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Fernando Calado

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Memórias do comboio - de Bragança do Pará a Bragança transmontana

Como é sabido Bragança está geminada com Bragança do Pará, com a qual mantem laços de amizade e cooperação, dando particular ênfase à atividade cultural. Bragança do Pará localiza-se nas margens do rio Caeté, a nordeste, sendo um município do Estado do Pará, cuja capital é Belém do Pará. No âmbito desta geminação teve lugar de 6 a 13 de Outubro, em Belém do Pará, o “IV encontro Literário da Lusofonia” que se realiza, alternadamente, em Bragança transmontana e em Belém do Pará. Este ano deslocou-se ao Brasil o presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias e a sua comitiva que integrava, entre outras, personalidades do mundo das letras e da cultura para participarem no importante encontro literário organizado pela centenária Academia Paraense de Letras a que preside o carismático homem da cultura paraense Alcyr  Meira.
E Belém do Pará é uma cidade populosa, com as suas grandezas e misérias, com as sua festa do “Círio” onde se organizam procissões em honra de Nossa Senhora da Nazaré, com cinco quilómetro de comprimento, com mais de dois milhões de participantes e milhares de barcos engalanados navegando na imensidão do rio amazonas. A comitiva de Bragança participou neste evento e ouviu o sentir das gentes de Bragança do Pará, um sentir semelhante à nossa Bragança, embora a grandeza do atlântico separe, ou talvez una, as duas cidades.
Um dos lamentos dos habitantes de Bragança do Pará é a perda do comboio que fazia a ligação, por “estrada de ferro”, desta cidade, a Belém do Pará, num percurso de 204 Km. O comboio iniciou as suas viagens em 1908 e terminaram em 1965, para descontentamento dos Bragantinos. O “trem de ferro” ainda hoje é uma referência constante ao nível do imaginário, das memórias e da saudade. Atualmente, a ligação entre Bragança do Pará e Belém faz-se por uma estrada com precárias condições. Por isso, os Bragantinos não se calam e reclamam permanentemente o seu comboio, de grande importância nos transportes e na economia duma cidade com cem mil habitantes. Toda a gente fala no comboio, como se tivesse sido ontem que o “trem” se silenciou pelas terras da Amazónia. Os escritores contribuem para manterem viva a memória da “estrada de ferro” e publicam livros onde o tema central é o comboio, como é o caso do romance “Maria-Fumaça” do escritor Amaury Braga Dantas.
Também nós tivemos um comboio que rasgou as margens do rio Tua e chegou a Bragança pela força e tenacidade de Abílio Beça. Quantas dores de cabeça, quantas idas a Lisboa, a quantas portas, o Dr. Abílio Beça bateu para que finalmente o comboio, pintado de verde, na força monumental da máquina a vapor, chegasse triunfante a Bragança no ano de 1906.
Em 1991 é encerrado o troço ferroviário entre Mirandela e Bragança e definitivamente Bragança perdia um importante e secular serviço prestado pela CP. E esta perda não deve ser entendida como um sentir nostalgia do passado, como um sentir romântico de ouvir o apitar prolongado do comboio à chegada e à partida. Esta perda do comboio deve ser entendida como uma delapidação do nosso património, como um ato de ostracismo para com a região, com um elevado prejuízo para a economia regional e para o bem-estar das pessoas.
E embora pareça utópico sonhar com o regresso do comboio a Bragança, não é, pois uma nova linha do caminho-de-ferro com ligação aos comboios de alta velocidade com paragem na Puebla da Sanábria seria de extrema importância para a região, abrindo uma porta rápida para a Europa.
Por isso, para que os vindouros não nos acusem de silenciar o passado, de desleixo na luta pelos interesses da região é que, em meu entender, devemos ter sempre presente, no nosso quotidiano, esta revindicação maior em prol da reativação duma linha do caminho-de-ferro na nossa região, com destino a Bragança e ligação à Puebla.
E porque “sempre que um homem sonha o mundo pula e avança” no dizer do nosso Gedeão, vale a pena continuar a sonhar com o comboio que um dia romperá o silêncio da História e entrará triunfante da estação de Bragança rumo à Espanha e à Europa.

