ouvido, com humildade, calando os ruídos, o alvoroço das nossas atividades e dos nossos pensamentos, o ronronar das nossas preocupações. Falemos com os que partiram, pelo menos uma vez por ano. Digamos-lhes mais uma vez que os amávamos mais do que conseguíamos por vezes dizer-lho. Em compensação, eles saberão perfeitamente falar-nos com a doçura dos seus pensamentos de após-vida.

Que nos ensinam estas dezenas de milhares de defuntos que jazem em baixo do cascalho onde lamuriam os nossos prudentes passos? Por vezes ouve-se isto: “ Parai com essa agitação, acalmai-vos … Ouvi as lições das nossas vidas amputadas de uma parte dos nossos projetos e das nossas ambições. Também nós tínhamos apostado no futuro risonho e rentável, nós também acreditávamos na virtude do dinheiro, nas facilidades do poder, e depois, um triste dia, catrapum, foi necessário desistir e deixar o palco em que parecíamos acreditar no papel que representávamos. Perdemos tudo nesse dia porque, como é sabido, os lençóis não têm bolsos. Nem para as carteiras nem para os revólveres. A não ser para a nudez lisa das roupas de aparato onde foram endomingados os nossos corpos enfraquecidos para nos tornar apresentáveis perante o túmulo”. 

E continuam: “ Ouvi o silêncio que é o nosso. A nossa imensa multidão não faz nenhum barulho. Nunca nos alinhamos em cortejos vingadores. Não há manifestações entre nós, nas alamedas sombrias dos subterrâneos que ocupamos, apertados uns contra os outros, como uma grande fraternidade post-mortem. Somos por fim iguais perante o destino, frente ao tempo, e tudo isso para a eternidade; pensai, quanta paciência e abnegação para chegar a esta sabedoria final dos enterrados, dos desaparecidos, nós os vossos queridos desaparecidos.“ Inspirai-vos, nossos queridos vivos, nas lições desta constatação simples que ilustramos através do nosso recolhimento e através do que, sentimo-lo bem, vós mesmos observais diante das nossas campas floridas.

E concluem: «Obrigado por estas flores que cobrem as nossas tristes lápides onde fizestes gravar as nossas identidades. Como vós, nós adivinhamos que o vento, o gelo, a chuva, a CO, acabarão por apagar mesmo estes traços das nossas identidades terrestres e dos dois milésimos que resumem o todo das nossas vidas. A este perverso trabalho do tempo, devemos antes de mais aceitá-lo, porque todos já o compreendemos enquanto vivos, quando nós mesmos vínhamos visitar os nossos antepassados nos velhos cemitérios meio negligenciados das nossas aldeias. Interrogávamo-nos sobre as pedras abandonadas, sobre as datas não compatíveis, sobre as datas já invisíveis… Tende piedade, ó vivos, pensai em nós antes de vos juntardes a nós, sede vigilantes sobre o estado das nossas últimas moradas que também serão as vossas e, pensai sobretudo em viver cada dia na dignidade e no sério que manifestais quando fazeis esta visita anual e da qual vos agradecemos”.

Meu Brasil, brasileiro…

Se consultarmos os mapas da emigração portuguesa de 1850-1950 ficamos a saber quão intensa, dorida e retalhada em rios de lágrimas foi o corrupio de transmontanos para o Brasil. Nasci na casa de um avô ausente no Rio de Janeiro, cresci a ouvir falar desse homem militante do Partido Democrático, lavrador de courelas, professor no âmbito do movimento republicano das Escolas Móveis, caçador de coelhos e lebres, fumador inveterado, fazedor de filhos, cinco em cinco anos, emigrante empenhado e disposto a pagar a dívida e juros usurários. Pagou, forrou gastando as solas dos pés, regressou em 1958, um malão de roupa, anel de ouro no mindinho, óculos, relógio de bolso, botões de punho e botão destinado a fechar o colarinho da camisa, tudo em ouro, poupanças que no seu entender escorariam velhice sem temores e tremores. Lá estava a acolhe-lo na noite da chegada, a aldeia em peso visitou-o, o brasileiro Francisco Buíça estava de volta.

Descansou uns dias, visitou velhos amigos, recebeu piadas vindas da boca do seu camarada de armas durante a I Guerra Mundial, o Padre Aurélio no decorrer da missa dominical dado os brasileiros de torna viagem serem dados ao espiritismo e outras ideias abstrusas.

