Foi em Pedrógão. Grande de morrer.

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O  fogo é um fenómeno tão natural nos países mediterrâneos que algumas espécies, na sua evolução ao longo dos tempos, criaram mecanismos de defesa para fazer face a essa ocorrência cíclica. É o caso do sobreiro que apresenta uma casca com protecção térmica, a cortiça. E a maior mancha do mundo de sobreiro é em Portugal.

Portugal é, manifestamente, um país de incêndios. Temos de saber lidar com eles minimizando-lhes as consequências. Não podemos, de forma alguma, é deixar que um fenómeno natural passe a ter estatuto de catástrofe nacional. O que se passou em Pedrógão foi mau demais.

Muito se tem escrito sobre incêndios nestes últimos dias. Desde a forma de os evitar até à maneira de os não deixar propagar, passando pelas espécies florestais, pelo ordenamento, pelos aceiros, pelas cargas térmicas, pelos meios de combate, etc deixam o tema verdadeiramente escalpelizado. Mas, salvo algumas excepções, não me parecem artigos intelectualmente honestos. Quase todos fazem um tratamento do tema de forma interesseira, puxando a “brasa à sardinha”, egocentrista quando não corporativa. E a Floresta que se lixe.

Por exemplo: – os ecologistas e Sousa Tavares aproveitaram a oportunidade para diabolizar o eucalipto. Que tem uma elevada carga térmica, que seca os aquíferos subterrâneos, que as grandes manchas diminuem a biodiversidade são algumas das acusações. Como é que nunca se lembraram que as manchas de pinheiro eram desfavoráveis à biodiversidade é que não se entende, assim como não se entende o pouco incómodo que as cargas térmicas do pinheiro ou até dos matos autóctones lhes provocam. Quanto aos aquíferos gostava de saber se alguma vez foram monitorizados para conhecer o grau de quebra do aquífero por efeito do plantio de eucalipto. E há mais de 40 anos que falam disto!

Jerónimo de Sousa achou que a desmatação seria a panaceia para este mal e que além disso criava emprego. Fica-lhe bem esta tentativa de criação de postos de trabalho, mas as imagens “pedagógicas” que as televisões nos deram mostram que a desmatação não resolve nada em termos de controlo do incêndio. Vimos as línguas de fogo saltar de copa em copa fazendo ignições a dezenas de metros sem precisar da contribuição do mato rasteiro. Além disso a desmatação tornaria a mata um negócio ruinoso pois as receitas da mata não chegariam para pagar a desmatação.

Jaime Marta Soares, o eterno bombeiro, aponta como solução para o flagelo, o reforço de meios humanos e materiais, que é o mesmo que dizer reforço de verbas. Fica mal vindo de quem vem. Todos estamos fartos de ver incêndios em matas de países ricos onde os meios clássicos de combate (haverá outros?) não surtem qualquer efeito. Talvez que o exemplo mais emblemático disso sejam os incêndios em Beverly Hills, na Califórnia Americana, onde todos os anos as mansões multimilionárias ardem tão bem como os palheiros de Pedrógão perante a impotência dos diversos corpos de bombeiros. E não é por falta de meios sejam eles materiais ou humanos. O que se percebe é que o ataque não passa por aí.

Torres Pereira, homem ligado à autarquia de Sousel e à caça, aponta o acto venatório como um precioso ajudante no combate aos incêndios. Diz até:” por mais bombeiros que combatam esporadicamente os incêndios, eles nunca substituirão as pessoas que mantêm com a floresta e com a natureza uma relação próxima e permanente e, no caso das pessoas que caçam, baseada no respeito cúmplice e num legitimo interesse reciproco”.

Pois bem enganado andava eu. Ou não é verdade que os caçadores ao verem os seus congéneres das Associativas caçar dentro e fora das Associativas enquanto eles só podiam caçar fora delas, isso lhes causava tensões, crispações, invejas, cujo desabafo esteve muitas vezes numa caixa de fósforos? E quantas vezes, caçadores confrontados com um silvedo inexpugnável, onde o cão não entra e o coelho não sai, não fizeram da caixa de fósforos o furão da circunstância?

Outros que já não sei precisar entendem que sem o cadastro do território não é possível ter bons resultados no combate aos incêndios.