O Regresso às aulas

O Agosto destemperado já passou. Dos abraços das chegadas e das partidas ficaram as saudades e a promessa de voltar em brave. A cidade serenou sem estranheza como quem repete o fadário doloroso da ausência de pessoas, do abandono das aldeias, desta morte anunciada de silêncios e ruas desertas.
Os estudantes regressam sempre por setembro e a cidade rejuvenesce timidamente, o comércio anima um pouco, e algumas ruas e locais ganham vida.
Os agrupamentos de escolas vão-nos dando a ilusão que há muitos alunos, quando na verdade são poucos, fazendo o somatório de todas as escolas do 1º Ciclo que fecharam. No distrito de Bragança mais de 240 escolas não resistiram à precaridade de alunos. Muitas delas sucumbiram com a dramática realidade de um, ou dois alunos e o professor constituírem a comunidade escolar.
Fecharam as escolas, “mataram” as aldeias. Dizem alguns. Mais foi precisamente ao contrário. “Mataram” as aldeias e fecharam as escolas. O problema da desertificação mantem-se incontrolável. Embora de vez em quando o poder central dê um ar de graça com a reabertura de mais um serviço, a inauguração duma infraestrutura, a vinda dum governante que a propaganda divulga até à exaustão. Mas a política do “fontanário” não chega. É preciso um plano de descentralização dos serviços, uma verdadeira vontade social e política de dinamizar fenómenos e estratégias que incentivem a frágil económica da região.
No ensino secundário a cidade continua galhardamente a exibir três estabelecimentos de ensino, na doce ilusão de haver alunos, conhecimento, progresso. A soma de alunos das três escolas secundárias não chega ao número que o Liceu Nacional de Bragança, ou Escola Secundária Emídio Garcia, já teve numa data recente. Mas o tempo e a implacável contagem dos 4500 alunos que existem no 1º Ciclo, em todo o distrito, vai-nos confrontar com uma realidade que idilicamente tentamos esconder.
Felizmente o Instituto Politécnico continua a atrair estudantes, fruto de programas e protocolos nacionais e internacionais. A cidade está a tornar-se cosmopolita. Desejamos, que esse número avantajado de alunos traga consigo emprego e desenvolvimento sustentado, numa dinâmica de colaboração técnica e científica com as empresas e com os cidadãos.
Na verdade perdeu-se o sentir romântico dos estudantes de Bragança. Há muito que Bragança deixou de ser “Coimbra em miniatura”, no dizer de Santa Rita Xisto. Há muito que se perdeu a galhardia dos alunos do 5º, ou 7º ano do Liceu que de capa e batina ombreavam com os estudantes universitários de Coimbra. Mas nesse tempo, ser estudante do Liceu, ou da Escola Industrial era sinónimo de mobilidade social e de emprego garantido como prémio dum estudo aturado durante cinco, ou sete anos.
Dolorosamente as nossas escolas estão a formar para o desemprego, para a desmotivação, para um caminho sem futuro, salvo raras e honrosas exceções.
O professor perdeu a autoridade perante a enormidade de alunos por turma que não veem um sinal de esperança no final do percurso escolar. A família, em muitos casos, também não está a ajudar, protegendo até ao infinito os filhos, em detrimento do estatuto do professor. Enquanto a família e a escola não fizerem as “pazes” não haverá educação.
Parece que ainda estamos a ouvir Trindade Coelho contar quando a velha criada Helena o entregou ao austero professor primário:  “Muito bons-dias. Lá de casa mandam dizer que aqui está a encomendinha. Oh! Oh! A encomendinha era eu, que ia pela primeira vez à escola. Ali estava a encomendinha! – Está bem, que fica entregue.”
Não queremos encomendinhas nas nossas escolas, mas também não queremos filhos que não respeitam a autoridade democrática do professor e confundem liberdade com libertinagem a coberto de alguns pais que estranhamente entendem que os seus filhos só têm direitos e não têm deveres. Educar para a cidadania só é possível se a escola e a família colaborarem na função maior de educar no presente para garantir um futuro harmonioso e civilizado dentro dos princípios democráticos em que todos temos direitos, mas também temos deveres.

Tantos Emigrares a Nordeste

O mês de agosto anima-se. Regressam os filhos, os netos, as novíssimas gerações de emigrantes que já nasceram por esse mundo de Cristo.