O ritmo galopante da inflação levou à desvalorização do cruzeiro, quem possuía 100 cruzeiros passou a ter um cruzado, o sonho de um fim de vida confortável esvaiu-se, sobraram as recordações e uma resignação a pedir meças ao bíblico Job, os últimos suavizava-os a ler tudo quanto lhe levava, ficava agradado ao receber as revistas Cruzeiro e Manchete,

Porque muito o admirava dada a sua a sua curiosidade cultural, a sua argúcia a jogar a sueca, a sua escrita desprovida de erros ortográficos em impecável cursivinho, a sua permanente ironia relativamente a Salazar, no seu entender refinado manholas, à diligência no sentido de lembrar as virtudes da honradez e rompante frontalidade, senti profundamente a sua morte ocorrida em Junho de 1973. Na altura da urna descer até repousar no coval devia ter rasgado o véu de silêncio proferindo palavras alusivas ao Homem a quem tanto devo. Remordo os lábios sempre que a omissão aparece.

O drama da emigração em busca da árvore das patacas brasileiras povoou o ambiente das comunidades rurais do tão propalado reino maravilhoso, reino pedregoso, a escalavrar famílias nessa já longínqua era – monárquica, republicana, salazarista –, a ideia do eldorado não se restringe à literatura.

Sim, recordo Os Brilhantes do Brasileiro de Camilo, vai para além dos livros de Carlos Malheiro Dias, Ferreira de Castro, Miguel Torga, Aquilino Ribeiro, Mina de Diamantes e Quando os Lobos Uivam, a pungente poesia de Guerra Junqueiro referindo os forçados a abandonar os seus casinhotos, entre muitos outros de menor envergadura, só que a pulsa salvífica do enorme, estranho, quente, gerador de leite e mel povoava os sonhos dos nossos avós mortificados por cilícios de toda a casta de provações, desfavores e miopia analfabeta e interesseira do poder, dos diversos poderes. Sendo assim e foi o lodo e o pó dos caminhos serviu de argamassa ao desejo da evasão colorido periodicamente quando Fulano e Cicrano recebiam a «carta de chamada» de familiares ou amigos bem instalados porque conseguiam bons réditos na exploração do varejo, botecos, padarias e confeitarias como as do meu avô sitas na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, as dele transformadas em churrasqueira como tive ensejo de contemplar nas idas à mítica cidade.

Agora? Agora Bolsonaro ganhou, não adianta chorar sobre o leite derramado, em muitos aspectos o Brasil ainda é uma África tropical envernizada já o disse e novamente escrevo, alegria e verve dos anos quarenta do século passado personificada na portuguesa Carmen Miranda coexistiu e continuou com os nefandos crimes de Getúlio causadores do seu suicídio e dos carrascos generais do golpe de 1964, o vinhaense da Moimenta Alípio Freiras recentemente falecido exemplifica os milhares de vítimas da repressão, ou seja: a história do Brasil tal como a nossa está povoada de contrastes, muito mais evidentes neste tempo devido à vertiginosa velocidade de imagens e palavras.

A mirífica vazão rural do Brasil desapareceu tal como desapareceram (e bem) as fontes de mergulho e o pão cozido nos fornos (mal) das nossas aldeias, viajamos facilmente até lá, compramos cá a farofa e a picanha, o Mundo mudou e Bolsonaro pode provocar tremendos entorses à democracia, porém não tem poder (de nenhuma natureza) capaz de sorver a seiva vital da sociedade brasileira, e não podemos esquecer o óbvio: essa mesma sociedade votou livre e maioritariamente em Bolsonaro. As representações lacrimejantes de bem-pensantes portugueses além de ridículas estão inchadas de hipocrisia dada sua vesguice ao ignorarem o facínora Maduro da Venezuela.

Aguarde-se o rolar do tempo, volto a reler Machado de Assis, Lins do Rego, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Padre António Vieira, a ouvir Marcelo Vianna, Sérgio Mendes, a esfusiante Dona Edith do Prato e outros discos editados pela Biscoito Fino. Biscoitos não, feijoada versão de Minas Gerais sim!

 

Vendavais - Nefrologistas precisam-se

O  bem mais precioso que podemos ter é a saúde. E quando ela começa a escassear, só nos resta recorrer aos serviços que a podem oferecer. Para isso, é necessário ter um bom serviço nacional de saúde.

Deixou-nos, ainda não há muito tempo, aquele que foi o mentor e implementador do Serviço Nacional de Saúde. Homem de visão e sagacidade que apostou no colmatar de uma falha existente para bem de todo o povo português. Dar saúde a todos por direito, num Estado de Direito. Uma das maiores conquistas de abril.

