Fake news é um neologismo recente que significa “notícia fabricada”, “notícia forjada” em suma, notícia falsa. E se notícias falsas já não faziam falta também não se precisava de uma nova forma de as designar pois não faltavam maneiras. Desinformação, inverdades, pós-verdades, factos alternativos, contra-informação, facto político, erro técnico e agora fake news. Qualquer uma destas designações serve para etiquetar uma boa mentira. Como Kellyanne Conway, assessora de Trump, que, quando confrontada com a falsidade das suas declarações, retorquiu dizendo que estava a apresentar factos alternativos. Ou Nuno Rocha, director do jornal “O Tempo”, que um dia fez um artigo sobre uma reunião do Conselho da Revolução, que mais parecia uma acta, com registo de tudo desde as presenças até às intervenções dos conselheiros mais polémicos. Ora essa reunião nunca se realizou. Quando Nuno Rocha foi colocado perante esta realidade, justificou-se alegando ter sido um erro técnico. Também por esse tempo, tempo do Marquês de Solares e do General Janes, Marcial Rebelo de Souselas (criações de Artur Portela Filho) criava os seus “factos políticos” que não eram mais que jogadas de desinformação e de contra informação de forma a perturbar os adversários políticos e feitos com a irreverência de quem é capaz de chamar “lélé da cuca” ao patrão ou de quem consegue responder a um adversário político perguntando “estás pires, oh Lucas?” Aliás, quando tomou posse de Secretário de Estado, toda a capa do Expresso era a sua fisionomia com uma só legenda: O Facto Político.
Estas são “fake news” individuais, fruto da vontade de protagonismo, da vaidade ou da obstinação política. Há, ainda, fake news inócuas que são aceites e a História está cheia delas. Como no caso do Rei Eduardo VIII, do Reino Unido, que abdicou, segundo a versão oficial, por amor de Wallis Simpson, uma americana divorciada que os ingleses, dizia-se, não aceitariam como futura Raínha Consorte. Mas a verdade é que o Rei foi forçado a abdicar por manifestas simpatias nazis. O parlamento e sobretudo Wilson Churchill não lhe perdoaram.
Também o relato que nos fizeram da Batalha de Aljubarrota, em que os Portugueses estavam numa desproporção de 5 para 1 em homens, é manifestamente uma fake new. Mas eu gosto de pensar que foi verdade. (também, caramba, foi a única vez que lhe ganhámos.) Tal como o jornalista de “O Homem que matou Liberty Wallace” que quando soube a verdade desabafou: “ entre a legenda e a realidade preferimos a legenda.”
Mas há fake news que são criadas de forma perversa e com dolo intencional. Foi o caso das notícias sobre as armas de destruição maciça no Iraque. Com uma campanha de intoxicação da opinião pública altamente pressionante, toda a gente acreditou que o Iraque tinha, de facto, essas armas. Nem tínhamos razões para pensar que nos estavam a enganar. Foi preciso que se destruísse um país com muitas centenas de milhares de mortos para, já com o Iraque completamente esventrado, darmos conta do monumental embuste que nos montaram e do não menos monumental logro em que caímos. Tivemos culpa de não ter escrutinado mais a informação que nos deram mas, de facto, não era imaginável que houvesse no mundo um “bando dos quatro”, homens cuja ambição e perversidade estivessem no ponto de um completo desprezo por vidas humanas ou países soberanos. Como poderão eles dormir?
