Ter, 07/10/2025 - 11:45
O Cantinho do Animal – Centro de Recolha Oficial Intermunicipal da Terra Quente Transmontana acaba de ampliar as suas instalações. É um feito digno de aplausos, uma expressão de esforço e de esperança, mas, por mais que as paredes se alarguem, o problema que encerra dentro dele continua a crescer. Tristemente, uma ampliação não chega.
A inauguração do novo pavilhão, prevista para o próximo mês, permitirá acolher mais cem animais, somando-se aos cerca de duzentos e trinta já a viver no espaço. São mais cem vidas que terão um abrigo seguro, comida, cuidados médicos e, acima de tudo, a possibilidade de serem vistas. No entanto, as estatísticas do abandono não conhecem pausas. O primeiro censo nacional fala em um milhão de animais abandonados em Portugal, número que estará muito aquém da realidade. E é aqui que reside a ferida mais profunda: a ampliação do espaço não cura o vazio moral que o abandono revela.
Vivemos num tempo em que o ruído das cidades e dos egos abafa o som da empatia, em que a pressa quotidiana parece justificar a indiferença. Fala-se de progresso, de sustentabilidade, de bem-estar coletivo, mas ainda não aprendemos a respeitar quem, de certa forma, depende de nós de forma tão pura. O abandono de um animal é, em essência, um reflexo da nossa falência como comunidade. Não há desculpa para quem larga um companheiro à sua sorte, nem o cansaço, nem a velhice do animal, nem o “dá trabalho demais”. O gesto revela o que muitos tentam esconder, a facilidade com que descartamos o que nos devia ensinar a amar.
A veterinária Ana Pereira, médica veterinária e responsável pelo Cantinho do Animal, resume-o numa frase comovente: “Cada adoção é um abraço àqueles que não têm ninguém”. Nessa simplicidade cabe tudo o que devia mover-nos enquanto sociedade. Cada animal adotado é um testemunho de resistência contra a indiferença. Cada olhar que encontra abrigo é uma certeza de que ainda há ternura no meio de tanta pressa e desapego.
Num mundo onde já não há tempo para escutar o outro, onde a empatia se tornou artigo de luxo, os animais continuam a ser exemplo de lealdade absoluta. São fiéis mesmo quando traídos, esperam mesmo quando esquecidos. Não julgam, não exigem, não mentem. O seu amor é uma lição que a humanidade insiste em não aprender. Em tempos de individualismo e distanciamento, talvez não haja gesto mais revolucionário do que abrir a porta de casa e do coração a um animal abandonado.
O novo pavilhão do Cantinho do Animal é, sem dúvida, um avanço, mas é também um espelho incómodo porque o verdadeiro problema não está na falta de espaço, mas na falta de consciência. Enquanto continuarmos a medir o valor da vida em função da conveniência, nenhuma ampliação será suficiente. Enquanto houver quem abandone, os abrigos serão sempre demasiado pequenos.
Que este espaço renovado sirva não apenas para acolher mais animais, mas para acolher a reflexão que nos falta. Que sirva de espelho a uma sociedade que precisa urgentemente de reencontrar a sua humanidade. E que cada adoção, cada olhar resgatado, seja a lembrança de que amar, verdadeiramente amar, é nunca deixar ninguém para trás.
Carina Alves, Diretora de Informação.