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Inquisição – lutas políticas – pureza de sangue (2) - Vila Flor: Julião Henriques e Lopo Machado

Foi no 1.º de setembro de 1644, já a noite fechava. Lopo Machado Pereira, montado no cavalo, entrou em Vila Flor, pela porta sul, seguindo pela Rua da Fonte.(1) À porta de Julião Henriques, um grupo de “30 homens, embuçados e arrimados às paredes, com suas armas, pegaram nele e o deitaram do cavalo abaixo”. Os mais ativos eram os filhos de Julião: Luís Henriques e Rodrigo Fernandes, que o seguravam, enquanto a mãe, Branca Rodrigues, com um uma tocha feita de palha, lhe iluminava o rosto para que todos vissem e bradava:

— Ah! Ladrão! Agora pagarás as prisões de meu filho e meu marido que mos tens presos falsamente! (2)

A notícia correu a vila, e num ápice, todo o povo se juntou. Escândalo tremendo! O homem de mais poder na terra, o fiel executor das ordens do santo ofício, preso e agrilhoado pelos “judeus”!

Gonçalo Ribeiro Teixeira, um homem da nobreza, foi dos primeiros a chegar e, em companhia de Jacinto Machado, filho de Lopo, correram “a casa de Francisco Sampaio, fronteiro, filho do senhor desta vila, dando-lhe conta como tinham preso a seu pai”. O “fronteiro” mandou o ouvidor averiguar. À vista da ordem que Luís Henriques lhe mostrou para ler, voltou para casa a dar conta a seu amo, que nada podia fazer, que a prisão fora ordenada pelo corregedor da comarca, representando a justiça d´el-Rei.

Apareceu também Agostinho Valente Pinto, homem nobre, que então desempenhava as funções de juiz. Luís Henriques repetiu o gesto. Em consequência, ao juiz competia, não apenas permitir a prisão, mas ainda coadjuvar Luís Henriques na execução da mesma. Assim, foi sob a responsabilidade do juiz de Vila Flor, que Lopo Machado foi metido na cadeia da localidade durante aquela noite, de tudo mandando o mesmo juiz ao tabelião António Borges de Castro lavrar o competente auto de prisão. Tal como a responsabilidade pela segurança do prisioneiro foi, pelo juiz, entregue a outro homem da nobreza da terra, o alcaide António do Sil.

Bem guardada ficou a cadeia em toda a noite pelo alcaide, pelos dois filhos de Julião Henriques e por dezenas de cristãos-novos que festejavam a prisão do homem mais odiado pela gente da nação, pois era ele que costumava executar as prisões em nome do santo ofício, fazer o sequestro dos bens e conduzir os presos para Coimbra.

Bem cedo, na manhã seguinte, chegou o meirinho da correição de Moncorvo e Luís Henriques entregou-lhe a vara e o prisioneiro, já colocado em cima de “uma besta de albarda, com grilhões nos pés” e, se não fosse a pressão exercida por várias pessoas da nobreza de Vila Flor, ter-lhe-iam atado uma corda ao pescoço, para o espetáculo ganhar imponência. Imaginamos a cena: o poderoso Lopo Machado que, sem “dó nem piedade” prendia e acorrentava os “judeus”, via-se agora preso e acorrentado por eles, posto a ridículo em cima de uma besta, engolindo um mar de insultos. Veja-se o testemunho de Luís Borges de Macedo, tabelião de Vilas Boas, que também assistiu ao espetáculo:

— E logo as pessoas acima nomeadas e as que traziam em companhia levaram preso o dito Lopo Machado Pereira a Torre de Moncorvo, com muitas palavras afrontosas, querendo-lhe atar as mãos atrás e lançando-lhe uma corda ao pescoço, se umas pessoas nobres que ali estavam o não impedissem.(3)

Para além do meirinho da correição, o prisioneiro foi acompanhado a Moncorvo pelo juiz de Vila Flor e por Luís Henriques, naturalmente. Foi metido na cadeia da comarca mas… “logo na noite seguinte, fugiu da dita cadeia”.

Não sabemos como nem para onde fugiu Lopo Machado. Sabemos é que a sua prisão foi considerada uma ofensa ao santo ofício, que logo mandou ao comissário Domingos Carneiro, de Vila Real, averiguar e, em 11.2.1645, na sequência do seu relatório, o tribunal de Coimbra ordenou a prisão da mulher e dos filhos de Julião Henriques e 5 outros homens “visto serem todos cristãos-novos e acharem-se presentes à prisão de Lopo Machado, que se fez em ódio ao santo ofício”.

Voltemos atrás, a 1642, às investigações do comissário Castelino de Freitas. Por recear interferências da gente ligada “aos Juliões, que eram rendeiros e costumavam dar agasalho ao visitador”, foi alojar-se na casa do Abade e ali ouviu as testemunhas. Antes, porém, certificou-se que no piso debaixo, utilizado pelo abade para arrumos, não estava ninguém. A primeira pessoa que apareceu a denunciar foi Lopo Machado, como já se disse, o qual começou falando muito alto. Depois, o comissário recomendou-lhe que “falasse manso”.

Dias depois, soube-se que, efetivamente, Diogo Henriques Julião estava ouvindo a conversa, escondido na adega da casa, com um criado, munido de uma espingarda, a uma porta.(4) E ele próprio contou que, a partir de certa altura, deixou de ouvir a conversa, porque Lopo Machado passou a falar mais baixo.

Claro que isto era muito ofensivo para o santo ofício e o comissário escreveu para Coimbra lançando as culpas sobre o cura, padre António Gil ou “um criado do abade, que se chama Leite”, concluindo do seguinte modo:

— Daqui se pode inferir quão atrevidos são os homens da nação de Vila Flor e como acham cristãos-velhos que lhes dão a mão contra as coisas da nossa santa fé.(5)

Diogo Henriques Julião foi dos primeiros a ser levado nesta onda de prisões.(6) Foi Lopo Machado que o prendeu, e lhe sequestrou os bens. E enquanto estes eram arrolados e se juntava o dinheiro para despesas de viagem e alojamento na cadeia de Coimbra, o prisioneiro ficou guardado em casa de seu filho Jacinto Machado. A ele foram também entregues os bens do prisioneiro. Imagina-se como os mesmos bens seriam posteriormente vendidos ao desbarato e como estas coisas faziam crescer ódios e projetos de vingança entre os cristãos-novos.

Para nos dar conta desses ódios e desses projetos, nada melhor do que as cartas que o mesmo Lopo Machado escreveu para Coimbra e andam transcritas no processo de Julião Henriques.(7) Começou por falar na prisão de Isabel Pereira, que ele encarregou ao corregedor António Cardoso de Sousa, que morreu em casa do padre de Samões, depois de beber um copo de vinho, acrescentando que “Julião Henriques, corre com o dito clérigo e seus familiares com muita amizade, o que deu muita suspeita da sua morte”.

Falou depois da prisão de Diogo Henriques e da finta que o pai lançou, criticando também o “corregedor André Barreto Ferraz, natural de Aveiro, que por respeito os favorecia demasiadamente (…) E se gabam poucamente que me hão-de destruir e que não hei-de prender outros”.

Bartolomeu Rodrigues Pimentel foi seu ajudante na prisão de Diogo Henriques e preparava-se para ficar depositário dos seus bens. Porém, como era pobre e não podia dar garantias sobre os mesmos, foi obrigado a recusar o encargo (benesse!). Sobre o assunto, L. Machado concluía:

— Tem dado nesta vila e comarca notável escândalo ver que as pessoas que fazem diligências do santo ofício e os que ajudam são desta sorte perseguidos pela gente da nação e por estas razões lhe hão medo que não se atrevem a dizer as verdades. E por dizerem poucamente que pois os prenderam, hão-de fazer ir à santa inquisição todos quantos há nesta vila cristãos-velhos e cristãos-novos, gabando-se de serem poderosos e terem dinheiro, acabam por difamar a santa inquisição; dizem que este novembro próximo passado, Julião Henriques mandara um macho com uma carga de presuntos de peita a um ministro da santa inquisição, da mesa grande, só a fim de que a gente de pouco entendimento lhe haja medo e não se atreva a dizer o que souberem. Porque este povo está tão intimidado e esta comarca tão escandalizada que os homens de mais conta afirmam que na Cristandade não aconteceu outro caso como este, pois estando em Portugal, haviam os homens de ser perseguidos por defender a lei de Cristo.(8)

Lopo Machado tinha uma certa razão. Ele próprio iria sofrer a vingança dos cristãos-novos, que o fizeram prender. Mas antes, teve o prazer de participar na prisão do rival Julião Henriques. E porque este é “rico e poderoso”, receava que os seus familiares e amigos “possam com dinheiro corromper o carcereiro (…) e a peso de ouro o poderão tirar da cadeia”. Por isso, pedia aos inquisidores que mandassem levá-lo depressa para Coimbra.

