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Uma vida dedicada às albardas

Ter, 09/03/2010 - 10:15


O dia começa cedo para Alcino Bento. Aos 62 anos, o albardeiro de Macedo de Cavaleiros percorre várias aldeias dos distritos de Bragança, Vila Real e Guarda para compor os arreios dos animais. “O negócio está fraco”, lamenta o artista, enquanto compõe uma “meleia” (objecto para pôr no pescoço dos animais) muito antiga.

Foi na aldeia de Assares (Vila Flor) que o Jornal NORDESTE encontrou aquele que é um dos últimos albardeiros de Trás-os-Montes. Alcino conta que, antigamente, tinha trabalho para uma semana nesta freguesia. Hoje, os animais foram substituídos pelas máquinas agrícolas. “Vim cá compor uma ‘meleia’ e pouco mais. Agora só há cá duas ou três burras”, lamenta.
Natural de Vila Flor, Alcino Bento aprendeu a arte com o pai e lembra que já o seu avô era albardeiro. Foi o único de oito irmãos que seguiu a profissão da família e tem orgulho naquilo que faz, mas lamenta ver a sua arte a desaparecer aos poucos. “Os novos não querem trabalhar nisto. Antes aprendiam-se profissões, agora metem-se nos cursos. Nas aldeias encontro alguns rapazes que me dizem que é um trabalho sujo”, conta.
Do Planalto para S. João da Pesqueira, passando por Moncorvo, Alfândega da Fé, Vila Flor, Mirandela, Vila Nova de Foz Côa, Murça Alijó, são inúmeras as terras percorridas pelo albardeiro à procura de trabalho.
Antigamente, a época forte eram os meses antes das vindimas e da azeitona. Agora, o trabalho resume-se praticamente a alguns biscates aqui e ali. “Não era conveniente compor uma albarda e ir logo à vindima. Então mandavam compor um mês ou dois antes para ir acamando e não magoar os animais”, explica.

“Antes aprendiam-se profissões, agora metem-se nos cursos”, lamenta o albardeiro.

Alcino lembra que as épocas das vindimas e da azeitona eram sinónimo de bons rendimentos para os albardeiros. “Cheguei a estar dois meses a trabalhar em algumas povoações, onde, agora, tenho trabalho para, apenas, uma hora”, lamenta o artista.
A diminuição do volume de trabalho também se reflecte no material usado pelo albardeiro. Enquanto antes gastava entre 50 a 60 metros de estopa (pano para fazer as albardas) por semana, agora chegam-lhe quatro metros para meio ano e, muitas vezes, ainda sobram.
Alcino afirma que trabalha por amor à arte, mas também para ganhar algum dinheiro para pagar a medicação, que ascende aos 150 euros por mês. “Antigamente ganhava-se muito dinheiro nisto. Agora, muitas vezes nem dá para o gasóleo”, assevera.
Mesmo assim, o albardeiro continua a percorrer centenas de quilómetros. “ Hoje já estive em Sambade, Alfândega, Assares, e ainda vou ao Nabo, Vila Flor e Freixiel. Amanhã vou para Vila Nova de Foz Côa, Pocinho e S. João da Pesqueira”, enumera.
É na margem esquerda do Douro que encontra mais trabalho, porque os caminhos junto ao rio não permitem a entrada de tractores nos terrenos. “Na Pesqueira ainda há alguns animais. Já em Foz Côa, onde antes quem não tinha um macho tinha dois, já poucos se encontram”, constata o artesão.
É com pena que Alcino Bento vê as tradições acabar, mas afirma, que mais dia, menos dia, também vai ter que parar. “Tenho problemas de saúde graves”, desabafa.
Mas enquanto tiver forças, o albardeiro transmontano continua a fazer consertos e a negociar albardas, que arranja, para, posteriormente, vender.