A sua implementação levou algum tempo, mas foi crucial para a saúde portuguesa. Altos e baixos, como em tudo o que se quer fazer bem, esteve sempre dependente dos dinheiros públicos, levando a ajustes dos vários orçamentos de Estado. Nos últimos tempos, a justeza dos orçamentos, levou os governos a retirar alguns serviços e a diminuir outros, alterando o que se pretendia com o bom funcionamento.

Lembramo-nos certamente que ao longo de todas estas décadas em que contámos com o Serviço Nacional de Saúde, nem sempre houve bom entendimento entre a administração e os médicos, o que levou à criação de serviços de periferia, que muito aborreceu corpo clínico que se viu afastado dos principais centros urbanos, como se as pessoas do interior não tivessem direito a ser assistidos ou os hospitais dispensassem algumas valências, descurando os seus utentes e a sua saúde. Foram tempos de exigência e em que se pensou mais neste interior votado ao abandono. Contudo, ficou a necessidade de não se descurarem os doentes crónicos, que a expensas do Estado, são atendidos mais ou menos bem, mas de acordo com premissas previamente estipuladas, tendo sempre ou quase em atenção a vertente económica do sistema.

É o que se passa com algumas valências, onde existem os doentes e muitos, mas não há médicos especialistas para todos eles, remetendo para o setor de enfermagem os cuidados a ter com eles. É o caso dos doentes sujeitos a hemodiálise, que deveriam ter sempre obrigatoriamente por lei, um médico nefrologistas diário, mas não têm.

O hospital de Bragança teve até há um ano atrás uma médica nefrologista que atendia os cerca de 80 doentes a fazer diálise. A médica saiu para um hospital do Porto e embora dissessem que seria substituída, o certo é que não foi. O serviço de hemodiálise do hospital de Bragança está sem médico nefrologista residente, valendo-lhe um médico da especialidade que vem uma vez por semana de Mirandela, onde tem uma clínica particular. Como é possível que isto aconteça?

A explicação dá-la-á quem souber ou quiser. Não sei se foram abertos concursos e ficaram desertos ou se nem sequer foram abertos para economizar dinheiros públicos. Mas uma coisa é certa: os doentes não podem estar todos os dias a fazer diálise e não ter um médico especialista que possa obviar a algum contratempo que possa surgir a um doente qualquer. A lei obriga a que o hospital tenha um especialista no serviço. Não pode ser ao sabor de quem manda, de quem quer ou não, ou mesmo do que interessa aos serviços. E se a vaga não é preenchida em concurso, então que se arranjem estratagemas que obriguem um médico nefrologista a ocupar o lugar. Se a lei existe e obriga, então que se cumpra.

O corpo de enfermagem tem assegurado esse serviço dentro das limitações a que se vê obrigado, mas não pode substituir o clínico. Neste trabalho insano, há que louvar esses profissionais, mas muito fica por fazer e cumprir. Como diz o povo, não se fazem morcelas sem sangue. Assim, correm-se riscos desnecessários e perigosos. Felizmente que no serviço de Diálise há médicos que por lá vão passando, pois que é necessário observar outros parâmetros dos doentes, mas não são nefrologistas e ninguém pode querer tapar o Sol com a peneira!

Quando o Serviço Nacional de Saúde foi criado não esperava certamente que estas situações se viessem a verificar. Infelizmente. De há uns anos para cá, a saúde tem andado aos trambolhões e só se pensa em como arranjar dinheiro ou em poupá-lo à custa dos doentes que estão à espera de ser bem atendidos. A crise de 2008 veio agravar toda a situação e como os dinheiros públicos eram escassos, os governos logo equacionaram um meio de os utentes terem de pagar e bem, para usufruir dos serviços. O problema agrava-se quando os serviços não são prestados porque não existe corpo clínico adequado. Culpamos os dirigentes, culpamos o Estado, mas não nos culpamos a nós porquê? Alguém tem de alertar para esta situação antes que seja tarde.

É pois urgente que no hospital de Bragança se faça cumprir a lei e que seja preenchida a vaga de nefrologia antes que seja demasiado tarde. Os riscos que os doentes em diálise correm são imensos e podem surgir quando menos se espera. Queira Deus que não se chegue a tanto!

Inquisição – lutas políticas – pureza de sangue (5) - Branca Rodrigues, uma conjurada

Herdou o nome da sua avó paterna e tinha uns 7 anos quando aconteceu a cena da prisão de Lopo Machado, protagonizada pela mesma avó e por seu pai, Luís Henriques Julião, com a ajuda de vários outros cristãos-novos de Vila Flor.

Lopo Machado era um executor do santo ofício e, por isso, a sua prisão e a forma como foi executada, constituiu um crime contra o tribunal da fé. Em consequência, em 23.12.1744, os inquisidores de Coimbra assinaram um decreto dizendo:

— Pareceu a todos os votos que eram as culpas bastantes para serem presos nos cárceres do santo ofício, os seguintes: Luís Henriques e Rodrigo Fernandes, filhos de Julião Henriques; Branca Rodrigues, mulher do dito Julião Henriques e que só a dita Branca seja presa com sequestro de bens, visto ter culpas de judaísmo. E à maior parte dos votos pareceu que também fossem presos nos cárceres do santo ofício Rodrigo Fernandes, tio dos ditos Luís Henriques e Rodrigo Fernandes; Francisco Vaz Ganâncias; Jerónimo Guterres, o indiano; Jorge Fernandes, filho de Henriques Dias; e Manuel, neto do dito Henrique Dias, e sem sequestro de bens, visto serem todos cristãos-novos e acharem-se presentes à prisão de Lopo Machado, que se fez em ódio ao santo oficio, de que houve escândalo em Vila Flor, aonde se fez, e para isso se passe mandado.(1)

Quando a ordem de prisão chegou a Vila Flor, já Luís Henriques e o Rodrigo Fernandes se teriam abalado para os lados da Galiza, pelo que não foram presos. Sê-lo-iam 10 anos mais tarde, quando Luís Henriques vivia em Castro Laboreiro, na raia da Galiza, com sua mulher Filipa Dias.(2)

Nos anos que seguiram novas investidas da inquisição aconteceram em Vila Flor. A maior de todas foi ao início de novembro de 1664, com a prisão de uns 35 cristãos-novos que foram metidos a ferros durante alguns dias na casa da Misericórdia. Entre esses prisioneiros estava Branca Rodrigues, filha de Luís Henriques Julião, e o seu marido.(3)

E ela e outros teriam combinado denunciar como judeus declarados os homens da nobreza de Vila Flor e outros cristãos-velhos que mais ativos e interessados se mostraram, ao serviço da inquisição, prendendo-os e arrematando-lhe os bens sequestrados. Com tais denúncias, conseguiriam que a inquisição prendesse os seus próprios servidores, em Vila Flor.

A responsabilidade maior desta “conjuração” seria atribuída a Diogo Henriques Julião que, depois de sair da cadeia da inquisição de Coimbra, se foi para Castela. Ele teria arquitetado o plano e pago a outros “conjurados” que fossem a Coimbra apresentar-se e denunciar também homens e mulheres da nobreza de Vila Flor, incluindo cristãos-velhos.

Voltemos à filha de Luís Henriques, Branca Rodrigues que seria levada pelo pai para a cidade galega de Pontevedra, onde viveu até aos 18 anos, mudando-se depois para Orense, onde permaneceu 3 anos, posto o que regressou a Vila Flor, ao findar da década de 1650, para casar com João Lopes Henriques, o surdo. A casa de morada do casal situava-se na rua da Igreja e confrontava de um lado com a da Romana e do outro com a do Panistro, duas pessoas cristãs-novas, também com historial na inquisição de Coimbra.

Quando o João e a Branca foram presos, em novembro de 1664, deixaram 4 filhos, o mais velho de 5 anos e o mais novo de meio ano. Imagina-se o drama destas crianças, assim deixadas ao abandono, já que a própria casa de morada foi fechada e selada.

Não vamos aqui seguir o processo de Branca no tribunal de Coimbra. Diremos apenas que logo de início ela confessou os seus erros e denunciou muitos companheiros. E denunciou falsamente várias pessoas da nobreza da terra e cristãs-velhas, que, em seguida, foram igualmente presas, juntando-se nas celas de Coimbra. António do Sil Morais, homem nobre, da governança da terra, foi um dos denunciados por Branca. Veja-se um pouco da denúncia:

— Disse que há 5 anos e 8 meses, porque era Junho, em Vila Flor, em casa de António do Sil Morais, que tem parte de cristão-novo, não sabe quanta, por via paterna, que vive de sua fazenda, casado com Maria Aguirre, que tem parte cristã-nova, não sabe quanta nem por que via, se achou com ela e com (…) E depois de merendarem perguntou o dito António do Sil a ela confitente e às mais mulheres hóspedes se sabiam elas a causa por que as havia convidado naquele dia com semelhante merenda. E respondendo elas que não, tornou o mesmo António do Sil a dizer que dera de fazer aquela merenda e comerem todos, por festa e lembrança da vitória que em semelhante tempo alcançou o povo de Israel do capitão Holofornes, por meio da famosa Judite, que lhe cortou a cabeça, fazendo naquela ocasião, assim ela como os mais do povo judaico grandes festas e banquetes, tendo o ditos António do Sil e mais homens da companhia acerca daquela história larga prática e disputas, por serem homens discretos e lidos, e em esta ocasião se declararam como criam na lei de Moisés…