A fake new do momento é a referente à tentativa de assassinato de um antigo espião russo pelo KGB. A história conta-se em duas linhas. Assim: Skipral era um espião Russo que a páginas tantas começou a vender informação ao Reino Unido. Desmascarado, foi julgado e condenado a 16 anos. Cumpriu 4 em presídio e depois entrou num programa de troca de espiões. Saiu, pois, da Rússia, refez vida em Inglaterra e 6 anos passados aparece inanimado, vítima de uma tentativa de envenenamento levada a cabo pelo KGB, que, para o efeito, utilizou um poderoso neurotóxico de fabrico russo. Esta é a notícia na versão oficial. Mas escrutinando um pouco a notícia, usando a lógica elementar e o nexo de causalidade, constatamos que não passa de uma FAKE NEW. Vejamos:
1 – Porque quereriam, agora, os russos eliminar Skipral, actualmente um homem sem qualquer relevância no mundo da espionagem? Como se entenderia quando tiveram tantas oportunidades de o fazer? Desde o dia em que o prenderam, e até antes, passando pelo tempo que esteve em prisão preventiva e depois quando esteve em prisão efectiva, tempo não lhe faltou para o fazerem. A seguir, se era assim tão perigoso, não deveria ter sido incluído no programa de trocas de espiões e seria obrigado a cumprir a pena na íntegra (16 anos e só cumpriu 4. Ainda hoje lá estava).
2 – A seguir, temos uma força de elite, com um grau de eficiência temível, encarregada de eliminar dois civis indefesos. Mas em vez de usarem métodos simples, e eles conhecem tantos, optaram por ensaiar um potente neurotóxico de fabrico russo. Quer dizer que quiseram assinar o crime pois o veneno é exclusivo russo. Deixar rastos que os incriminem não é imaginável vindo duns serviços secretos.
3 – Por fim, o potente neurotóxico, tão temível, tão proibido por todas as convenções, revelou-se um fiasco. Não matou ninguém. (Pode ser russo mas de certeza foi comprado na loja dos 300.)
Que história é esta!? É evidente que estamos na presença de uma manifesta fake new. Mas o facto de não ter nexo, de ser incongruente e de estar, até, mal imaginada não deixa de ser, no entanto, a versão oficial. E enquanto tal, teve a força necessária para provocar uma das maiores crises diplomáticas desde a invasão do Iraque, que por sua vez também teve origem numa fake new.
Fake news sempre as ouve e sempre as haverá. O único antídoto que nos resta é o nosso espírito crítico, o escrutínio permanente a toda a informação e não nos deixarmos seduzir acriticamente pelo politicamente correto sob pena de deixarmos criar um pensamento único. Curiosamente, nos tempos da ditadura, em que tudo eram limitações, restrições, proibições, em que tínhamos de coexistir com a censura, o exame prévio, o índex e em que qualquer atitude ou pensamento que fugisse à ortodoxia institucional era considerado comportamento desviante, nesse tempo, dizia, nunca nos furtámos ao escrutínio, ao debate quer interior quer em núcleos restritos. Não podia ser público, era privado. Mas havia. A ditadura não conseguiu “cortar a raiz ao pensamento” pelas razões que o poeta sabia. Paradoxalmente é em democracia, que em teoria tudo devia escrutinar e debater, que não vemos isso acontecer. Há uma certa anestesia social que provoca alheamento. Recebemos acriticamente a informação que nos dão. Isso faz-nos temer pela veracidade da revelação de um artigo da “Time”, tão interessante como arrepiante, que a “Visão” transcreveu. Dizia assim: “os homens de Silicon Valley sabem programar o comportamento humano, para o melhor e para o pior”. Isto faz-nos lembrar a pergunta mordaz de Bokowski: ”Consegues lembrar-te do que eras quando o Mundo te disse o que devias ser?”
P.S. (1) – Bukowski também ele criador de uma fake new quando fez constar que Sartre teria dito que ele, Bukowski, era o “maior poeta americano vivo”. Apesar de falsa, a notícia não deixou de ter os efeitos publicitários pretendidos. São assim as fake news. Feitas para cumprir uma função que não a da informação e muito menos a do esclarecimento.
P.S. (2) – Adriano Moreira tem um receio que enunciou mais ou menos desta forma: “nas manifestações desenquadradas o imprevisto espreita a sua oportunidade”. Para quem tinha dúvidas quanto à razoabilidade deste temor veja-se o caso do “Brexit” ou a eleição de Trump em que o desfecho é atribuído à influência das redes sociais. E as redes sociais são do mais desenquadrado que pode haver: não tem causa, não tem chefe e não tem bandeira.
Será que o Mundo vai ser assim?