O triste sucesso de Pedrógão Grande

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Todos os primeiros-ministros da história recente de Portugal já tinham larga experiência política e partidária quando ascenderem a esse cargo fundamental. Salazar à parte, que não é para aqui chamado, e Álvaro Cunhal que, felizmente, nunca ousou sê-lo, muito embora tenha andado lá por perto.
António Costa, o actual titular, é o paradigma, o padrão, o perfil que melhor se encaixa neste modelo, sobretudo agora que estamos em tempo de redes sociais.
E bem se poderá dizer que nasceu na política e para a política. A sua militância partidária é notável e a sua experiência como autarca insuperável, ou não tivesse dirigido o mais importante município do País. Os seus conhecimentos teóricos e prácticos de governação são igualmente de assinalar, já que exerceu, entre outros, o cargo de ministro do interior, precisamente, num governo chefiado pelo controverso José Sócrates.
Confrontado com a realidade trágica de Pedrógão Grande que aconteceu, com o pesar de todos nós, no momento em que a vida lhe corria surpreendentemente bem, com êxitos nas finanças, no futebol e nas cantigas, que partilhava com o seráfico e indefectível seu amigo presidente da república, António Costa disse que tudo funcionara bem, sem falhas, que fora um sucesso, portanto.
O mais certo é o primeiro-ministro ter ficado emocionalmente afectado com tão tristes acontecimentos. Tanto que nem se deu conta de que esse é o argumento do terror, a lógica dos que defendem que quanto maior é a tragédia maior é o sucesso.
Não haverá mesmo razões humanas, claras ou encobertas, para explicar tamanha desgraça, para lá da madrasta Mãe Natureza que sacrifica cruelmente os próprios filhos? Uma distração, um funcionário a menos na cadeia de prevenção, um plantador de eucaliptos que abusivamente os planta até à berma da estrada? Ou será que a culpa, para desgraça maior, deve ser imputada às infelizes vítimas que estavam no lugar errado, no momento menos conveniente?
António Costa, porém, não se ficou por aqui na sua perturbação. Sobre a questão fundamental que é a prevenção, o planeamento e o ordenamento, do território e das florestas rematou que é assunto para a próxima década.
Valha-nos Deus! Então há quantos anos anda António Costa na política? E em que se ocupou todo o tempo em que foi ministro do interior? Será que andou apenas a apagar incêndios?
António Costa é, portanto, justiça lhe seja feita, um primeiro-ministro paradigmático dos inúmeros que Portugal já teve, para desgraça dos portugueses.
Daqui a cinquenta anos, se Portugal ainda existir, haverá certamente um governo ainda a reflectir como pagar a dívida pública nos cinquenta anos seguintes. E talvez seja então mais fácil atacar o problema do planeamento e do ordenamento das florestas e da prevenção dos fogos florestais, quando já não houver mais florestas para arder nem portugueses para socorrer.
Assim se explica, e melhor se compreende, a razão pela qual os eleitores sistematicamente respondem com abstenção em massa: não encontram ninguém credível em quem votar.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro