Sócrates e eu

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José Sócrates, Eng.º Civil, Deputado, Secretário de Estado, Ministro e por último Primeiro Minis-

tro. Firme, determina­do, de uma assertividade que, por vezes, raiava a agressividade, não deixou, por isso, ninguém indiferente à sua governação. Está, hoje em dia, a braços com a acusação de ilícitos criminais que vão desde o tráfico de influências ao alcance de dinheiros públicos passando pelo branqueamento de capitais.

E eu. Eu não conheço José Sócrates. Não tenho para com ele qualquer dívida de gratidão nem tão pouco de lealdade pois nunca fui seu subalterno nem fui, alguma vez, filiado no Partido Socialista. Por outro lado, também é verdade que não me move qualquer animosidade contra o ex-Governante. Este relacionamento, feito de parcelas zero, confere-me isenção bastante para poder apreciar o “caso Sócrates” sem suspeitas de ser tendencioso. E mais insuspeito me torno por não ter intenção nenhuma de o fazer porque apesar dos diferentes níveis de leitura que o caso pode suscitar, como sejam a leitura política, a judicial ou a ética, todos me parecem ou redundantes ou extemporâneos ou descabidos.

Politicamente, o “caso Sócrates”, é um caso encerrado sendo, pois, redundante qualquer análise. O homem foi julgado na Praça Pública, condenadíssimo, a ponto de nem os seus “compagnons de route” se quererem ver ao lado de ele. Sócrates está, politicamente, morto. A tal ponto que chega a gerar algumas empatias (empatias, aqui, no sentido de simpatias suscitadas não pela pessoa mas pela sua situação. Não a empatia na acepção de Prado Coelho). Nem o Partido Socialista está em condições de o propor para qualquer cargo político nem ele está em condições de fazer disputas eleitorais. Mas se politicamente este caso está morto, o seu aproveitamento politico, não.

Judicialmente não se me oferece dizer nada por duas razões: se por um lado não tenho as competências exigidas para fazer qualquer apreciação, por outro não tenho a informação necessária. Tudo quanto sei é das fugas de informação publicadas nos jornais (quem faz fugas de informação, um ilícito criminal, também pode fazer outros ilícitos como difamação) e do “diz que” dos tabloides. Seria extemporâneo e arriscado fazer qualquer conjectura.

Eticamente não tem grande interesse analisar este caso ou outro qualquer pois se o caso estiver de mal com a justiça está automaticamente de mal com a ética. Mas pode estar mal para a ética e não estar mal para a lei. E se a Lei não acompanha a ética, esta não passa de uma mera opinião. Veja-se o caso da pensão de Jardim Gonçalves: 167 mil euros por mês mais uma quantidade infindável de mordomias. E tudo certo, tudo legal, foi o Tribunal que decidiu. Mas eticamente estará certo? Ou o caso dos deputados que davam moradas falsas para terem direito a um subsídio qualquer. Parece que sempre se fez assim, que era a prática corrente e que era aceite logo tudo mais ou menos legal. E a ética? É nesta óptica que aqui dou a minha opinião sobre ética. Não a ética nos comportamentos dos arguidos do “caso Sócrates” , mas a ética em comportamentos que têm o “caso Sócrates” como pano de fundo como sejam os comportamentos do PS, de Fernanda Câncio e de Maria Luís Albuquerque.

O PS, até agora remetido à defesa, escudando-se, e bem, no argumento que só depois de a sentença transitar em julgado é que saberemos a verdade, refugiava-se no silêncio. Mas o surgimento do “caso Manuel Pinho” precipitou as coisas. Os partidos, que querem “sangue” e a humilhação pública dos adversários, chegaram ao ponto de questionarem Ministros actuais por terem pertencido ao Governo de Sócrates como se, por esse facto, inquinados estivessem. O PS não aguentou e então vimos vários dirigentes multiplicarem-se em declarações de tal forma que pareceu um processo de catarse, de esconjuro ou de exorcismo como se o PS tivesse estado possuído no tempo de governação Sócrates. Não ficou bem. Um partido político é como uma família, política, mas ainda assim uma família. E quando um membro de uma família prevarica, a família repreende-o, violentamente até, mas no seu seio que isso não é assunto de rua. Não gostamos que falem dos nossos na praça pública e muito menos dar “achas para essa fogueira”. Bem basta quando tem que ser.

Fernanda Câncio, antiga namorada de Sócrates, que até agora sempre tinha o defendido, de repente mudou a agulha e renegou-o sem se entender bem a oportunidade pois o galo há muito que tinha cantado três vezes. E num jeito muito caro a Filomena Mónica, de levar para a Lota o que se passou debaixo dos lençóis, toca a revelar pormenores íntimos que nós não temos de saber nem queremos saber. Só caracteriza quem o faz.

Maria Luís Albuquerque, armada em estratega eleitoral, declarou que o PSD não pode, de forma alguma, largar o “caso Sócrates” antes das eleições. O PSD não tem culpa do que diz Maria Luís Albuquerque. Aliás, que partido seria aquele que eleitoralmente se afirmasse pelas misérias humanas dos seus adversários? Maria Luís Albuquerque já foi Ministro (às vezes vão buscar cada um…) e no entanto não tem qualquer pejo em brandir dramas humanos como arma de arremesso político. Não olhar a meios para atingir fins é pouco menos que nojento. Resumindo: Maria Luís Albuquerque é aquilo que, a mim, me dá orgulho não ser.

Manuel Vaz Pires