O conjunto, com bailarinas que fazem o deleite dos mais idosos, dá vida ao terreiro da aldeia. A velha, mais velha do povoado dança com o seu compadre e fala dos seus filhos, todos ricos depois de terem comido o pão que o diabo amassou pela França, pela Alemanha, pelo Canadá. Bebe-se vinho que repousou nas adegas mais frescas junto ao ribeiro. Os mais novos bebem cerveja e falam as mais diversas línguas, enquanto exibem perícias na potência da moto 4.

Na aldeia rompeu-se o silêncio e amaciaram-se as solidões dolorosamente longas.

As memórias de tantos emigrares regressam. O tio Cubano lá está de novo sentado à sua porta, moendo os dias e as amarguras de recordações passadas e de riquezas antigas por terras de Cuba.

O sonho realizou-se e o tio Cubano, nos tempos áureos da ditadura de Fulgêncio Batista passeava-se, como um fidalgo, pelas longas avenidas de Havana fumando, ostensivamente, um charuto havanês.

 Mas a História, inesperadamente inverteu-se e o Tio Cubano não resistiu à demolidora nacionalização da revolução Socialista de Fidel Castro. E assim, de um dia para o outro, este português emigrado em Cuba, regressou à humílima casa que tinha na sua pequena aldeia, deixando para trás infindos campos agrícolas.

 As poldras do rio Maçãs, perto da Senhora da Ribeira, ainda são as mesmas que pela calada da noite, davam passagem a salto a milhares de portugueses que se faziam a Espanha, a França, ou à Alemanha tão promissora. Os Carabineiros e a Guarda Fiscal espreitavam, mas a astúcia dos passadores, às vezes, levava a melhor. Outras vezes, as balas da velha espingarda mauser riscavam a noite. Havia mortes e prisões, mas a saga da emigração continuava numa guerra infinda entre a lei e a necessidade.

As aldeias fronteiriças viveram esta angústia permanente de tantos que queriam passar para a outra margem do rio. Todos colaboravam para que os emigrantes chegassem sãos e salvos ao seu destino, desde os párocos, aos taxistas, aos passadores profissionais, aos contrabandistas, à velhinha que não fazia mal a uma mosca, mas conhecia todos os carreiros dos montes e vales como a palma das suas mãos. Corria dinheiro. Uns enriqueceram, outros ficavam mais pobres, mas o sonho continuou por anos sem conta.

E assim, o nordeste é a história duma epopeia indescritível de deixar a casa e procurar o mundo.

Vencemos o Cabo das Tormentas e o Cabo da Boa Esperança tão perto. Esbanjou-se ouro, pedras preciosas e comeu-se o pão negro da miséria. Fomos ao Brasil abanar a árvore das patacas, no sonho de regressarmos ricos de fatinho branco e dente de ouro. Enfim, saímos de casa, ficámos por lá, ou regressamos ricos, ou pobres. E este mês de agosto é o mês de todas estas memórias.

Os tempos mudaram, estamos na europa e os velhos emigrantes que construíram casas bizarras e se passeavam pelas aldeias exibindo os velhos automóveis com poderosas aparelhagens de som, já não existem e hoje, na maior parte dos casos, os filhos, os netos dos emigrantes dos anos sessenta vêm de férias a Portugal, no fascínio da Internet, do Facebook, do azul das águas límpidas das praias e regressam de novo ao estrangeiro, deixando, definitivamente as nossas aldeias, vilas e cidades onde o silêncio já dói

Os idosos rezam aos santos para que estejam ainda vivos no próximo mês de agosto, para fazerem a festa, abraçarem os filhos e os netos, enquanto o nordeste, de tantos emigrares, vai morrendo paulatinamente.

Como escreveu Fernando Pessoa, tentando ver por entre um húmido nevoeiro: “Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro... É a hora!  

 

Um certo Turismo Rural a Nordeste

Estou sempre de regresso ao Nordeste onde é possível escrever como quem come pão centeio, bebe do vinho da pipa e embebeda-se com a água do ribeiro a regurgitar de peixes avaros dos mistérios dos poços fundos.
Então tudo é fácil, o grande livro do Nordeste está aberto e só é preciso copiar a cópia cem vezes repetida na escola da vida.
A tia Augusta, de avental de cotim às riscas penteia-se na varanda, com o bigode muito bem-posto e chama as suas pitas que comem o renovo da vizinha.
O Tio Lopes, há anos que não fala com a tia Augusta, coisa de namoricos antigos, ciúmes velhos em tempos da Senhora da Ribeira. Contudo, a Tia Augusta admira-se como o tio Lopes lavra o seu quintal, rasgando a terra num namoro perene com os sulcos direitos e fundos, acariciando a semente para que a planta nasça num anúncio cúmplice com a natureza.
Por isso, eu continuo a acreditar no Nordeste e no Turismo rural que timidamente já é uma mais-valia.
O Jaime que já esteve em França, vocês conhecem, pois então, ele até comprou uma camioneta para ir ao negócio, mas as coisas não lhe correram bem, pois, vocês conhecem o Jaime, já ergueu o seu pombal, com dinheiro fresco vindo da Europa. A brancura do pombal será o renascer do Nordeste afeito aos voos largos no esvoaçar de mil pombas.
E se o Turismo trouxer gente, ávida de memórias ancestrais, será possível evitar a fatalidade da morte anunciada da nossa terra. E o forno vai cozer de novo trigo alvo arrancado com valentia ao coração do Nordeste que se cansou de trazer ao colo fragaredos infindos e se resolveu na maternidade da farinha, do azeite, das cerejas vermelhas e amêndoas doces, anunciando esta terra prometida onde corre leite e mel.
O moleiro está de regresso ao rio depois de tanta ausência do convívio das noites de lua cheia e da pedra alveira amante da farinha branca como a neve das invernias.
O milagre vai acontecer, porque o Turismo rural reclama que se acorde o lavrador, se avise o pastor, se erga a forja, se renove a casa de pedra, se povoe a capoeira, se acenda o forno, se abra a adega, se faça o folar, se encomendem as almas, se solenizem as Endoenças, que vamos às romarias, que matemos o porco, que façamos alheiras e curemos os presuntos, porque o Turismo rural reclama que tenhamos está força telúrica em preservar as nossas memórias sem descorar o futuro e o desenvolvimento. Memórias que vêm do princípio dos tempos.
E então talvez possamos dizer: o trigo já está na tulha, as vinhas vindimadas e as castanhas ainda esperam mais umas chuvas bem caídas até que os ouriços se comecem a rir para a gente. Os lavradores mais cuidadosos já espreitam o vinho, fazem um garrafão de jeropiga, enquanto as mulheres se entretêm a fazer compotas de quase tudo. Compotas de pêssegos, cerejas, ginjas, amoras, marmelos, figos, numa infusão de açúcar em ponto.
Assim, acredito que o Nordeste tem futuro. Acredito que vindos de longe, das canseiras e do desassossego do mundo, outros Povos chegarão a este último reduto onde a vida ainda é possível, onde o homem foi capaz de humanizar a natureza sem se desumanizar, nesta cumplicidade de quem sabe que a cultura tem que estar ao serviço da humanidade, independentemente deste despudor que se chama aldeia global, onde perdemos a privacidade da nossa casa e a diferença de comer as batatas com a casca porque não gostamos delas doutra maneira.
Com essa gente, vinda de longínquas paragens, virá dinheiro e principalmente mulheres à beira de serem mães e nascerão crianças e de novo abriremos a nossa escola na alegria do “giroflé giroflá” cantado em jogo de roda pelas crianças que vieram de longe.
O Nordeste povoar-se-á na alegria dum desenvolvimento sustentado, de novo correrá leite e mel nos nossos vales tão floridos de estevas e giestas e faremos, sem dúvida, a nova Páscoa, nem que seja a Páscoa duma utopia consentida, mas que desejamos.

Dos livros e da política a nordeste

Houve um tempo que comprava livros por necessidade de dar resposta a interesses no âmbito do conhecimento, ou das atividades de lazer. Quando percorro a minha biblioteca acompanho, paulatinamente, a minha vida, como num filme antigo e regresso a cada lugar, a cada atividade como se fosse outro, plasmado nos livros e na diversidade dos interesses.
Lá estão os livros da instrução primária e o menino da mocidade portuguesa que marcha galhardamente, os livros de poesia, na nostalgia consentida da adolescência, os livros de todos os saberes escolares, os livros de filosofia, de sociologia e política, de quase todas as áreas do conhecimento, da criação de canários, de jardinagem, de raças de cães, de eletrónica, de cuidados de saúde, romances de todos os gostos, ensaios, enciclopédias inúteis, investigação científica, tratados, panfletos, jornais e revistas. Lá estão imensos livros de escritores de circunstância que não quiseram deixar de escrever um livro, plantar uma árvore, fazer um filho. E lá estou eu, humildemente, com os meus sete livros publicados, com os meus trabalhos científicos e sobretudo com uma infinidade de textos para jornais, revistas e sobretudo para intervenções em congressos, convenções, campanhas eleitorais e outras miudezas inúteis no âmbito da política.
Agora, estou aposentado e já tenho tempo para tudo, até para a reflexão do devir histórico, do homem na sua breve passagem pela vida onde tudo é “vanitas vanitatum et omnia vanitas”, “vaidade das vaidades, e tudo é vaidade”. A aposentação é o descanso merecido, a altura da reflexão, de apurar saberes e de vivermos em paz connosco e com os outros.
Durante muitos anos estive na política ativa, dirigente local, na crença maior da cidadania e das mudanças, sobretudo para um distrito que morre paulatinamente. E é curioso olhar para o presente e verificar como outros jovens se perfilam para as tais mudanças adiadas, para as revoluções mil vezes pensadas e a história repete-se. Umas vezes acerta-se, outras vezes não. E é com agrado que verifico e só a título de exemplo, como o partido socialista local se renovou. Com a saída de Mota Andrade da presidência da Federação distrital, os novíssimos dirigentes partiram para a renovação. Duma forma cirúrgica conseguiram que antigos dirigentes, de longos anos, passassem à sua condição de militantes de base. E isso só bem provar que ninguém é insubstituível e que os partidos têm capacidade de se renovar e renovar os seus quadros. Contudo, na antiga Grécia eram os idosos que governavam a cidade.
Por isso, o partido socialista local aparece renovado, mesmo com alguns militantes que há alguns estavam, mais ou menos, afastados das lides partidárias, por isso, tiveram tempo para refletir, estudar, encontrar soluções para agora darem um contributo maior à dinâmica partidária e sobretudo um contributo importante para o desenvolvimento sustentado da região, combatendo o flagelo duma enorme região desertificada.
Quem está na política tem que ter este sentido maior de servir, sem se servir, de prescindir de ganhar milhões, de resistir ao fascínio das negociatas, de combater o bom combate em prol dos cidadãos e da “polis”, de servir como “general”, ou como “soldado raso”, de fraternalmente estar perto da região sem se deixar fascinar pela “luxúria” do poder.
Por isso, estou expectante. Esta nova equipa renovada, refrescada, do PS saberá mobilizar pelos afetos os militantes de base e os simpatizantes, para dar uma resposta eficaz aos grandes combates que se adivinham. Não é importante ganhar eleições pelo prazer lúdico de estar contra alguém, mas sobretudo pela possibilidade de devolver a felicidade e o bem-estar aos habitantes das cidades, vilas, e sobretudo das nossas aldeias que habitam nos longos silêncios, na memória de outros tempos, que todos os dias enxugam as lágrimas do desgosto das imensas partidas em tempo de emigração, assistem à derrocada do casario e esperam que os filhos regressem pelo natal, enquanto falam de memórias à soalheira e o poder de Lisboa espera que o último vizinho vá a sepultar para encerrar a aldeia. E eu sei do que estou a falar, não por ler jornais, não por filosofar na Praça da Sé, não por ir a conferências, seminários e convenções com ilustres estudiosos vindos de longínquas paragens, eu sei do que estou a falar porque habito numa pequena aldeia transmontana e cada vez somos menos e qualquer dia já não tenho vizinhos para jogar uma “suecada”, ou para andar as cruzes, ou dizer, tão-somente, hoje o dia está bom.