 

Notas:

1 - No processo, a Rua da Fonte é também chamada de Rua Direita e Rua Nova.

2 - Inq. Coimbra, pº 6891, de Rodrigo Fernandes Portello.

3 - Idem.

4 - Idem, pº 2903, de Leonor Henriques.

5 - Idem.

6 - Não encontramos o seu processo nos índices disponibilizados pela Torre do Tombo.

7 - Idem, pº 3869.

8 - Idem.

Alterações Climáticas e Mobilidade Urbana Sustentável

No ano e 2000 foi lançada a iniciativa do Dia Europeu sem Carros, a que aderiram alguns municípios. A apreciação positiva e aceitação por parte dos cidadãos levou a que no ano de 2002, fosse lançada a semana europeia da mobilidade, a que aderiram vários municípios, como iniciativa de sensibilização para a promoção da mobilidade urbana sustentável e da melhoria da qualidade do ar nas cidades.

Bragança aderiu às iniciativas referidas. No ano de 2002 colocou em circulação três miniautocarros elétricos no centro histórico, aderiu à 1.ª fase de instalação de pontos de carregamento elétrico, foi a primeira cidade a promover o pagamento do estacionamento automóvel à superfície por telemóvel, desde o ano de 2003 que dispõe de plano estratégico de mobilidade urbana, tem veículos híbridos há mais de uma década, tem ciclovias urbanas e produção própria de energia hídrica (quatro micro centrais), de energia fotovoltaica e de aproveitamento de energia geotérmica no edifício do Parque de Ciência e Tecnologia.

O município de Bragança não tendo graves problemas ambientais, está numa localização geográfica muito vulnerável aos efeitos das alterações climáticas. Tem estado na primeira linha de combate às alterações climáticas, seguindo a visão de ecocidade, nomeadamente no campo da mobilidade urbana sustentável e da utilização de energias limpa, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa. 

Os problemas da mobilidade urbana à escala global tem vindo a agravar-se resultado do grande crescimento da população no planeta e da forte tendência de urbanização e concentração da população nas grandes cidades e áreas metropolitanas. Esta macro tendência tem consequências na mobilidade e transportes, na procura de água, alimentos, energia, minerais e outros recursos e um forte impacto no agravamento das alterações climáticas.

A Europa, menos pressionada com o crescimento demográfico, com um sistema urbano dos mais equilibrados do mundo, tem 73% da população a viver nas cidades, prevendo-se que em 2050 atinja os 80%. Em muitas das suas cidades e territórios a mobilidade urbana e os transportes são um problema, como os congestionamentos de tráfego, o aumento da poluição atmosférica e sonora, os problemas de segurança rodoviária, representando elevados custos sociais e económicos.

A motivação política em matéria de clima é clara, a de proteger a população, a economia, os recursos naturais de fenómenos climáticos extremos. A segunda semana de setembro do corrente ano foi elucidativa, ciclones tropicais nas Filipinas e na Costa Leste dos EUA, provocaram elevados prejuízos materiais e perdas de muitas vidas humanas. No ano de 2017, três grandes ciclones nos EUA terão provocado um prejuízo estimado de 250 mil milhões de dólares. A perspetiva de investigadores do clima é de que os ciclones que são muito intensos serão cada vez mais intensos e destrutivos, com a subida da temperatura média da água nos oceanos.

O futuro da vida no planeta é uma preocupação, os fenómenos climáticos extremos, hoje em dia mais frequentes e intensos, como os grandes incêndios florestais, secas extremas e inundações, provocam danos materiais elevados em infraestruturas, perda de vidas humanas, danos ambientais irreversíveis.

É nas cidades que se joga muito do êxito na luta contra as alterações climáticas e do futuro do planeta. Na Europa, as cidades representam cerca de 85% do PIB e são os principais polos e motores da economia e do conhecimento. A mobilidade urbana é fator relevante para o futuro das cidades, da sua atratividade e qualidade de vida, para o crescimento da economia, do emprego e da competitividade, daí o esforço atual para assegurar a mobilidade urbana sustentável nas cidades e nos territórios.

O automóvel que foi considerado como ideal de autonomia e de liberdade, um instrumento essencial da vida moderna não é hoje apreciado da mesma forma e certamente no futuro próximo, para os jovens será menos importante ter carta de condução e carro do que foi no passado recente. Ter automóvel ajuda muito no quotidiano, também traz preocupações, como as despesas no orçamento familiar, as emissões de gases tóxicos que representam cerca de 25% das emissões globais de CO2, o tempo perdido nos grandes engarrafamentos de trânsito, a maior dedicação de espaço urbano às funções de mobilidade automóvel, ocupado por ruas e estacionamentos, prejudicando a mobilidade e segurança dos peões.