Certamente que o testemunho de Branca foi decisivo para a prisão de António do Sil, em fevereiro de 1667. Tal como o que prestou acerca de Francisco Montes Almeida e vários outros homens da nobreza da terra, que foram presos ma mesma ocasião. E para encerrar esta análise de falsas declarações de Branca Rodrigues, naturalmente concertadas com outros cristãos-novos, veja-se esta onde o visado foi um mercador que ajudou na prisão dos cristãos-novos:

— Haverá 5 anos (…) Passando pela porta de Gaspar Leitão, marcador, cuja qualidade não sabe, casado com Maria Vaz, meia cristã-nova, chamaram estes da sua janela rogando que subissem para a dita casa, como com efeito fizeram, e estando todos 9 os convidou a dita Maria Vaz com passas, amêndoas e confeites, que comeram; e logo a dita Maria Vaz trouxe à mesa um açafate cheio de bolinhos de pão asmo e que também convidou a ela confitente e às mais pessoas da companhia, desculpando-se de lhes não dar maior porção deles, porque tinha outras pessoas da nação com quem repartir; e nesta ocasião se declararam como criam na lei de Moisés.

Terminou o processo com Branca Rodrigues a ser recebida na santa madre igreja, com cárcere e hábito perpétuo, no auto da fé de 13.2.1667. Regressou a Vila Flor, vestida com o sambenito, que lhe foi tirado em 6.12.1670, pelo comissário do santo ofício em Torre de Moncorvo, o licenciado António Saraiva de Vasconcelos.

Nas masmorras de Coimbra ficaram a penar os nobres de Vila Flor, falsamente acusados por Branca e outros “conjurados” cristãos-novos. Só que… os inquisidores acabaram por descobrir a “conjuração” e Branca Rodrigues foi de novo mandada prender, em 17.4.1671, juntamente com outros 16 conjurados, por declarações falsas, destinadas a “perturbar o recto procedimento do santo ofício, ofendendo os seus ministros, dando-lhes ocasião a proceder contra pessoas inocentes, para que se possa entender que do santo ofício tudo é falsidade”.

A esta altura Branca era já viúva e, metida na cadeia, logo reconheceu que mentira. Sobre o testemunho transcrito contra António do Sil disse que a cena aconteceu em casa de Lopo Fernandes e não em casa de António Sil e nem este nem a sua mulher, Maria Aguirre, participaram.

Igualmente revogou as denúncias que fizera contra as outras pessoas da nobreza e cristãs-velhas e que foram: António Rodrigues, ferrador; Catarina Álvares, sua mulher; Maria Álvares, filha destes; Domingos Vaz, marido da anterior; Gaspar Leitão, mercador; Francisco Montes de Almeida; Joana Borges; Pedro do Sil Morais; Domingos Lopes Bastos e Ângela Lemos.

Branca Rodrigues saiu no auto-da-fé celebrado em Coimbra em 12.3.1673 levando “carocha com rótulo de falsária e sendo açoitada pelas ruas públicas da cidade”, condenada em 7 anos de desterro para o reino de Angola.

Raramente saíam barcos de Lisboa diretos para Angola. Mais frequente era a ligação feita através do Brasil. Foi o caminho seguido por Branca que, em julho de 1675, se encontrava na cadeia da cidade da Baía, “padecendo grandes misérias e achaques e não pode ganhar para comer, por ser muito falta de vista, incapaz de ser remetida para Angola e tem 3 filhas donzelas e 2 meninos sem amparo algum”. Pedia, por isso, aos senhores inquisidores que a mandassem libertar e lhe deixassem cumprir os 7 anos de desterro na Baía. Foi atendido o pedido e por lá ficou Branca Rodrigues cumprindo a pena.

 

Notas:

1 - Inq. Coimbra, pº 6861-C, de Rodrigo Fernandes Portelo.

2 - Idem, pº 1093, de Luís Henriques Julião. Preso em 14.5.1656, saiu no auto-da-fé de 23.5.1660, condenado em cárcere a arbítrio, degredo por 2 anos para Castro Marim, pagamento de 20 mil cruzados.

3 - Idem, pº 1522, de Branca Rodrigues; pº 4888, de João Lopes Henriques.