Outros ainda acusam a floresta de criar o seu próprio problema. Assim: a floresta cria a desertificação e esta por sua vez traz a falta de limpeza, de vigilância, de controlo. Parece-me que a desertificação não terá muito a ver com a floresta pois Bragança não precisou dela para se desertificar.

Passos Coelho, Marques Mendes e outros usam os incêndios como arma de arremesso político contra os seus adversários. Marques Mendes fez, até, um paradoxo irresistível. Diz não querer uma caça às bruxas mas não entende como não há demissões. (mais explicito não podia ser). Passos Coelho advertiu para não se usar a catástrofe de Pedrógão de forma “politiqueira” e de repente surge com uns suicídios na manga. Nunca se tinha visto e nem é bom lembrar. Estava na altura muito bem assessorado pela Dr.ª Teresa Morais fazendo lembrar a dupla Donald Trump e Kellyane Conway quando esta, apanhada em vergonhosa mentira, reagiu dizendo que não era mentira mas sim “factos alternativos”.

Os autarcas questionam agora a distribuição das verbas destinadas a ressarcir as vítimas do incêndio. E perante isto tudo pergunta-se: onde fica a mata? Por este andar Pedrógão é em qualquer sítio. E isso não pode voltar a acontecer.

A fileira florestal portuguesa oferece muito posto de trabalho e muitos milhares de milhões de euros. Talvez não seja a floresta ideal mas agora é imperioso defendê-la. (não me digam que a alternativa ao pinheiro e ao eucalipto é a carvalheira da Serra de Nogueira que há 60 anos só lhe vejo dar “bulharacos”).

Ora o fogo na mata com vento favorável é praticamente inatacável e arde enquanto ele quer. Por outro lado a limpeza da mata tem custos incomportáveis além de não garantir imunidade ao fogo. Assim, penso que uma forma de minimizar as consequências do incêndio será compartimentá-lo. Áreas de mata separadas umas das outras por aceiros de dimensão estudada, bordejadas por barreiras de árvores de folha caduca e estas num chão limpo de matos rasteiros. Assim se dificultaria a propagação quer pelas copas quer pelo chão. As árvores verdes não ardem bem e um chão limpo arde com pouca carga térmica. Criava-se assim uma faixa onde o fogo esmoreceria e se tornaria combatível. O que importa é conseguir estancá-lo dentro dos limites pré-estabelecidos. E na zona de mata, todas as estradas com alguma importância rodoviária teriam o tratamento de aceiros. Ladeadas por uma banda desmatada e as primeiras árvores a ver-se seriam obrigatoriamente de folha caduca de forma a nunca por em risco o trânsito e tornar quase impossível a passagem do fogo para o outro lado da estrada. (Hoje quaisquer dois garotos do DAESH com uma caixa de fósforos podem imobilizar o país por bloqueamento da A1). Apostar forte na detecção precoce do incêndio na perspectiva de o atacar em tempo útil. Depois é aplicar a técnica australiana. Deixá-lo arder.

Em relação aos perímetros urbanos fomos mais relapsos do que é admissível. Que é que aprendemos com o incêndio do Funchal? Nada. E parecia relativamente simples retirar a mata de dentro dos povoados, fazer a desmatação de todos os incultos dentro do perímetro urbano e se necessário colocar um sistema de rega periférico. Que não seja ainda tarde.

 

P.S. O incendio de Pedrógão teve dois epifenómenos que me deixaram perplexo.

O 1.º foi ver Judite de Sousa ao lado de um cadáver queimado como se de um troféu de caça se tratasse. E para ela foi. Custa a entender mas eu nego-me a perceber.

O 2.º foi ver o Chefe dos Bombeiros Marta Soares questionar a tese avançada pela Policia Judiciária de que o incêndio teria tido origem num raio. É evidente que a Judiciária avançou com essa explicação com o objetivo de aliviar a tensão, de esvaziar sentimentos de vingança, não porque acreditasse nela. Tanto morto junto cria um estado de crispação tal que uma palavra mal medida pode levar a um linchamento sumário. Foi isso que a Judiciária quis e conseguiu. Sem prejuízo da investigação. Marta Soares ao dizer que havia ali mão assassina, que pretendeu? Acirrar os ânimos?

Manuel Vaz Pires