A aposta política no sentido da mudança de paradigma e de transição para a mobilidade limpa e sustentável é clara. Hoje é crescente o número de pessoas que associa o automóvel à perda de qualidade de vida nas grandes cidades, como ameaça à saúde pública devido à poluição do ar, ao ruido e a uma convivência difícil no espaço urbano entre o peão e o automóvel.

Em muitas das cidades europeias a qualidade do ar é inferior às normas europeias, o dióxido de azoto e as partículas finas emitidas pelo gasóleo provocam irritações pulmonares e são responsáveis por doenças respiratórias e cardiovasculares, uma ameaça à saúde pública, o que leva a uma maior preocupação política dos governantes locais pela saúde dos cidadãos, e pela imagem de cidade saudável.

A luta contra as alterações climáticas impõe mudança radical na mobilidade, tal exige empenho político, mudança cultural e percorrer um caminho que exige tempo, muita inovação, muito investimento em tecnologia, equipamento e infraestruturas. Trata-se de um desafio para o futuro das cidades, para o comércio e a indústria à escala global. A mudança de paradigma na economia está em curso e a indústria é naturalmente protagonista relevante que reage a este grande desígnio da Humanidade.

O futuro da mobilidade aponta para as energias limpas. Com uma aposta muito forte na eletricidade. Prevê-se que até 2030, a procura por capacidade de baterias de íons de lítio, nas casas e nas empresas, triplique a cada ano. É intensa a atividade neste âmbito, juntando investimento público e privado, fabricantes, startups e universidades estão a testar muitas soluções de baterias, prevendo-se que muitas das soluções ou não chegarão ao mercado ou tornar-se-ão obsoletas face ao ritmo de inovação tecnológica.

Também o setor da aviação está fortemente implicado na investigação e experimentação, envolvendo empresas de aviação, centros de investigação e fundos financeiros que trabalham na perspetiva da 3.ª revolução da aviação com aeronaves elétricas e hibridas-elétricas, perspetivando a mobilidade urbana por via aérea, como a 3.ª dimensão a integrar na rede intermodal de transportes nas cidades, no transporte de pessoas e mercadorias.

No campo da mobilidade urbana a aposta de mudança de paradigma é clara e de âmbito global, apontando para a utilização de energias limpas, carros menos poluentes e de zero emissões, da gestão partilhada e os de condução autónoma que poderão ser uma realidade num futuro próximo, e para a gestão integrada e inteligente dos vários meios de transporte.

É elevado o empenho dos países e cidades nesta mudança. O governo da cidade de Oslo, na Noruega, no ano de 2015, decidiu interditar a circulação automóvel no centro da cidade até 2019, transformar 56 Km de vias rodoviárias em ciclovias e o desenvolvimento dos transportes públicos. Levantaram-se vozes representativas dos automobilistas, protestando contra a construção de um muro discriminatório e do comércio local que temia uma cidade deserta e a falência do comércio. Os planos foram revisto, para uma transformação gradual, começando por limitar os lugares de estacionamento, aumentar o espaço para peões, pela construção de ciclovias e aquisição de bicicletas elétricas.

Na Alemanha, país que viu um dos seus engenheiros inventar no séc. XIX o diesel, algumas cidades procuram limitar o acesso dos veículos a diesel aos centros históricos, decisões geradoras de controvérsia, algumas já validadas por instâncias judiciais, exemplo das cidades de Estugarda e Dusseldorf, que optaram por uma mobilidade mais amiga do ambiente, reforçando o investimento no transporte público, em ciclovias e bicicletas elétricas partilhadas. Governos federias estão a exigir aos fabricantes a recolha dos modelos mais antigos e a substituição dos motores por motores menos poluentes, enquanto preparam novas infraestruturas para a mobilidade sustentável, nomeadamente a construção de superauto-estradas para bicicletas.

Na Polónia, o Estado apostou nos incentivos às empresas que fabricam carros elétricos e aos compradores, incentivando as cidades a definir zonas exclusivas para carros elétricos, concedendo incentivos aos governos locais para a compra de veículos elétricos e incentivando a utilização de carros partilhados. Na Polónia está localizada a LG, a maior fábrica de baterias na Europa, tendo este país uma importante quota de produção de autocarros elétricos.

