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O passado é o novo futuro

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Boas tardes, minha gente. Que estas palavras de amizade vos encontrem cheios de saúde e com “algum trocado para dar garantia”, como diz a música do Cazuza. Ou seja, com uns patacos suficientes para se irem virando e para ao menos conseguirem pagar as contas da eletricidade e encher o depósito das viaturas, o que já por si é sinal de considerável desafogo financeiro. Numa altura em que os veículos são apontados como grandes inimigos do ambiente, talvez seja melhor cortar nessa despesa. Na questão da poluição culpam- -se sempre os mesmos. Países como os EUA, a China ou a Índia é normal que poluam mais porque são muito mais populosos. Também são as economias mais fortes do mundo por alguma coisa, alguém neste mundo tem de produzir e de fazer o trabalho que mais ninguém quer. Vivo numa cidade onde todos os autocarros são elétricos, por todo o lado se veem locais de abastecimento para os carros de matrícula verde (elétricos ou híbridos). Aliás, há um subsídio do governo para a aquisição deste tipo de veículo cujo cancelamento já foi anunciado, uma vez que a compra destes carros não é já uma exceção, mas cada vez mais a regra. As casas são construídas com iguais preocupações energéticas, no norte da China estão a trabalhar para eliminar ou reformar as indústrias mais antigas que usam carvão como combustível e que são as grandes fontes de poluição. Um país que se tem desenvolvido muito e cujas cidades não têm preocupações diferentes das outras. No entanto, nem todos os países podem viver à custa das bazucas do papá. A China, por exemplo, tem de produzir para cerca de 20% da população mundial (dentro de portas) e para os restantes 80% que estão fora. É fácil falarmos do ambiente, mas é impensável desfazermo-nos das mordomias que fomos conquistando. Como se o vilão ou o lobo-mau do meio- -ambiente fossem estes países e não o modo de vida cada vez mais fofinho e aconchegante que temos. Temos de começar a ser honestos e resolutivos. Primeiro, esta discussão do ambiente é um privilégio de quem tem a barriga cheia, de um punhado de países (muito menos de metade da população mundial) que discute casas inteligentes e sustentabilidade quando os outros ainda andam a sonhar com condições elementares de higiene, de segurança e de habitação. E enquanto estes procuram privilégios tão extravagantes como água potável e um telhado, muitas vezes, têm de arcar com as consequências de a minoria de seres humanos favorecidos querer granjear os seus privilégios à custa de destruir ou degradar ainda mais os seus habitats. Vejam as baterias dos carros do futuro (elétricos) que requerem um mineral, níquel, extraído em montanhas perdidas da China ou das Filipinas e cujo processo de extração transforma em terra napalmizada e inabitável todas aquelas imensas áreas, obrigando aquelas pessoas a literalmente embalar a trouxa e zarpar das suas terras. E nem lhes dizemos obrigado, eles que têm as suas vidas à mercê dos fidalgos caprichos do primeiro mundo sem que lhes passemos o mínimo cartucho. E desta hipocrisia, deste “ambiente” na perspetiva dos abastados advém a outra grande questão: queremos que o ambiente seja apenas uma bandeirinha destes tempos modernos, um ideal para fazer face à escassez de ideais, para dar uns likes a bem- -falantes? Ou preocupamo-nos verdadeiramente com as consequências que tem para o nosso futuro (de nós privilegiados) e dos que vivem ainda num desgraçado mundo terceiro? É que se essa preocupação for honesta só há uma solução e é muito simples: abdicar, dispensar, rumar em direção ao passado contribuindo também para que os países com dificuldades mais prementes possam construir o seu futuro. Não há outra hipótese. No outro dia a minha filha trouxe um livro da escola, do talvez insuspeito National Geographic, que dizia que um avião jumbo gasta em combustível numa viagem regular o que daria para dezenas de carros ligeiros darem não sei quantas voltas ao mundo. Estando nós, curiosamente, a ler o livro dias depois de uma cimeira que juntou na Escócia “os mais apreensivos e sapientes” em matéria de ambiente a nível mundial e que, na maioria dos casos, usaram aviões privados com um par de pessoas dentro, tal como os veículos ligeiros... Se queremos verdadeiramente levar isto a sério, repito, só há uma maneira, inovar para o passado, o passado é o novo futuro. No outro dia, o tópico de conversa na rádio desafiava os ouvintes a partilhar exemplos de compras desnecessárias ao longo do ano, coisas compradas e nunca utilizadas. Eletrodomésticos, roupas, quinquilharias, uma montanha de coisas que todos temos e que viveríamos perfeitamente bem sem elas. Precisamos de avançar para o passado até ao tempo não muito distante em que se ia comprar pão com um saco de pano e em que muitas coisas eram vendidas a avulso. As terras do Nordeste foram especialistas nessa antecipação do futuro sustentável, seguindo a estrita e diária política do “nada se desperdiça, tudo se aproveita”, desde as cascas dos vegetais à gordura dos animais. Neste mundo dito desenvolvido há pouquíssimas pessoas a viver nestas circunstâncias, produzindo muito pouco lixo, reduzindo ao máximo, dispensando o dispensável. Essas pessoas estão corretas, do lado certo de quem desde já está a agir, preocupando-se genuinamente com o ambiente. Nós continuamos apenas muito confortáveis com todas as facilidades que “conquistámos”, preferindo fazer do ambiente um tema fixe para nos entretermos (e promovermos). Quantos governantes, decisores, pensadores e influenciadores abdicam desses caprichos? Quantos de nós renunciamos, quantos de nós não viajaríamos de jato privado se pudéssemos? Então, queremos ser honestamente pelo ambiente, reavivar hábitos do passado para bem do futuro ou deixamo-nos estar neste suave confortozinho, descarregando a consciência atrás de um smartphone, smartwatch, tablet, laptop, da internet de todas as coisas e mais algumas? #Somos todos uma cambada de amigos da onça. O ambiente está lixado connosco por muitos e bons anos...

Manuel João Pires