As casas velhas a nordeste

As casas velhas das nossas povoações estão a cair numa derrocada medonha, prenúncio de tantas mortes anunciadas que paulatinamente trazem o silêncio e o abandono às antiquíssimas aldeias transmontanas.
As casas caiem como se caísse um pouco de nós e fica somente uma tristeza profunda olhando os sítios, os recantos onde fomos tão felizes.
Morremos aos poucos em cada pedra e na soleira da velha porta passam as nossas memórias vestidas de luto.
Domingo à tarde na aldeia da nossa infância. Era um dia soalheiro. Entre dois dedos de conversa e a prova do vinho, sempre o melhor do mundo, lá vamos dizendo por dizer, este ano a geada chegou anunciando um mau prenúncio e os netos não irão comer as cerejas do cedo, enquanto as nogueiras ficaram reduzidas a cinza, negando a esperança dum Verão a oferecer-se em mil frutos de infindas cores e múltiplos sabores.
- Dizem que as casas velhas ainda vão valer dinheiro!
Comentava, sem grande convicção, o idoso mais idoso da aldeia que estoicamente tem assistido à fantástica derrocada do casario que penosamente acompanha a morte dos seus donos.
Para passar o tempo fomos ver uma casa abandonada do idoso. Tem curral para cinco juntas de bois, forno, varanda sempre com sol, lá se criaram doze filhos e por lá dormiram criados e pedintes.
Depois, um longo silêncio de recordações e nem o copo bebericado entre duas azeitonas apagou memórias antigas, tempos fecundos do lavrar da horta, do apanhar as batatas, das noites de Verão cheias de lua, enquanto se esperava a água para regar a faceira.
Paramos em frente à casa. Primeiro um imenso terreno circundante. Terra funda. As silvas cresceram imponentes. De onde em onde ainda se podiam adivinhar floreiras que fizeram o encanto das mulheres da casa, zeladoras do altar da Senhora do Rosário. Depois tentamos entrar na grande cozinha transmontana que dava passagem para os quartos com grandes sobrados de castanho velho. Impossível. A casa desmoronou-se, silenciosa, sem grande espavento, não resistindo às últimas invernias.
Não houve palavras. Não se falou mais em comprar e vender. Reinou o silêncio por todo o vale habituado à gritaria dos miúdos que aproveitavam a planura da aldeia, para correr, inventar o jogo, ensaiar a liberdade num País de repressão.
As nossas aldeias são efetivamente um desencontro de culturas, onde as casas velhas contrastam, cheias de pudor, com o luxo das casas novas, bizarras, agressivas, descaradas. De onde em onde há reparações nas paredes de pedra, sobressaindo o tijolo vermelho, ou remendos nos telhados, onde a telha de canal sucumbe perante o fulgor de telas de material plastificado.
Esta “multiculturalidade” empobrece o nosso meio rural. Algumas Câmaras Municipais estão sensibilizadas para este problema. Outras resolvem o fundamental, o mais urgente, que passa pelo calcetamento das ruas, pelo saneamento e culmina com a Sede da Junta de Freguesia, ou Associação Cultural.
Mas valia a pena, apostar num plano integrado de desenvolvimento que devolvesse a dignidade perdida às nossas aldeias que reabilitasse as casas, cheias de história, documentos duma antropologia de época, explicativa dum modo de vida, duma economia, duma infinidade de relações sociais de parentesco e de vizinhança.
Todos concordam que o nosso futuro pode passar pelo turismo de habitação, pelo turismo de natureza. Então temos que criar condições para terminar com o fatalismo duma morte anunciada que passa pelo contar mórbido do próximo morador que vai falecer, ou partir para outras terras.
O nosso futuro é aqui e vale a pena apostar em nós.