A França e o Reino Unido anunciaram pretender acabar com a produção de novos veículos a gasóleo e gasolina, substituindo-os por modelos híbridos ou elétricos, com objetivo de reduzir a poluição do ar e incentivar a generalização de veículos elétricos, decisões que implicam um caminho para mudanças profundas na indústria automóvel e uma forte colaboração entre os governos centrais e locais. A Volvo anunciou que no curto médio prazo iria produzir apenas veículos híbridos e elétricos.

 

Imagens:

Fonte: site da EU e Câmara Municipal de Bragança

Passe bem

Quando escrevo esta crónica, ainda não é totalmente conhecida a proposta do Go-

verno do Orçamento de Estado para 2019, contudo, tudo indica que vai contemplar uma medida de singular relevo, não tanto pelo valor em jogo mas pela mais valia intrínseca. Refiro-me aos passes sociais que, anunciados inicialmente por Fernando Medina, com aplicação, obviamente, na área Metropolitana de Lisboa e que acabaram por ser “adotados” pelo Governo e estendidos a todo o país. Entretanto várias peripécias acompanharam este processo que será interessante analisar.

Após a comunicação inicial do autarca alfacinha, esta intenção foi devidamente analisada e assinalada por Luis Marques Mendes no seu espaço de comentário semanal na SIC. Elogiando a medida e os seus previsíveis benefícios quer para a capital quer, sobretudo, para os residentes nas suas imediações e que regularmente se deslocam diariamente, não deixou de apontar uma “falha” pois sendo uma medida de aplicação regional tinha uma componente nacional, no seu financiamento. A reação política foi imediata revelando a atenção crescente que os políticos dispensam aos comentadores (efeito Marcelo?) tanto assim que a expressão “não comento comentadores” perdeu atualidade sendo usada apenas por atores secundaríssimos, incapazes e incompetentes para responderem de forma clara a críticas de que são alvo. Não sendo este o caso, a disposição foi, de imediato, alargada à zona urbana do Porto.

O antigo líder do PSD retomou novamente o tema reclamando que era um caso de flagrante injustiça, que ao fazer uso do Orçamento de Estado para implementar melhorias em zonas urbanas limitadas e com níveis médios de vida acima da média nacional estava-se a subverter o papel redistributivo do Estado colocando os pobres a pagar para os ricos. Como reação, a regra foi estendida a todo o país. Caíram então as críticas “óbvias”, a que o nordeste não escapou: a dimensão dos transportes públicos no interior é residual – lá estão, mais uma vez, a subtrair ao interior para levar para o litoral.

Sendo certo que a maioria dos queixumes e reclamações contra o Estado centralista são mais que razoáveis e justas, não o são, desta vez. Por várias razões:

1 – Se é verdade que o nível de transporte público é muitíssimo superior nas grandes zonas urbanas, também assim é, no que toca à contribuição para o Orçamento comum. Há pois uma grande proporcionalidade entre o contributo e o benefício.

2 – O princípio de solidariedade, tão caro à nossa gente, baseia-se na norma de que perante um problema com dificuldade de resolução de per si e dos recursos locais existentes, deve recorrer-se aos recursos globais disponíveis. Ora a questão das deslocações urbanas é um problema das áreas metropolitanas e necessitam de ser resolvidas com os meios comuns. Não podemos apelar a este princípio, quando nos dá jeito e abominá-lo quando não nos beneficia.

3 – Não é válido nem automático que um benefício no litoral tenha como contrapartida um prejuízo no interior. Há casos, como este, em que o benefício é do país, como um todo e logo, direta ou indiretamente, todos dele beneficiamos. A diminuição dos veículos nas grandes cidades é um imperativo para minimizar o aquecimento global que a todos afeta.

4 – Finalmente, a afirmação de que estamos perante uma situação de serem os pobres a pagar para os ricos é falsa e ridícula. A proporcionalidade fiscal garante que quanto mais rico se é, mais se contribui. Por outro lado a referida medida vai beneficiar as populações mais pobres dos dormitórios urbanos que são os principais utentes dos serviços públicos. Mesmo aceitando que pudesse haver alguma transferência de impostos do interior para o litoral seriam, quando muito, os ricos da província (que, infelizmente são poucos e sem grandes fortunas) a pagar alguma coisa para os pobres das cidades (que são muitos e, alguns, muito necessitados).

Críticas infundadas e sem adesão à realidade não só não ajudam à justa luta pela dignificação e desenvolvimento do interior, como, pelo contrário, a prejudicam, subtraindo  justeza e fundamentação ao conjunto reivindicativo, no seu todo.

A odisseia de Tancos

Ainda sobre o famigerado assalto aos paióis do polígono militar de Tancos somos levados a concluir que o bom povo continua a ser endrominado.

Tal como o senhor Azeredo Lopes, ministro da Defesa ao que parece, que só agora ficou a saber que sabe ainda menos do que julgava que sabia, agora que foi acusado pelo seu subordinado senhor Vasco Brazão, major de infantaria e ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar, de ter sido por ele informado da já lendária operação de recuperação do material roubado.

 Não é de admirar, portanto, que o senhor Azeredo Lopes, ministro da Defesa, ao que parece, tenha jurado a pés juntos que é tudo mentira porque ele de nada sabia.

Também o senhor coronel Luís Augusto Vieira, director-geral da Polícia Judiciária Militar e chefe do senhor major Vasco Brazão, diz que também ele não sabia de nada porquanto se limitava a mexer em papéis. Era um simples amanuense, portanto.

Já o senhor tenente-general António Martins Pereira, chefe de gabinete do senhor ministro Azeredo Lopes à altura, declarou, por escrito, que não lhe “foi possível descortinar qualquer facto que indiciasse qualquer irregularidade ou indicação de encobrimento de eventuais culpados do furto de Tancos”, donde se depreende que terá tomado conhecimento dos factos muito embora neles não tenha notado irregularidades.

Em contrapartida, entidades políticas de topo, no poder ou na suposta oposição, que não importa aqui enumerar por irrelevantes, vieram a público declarar ou insinuar que sobre os factos vertentes sabiam muito mais mas que nada diziam. Cala-te boca!

Tudo muito estranho, ridículo e preocupante sobretudo porque o ignorante mor nesta comédia burlesca tutela uma organização alienígena que dá pelo nome de Polícia Judiciária Militar. E também porque, embora sendo certo que “militar” e “judiciária” nem em poesia rimam lá muito bem, tal polícia alguma utilidade deve ter, para lá de representar a charla “A Guerra de 1908”, do imortal Raul Solnado.

É aqui que a porca grunhe e torce o rabo: saber o que é na verdade a PJM e para que serve, saber quem sabia e quem não sabia o que a PJM andava a fazer, saber quem mente e quem fala verdade e até que nível do poder a mentira subiu e a incompetência desceu e alastrou.

Uma coisa é certa, porém: perante uma tão grave ameaça à defesa nacional (em causa estava material de guerra suficiente para paralisar a capital de qualquer república das bananas, designadamente Lisboa), o senhor Azeredo Lopes, ministro da Defesa, de pronto deveria ter accionado todos os serviços secretos e policiais, civis e militares, nacionais e internacionais, coordenado acções com outras entidades, designadamente com o seu colega ministro do Interior, exigido relatórios diários e informado o primeiro-ministro e o próprio presidente da república, precavendo qualquer acção violenta com impacto nacional.

Pelos vistos assim não terá acontecido. O senhor Azeredo Lopes, suposto ministro da Defesa e todo o Governo, ter-se-ão mantido olimpicamente distraídos, a ver o filme sentados no sofá, desleixando uma emergente e séria ameaça à democracia e à soberania nacional.

Permitiram e tacitamente autorizaram, portanto, que meia dúzia de iluminados chico-espertos, a coberto duma surrealista PJM, ousassem salvar a pátria borrando a honra do convento.

Enfim. Dá para perceber, embora a procissão ainda vá no adro, que se tratou dum hino à irresponsabilidade e à incompetência! Duma odisseia de polichinelos que vai ficar nos anais da nossa história recente.

É caso para o povo ir para as portas do palácio de Belém gritar, com as mãos em concha: Senhor presidente da República, olhe que andam a gozar consigo e com os portugueses!

Confirma-se que a pátria está bem entregue!

 

Este texto não se conforma com

o novo Acordo Ortográfico.

 

Tremoços: o marisco dos pobres

Ter, 16/10/2018 - 10:08


Adoro fazer rádio que mexa com as pessoas. Todo o mundo estava à espera da tão desejada chuva. Na madrugada da passada quinta-feira ela apareceu e eu consegui que muita gente se levantasse da cama para a ir ver à janela, abrindo o programa desta forma: “Família vai à janela / e o que vais lá ver / dá lá uma espreitadela / e vê se está a chover.”