Mobilidade social

Na idade média a mobilidade social era quase nula. Nascia-se e morria-se nobre, ou plebeu e a conflitualidade social praticamente não existia porque a comunidade reconhecia, ordeiramente, que sempre foi assim e assim continuaria a ser por muitos e longos anos.
No seio da família os filhos faziam uma aprendizagem demorada e paciente dos saberes ancestrais dos seus pais e amigos. O jovem aprendiz só tinha que deixar passar o tempo para se tornar num profissional semelhante aos seus antepassados. A conflitualidade de gerações raramente existia.
Nos nossos dias a escola introduziu uma aprendizagem rápida, quer no domínio profissional, quer científico e facilmente os jovens aprendizes ultrapassam os saberes e competências os seus antepassados e daí o conflito de gerações se acentuar.
Mas este processo de escolarização foi lento e pouco democrático. Durante séculos só uma minoria de cidadãos das classes economicamente dominantes é que tinham acesso ao ensino secundário, ou universitário. Os seminários enchiam-se de potenciais candidatos ao sacerdócio. Muitos eram os chamados e poucos os escolhidos, nesta escola vocacionada para receber os mais desfavorecidos em termos económicos. Os seminários foram durante muitos anos uma escola, quase uma universidade para pobres, mas donde na verdade, saíram muitos cidadãos com uma formação superior e que ascenderam aos mais altos cargos na função pública, ou empresarial.
Com os alvores da revolução de abril a escola democratizou-se e abriu as suas portas a todos e assim todos puderam ter acesso à formação e à informação, sendo a mobilidade social muito rápida, para desgosto de algumas elites que não aceitaram de bom grado que os filhos dos caseiros estudassem ao lado dos filhos dos patrões.
Para além da escola o ingresso na atividade política e partidária também contribuiu, em muitos casos, para uma fácil mobilidade social. Com alguma frequência, muitos cidadãos menos dados às “letras”, ou às longas rotinas da escola, conseguiram uma rápida ascensão social pela via da dinâmica partidária. Isto originou que nem sempre os que tinham mais preparação, ou competências ascendessem a lugares no aparelho de Estado reservados, quase em exclusividade, a alguns agentes políticos.
Sem dúvida que a formação e a aprendizagem não se faz somente na escola, também se aprende ao longo da vida. Contudo, salvo raras e honrosas exceções, quem não tem não pode dar. Quem não sabe, pouco acrescenta à humanidade no âmbito do progresso e do desenvolvimento. “Diz a lenda que Nabucodonosor imaginou uma estátua feita de ouro, prata, bronze, ferro e barro. Mas bastou uma pedra para destruir o sonho do rei” dada a fragilidade do barro.
Na verdade, ídolos com pés de barro são muito efémeros e a sua consistência dilui-se à mais pequena pedra que surge no seu caminho.
O que é estranho é que muitos destes ídolos, enquanto navegam na área do poder, ou da influência, se esquecem, deslumbrados, daqueles que estão por baixo. O poder, os gabinetes, os assessores, as mordomias fascinam, tiram a lucidez e a capacidade de discernir que o verdadeiro poder assenta no Povo e que o político tem que orientar a sua ação, humildemente, para o Povo e com o Povo.
Quem assim não fizer, quando “do alto inacessível das suas alturas” forem caindo “na razão directa do quadrado dos tempos” a queda será dolorosa e incontrolada, porque os que estão em baixo não servirão de suporte em termos emocionais e afetivos.
“O bom senso é a coisa do mundo, mais bem distribuída” diz Descastes, mas muitos esquecem-se disso e no presente não preparam o futuro e vivem como se fossem eternos, não se lembrando quão efémeras e precárias são as glórias mundanas.
Nascemos atrás das estevas e se tivermos sorte, essas mesmas estevas nos servirão de tumba.

 

A nordeste uma luz ao fundo do túnel

Era um tempo em que se vivia sem pressa. O meu avô despedia-se da família e demorava um mês a ir ao Porto e regressar a Bragança, com quatro machos puxando um “carromato”. A longa caminhada era uma aventura com bizarros episódios de ladrões que espreitavam no descampado dos montes, ou se acoitavam na estreita passagem dos pontões dos rios. Tempos de fomes e servidão.
O meu pai comprou uma furgoneta de caixa aberta e pacientemente ia ao Porto em 7 ou 8 horas. Saía ao anoitecer de Bragança, parava nos bares do Adolfo do Romeu e do Neca de Vila Real que estavam toda a noite abertos servindo os camionistas e ao amanhecer estava no Porto, depois de vencer, estoicamente, as infindas e penosas curvas do Marão.
Em 2009 o ministro Mário Lino inaugurava a ponte internacional de Quintanilha, dando-se assim por concluído o IP4 que demorou quase 30 anos a ser construído.
“O Itinerário Principal nº 4, projetado para ligar Matosinhos, no Porto, à fronteira, em Bragança, foi das primeiras obras do Plano Rodoviário Nacional a ser iniciada, mas das últimas a ser concluída”, lê-se no jornal de Negócios de 24 de julho de 2009.
E durante estes 30 anos o Marão continuou a ser um pesadelo, com a morte anunciada em cada curva, com o luto permanentemente a assombrar o país. No IP4, em 20 anos, foi contabilizada a morte de 136 pessoas e 1273 acidentes. Uma autêntica guerra que ninguém travava.
Em 2009 arranca a construção da autoestrada nº 4 (A4) com a emblemática frase de José Sócrates: “Esta é a autoestrada da justiça” e ainda, esta autoestrada “vai acabar com a ideia de que haverá pessoas para cá do Marão ou para lá do Marão"
Mais uma vez a A4 avançava com a lentidão tradicional das obras transmontanas onde a pressa política não marca a agenda.
Finalmente esta importante obra de “Santa Engrácia” é dada por concluída com a abertura do maior túnel da Península Ibérica, com 5,6 quilómetros. Finalmente venceu-se o Marão e espera-se que cada vez mais para cá do Marão mandem os que cá estão com a colaboração solidária do governo central que muitas vezes se esquece que há mulheres, e homens a nordeste.
Que esta última obra na A4 que demorou sete anos a ser concluída, seja a luz ao fundo do túnel da nossa esperança e que de uma vez por todas o interior se aproxime do litoral e da Europa ao nível da igualdade de oportunidades e do desenvolvimento.
Pelo meu avô, pelo meu pai, quero fazer esta viagem até ao Porto acreditando que a única riqueza que temos é o tempo e tudo aquilo que de bom e justo possamos fazer com o tempo que nos resta.

Do tempo e da política a nordeste

Em tempos antiquíssimos o ter acesso à sabedoria era um privilégio e um segredo guardado, na maior parte dos casos, na penumbra conventual, nas bibliotecas e universidades sacramentalmente protegidas e reservadas.
A filosofia e o conhecimento científico partilhavam fronteiras ténues com práticas exotéricas, com artes iniciáticas e com o dom da análise do presente e da previsibilidade do futuro.
Na atualidade, com a democratização da escola, o saber e o conhecimento tornaram-se acessíveis ao comum dos mortais desde que tenha vontade e se dedique ao estudo e à investigação. Contudo, depois da revolução de abril criou-se uma grande apetência pela atividade política, como forma de mobilidade social, em detrimento do conhecimento e da cultura.
E assim, a classe política, no imaginário de muitos, perdeu o encanto e o recato de alguém que está atento ao bem-estar da sua “polis”, da sua cidade, para se tornar numa classe à parte, visionária e detentora de novas sabedorias e artes que não são partilhadas.
Esta nova classe política também se deve ao facto de se confundir política como ciência, análise e ação, com a discussão de bairro onde o político se assume como privilegiado conhecedor de um jogo que se desenvolve no enredado xadrez da vida da cidade, dos partidos, das instituições, ou das autarquias.
Contudo, a política é outra coisa, é universal e de acesso necessário e obrigatório a todos os cidadãos que vivem em comunidade que partilham interesses, têm direitos e deveres.
O político é um estereótipo construído pelo imaginário. O homem político é alguém que vive, que trabalha, que sofre e tem alegrias e tristezas que se interessa pelo mundo que o rodeia e entende que a sua casa faz parte do todo da política universal.
E muitas vezes a política deixa de ser somente razão para ser emoção nas recordações de tantos cidadãos que olham para a sua aldeia, ou para a sua cidade e não a reconhecem porque se perdeu nos enredos do progresso que não soube preservar as memórias, a alma, a vida e o sentir de tantas gerações.
E a política também é feita por aquele idoso que se lembra da fonte que existia à sua porta e que tinha água fresca no verão e quente no inverno e foi demolida na urgência da construção dum prédio de sete andares.
E a política também é feita pelo escritor que regista em livros uma cidade que vive os ciclos do tempo, das tradições e das memórias
E a política também é feita por toda a gente que sem saber porquê se deleita na contemplação dos granitos trabalhados com paciência e perduram nas fachadas das velhas habitações e sente uma nostalgia de morte na pressa de se construir sem graça e sem beleza na padronização do betão.
E a política também é feita da tristeza de ver alterar edifícios seculares, com magníficos azulejos, para se construir um novíssimo museu com paredes alvíssimas de “pladur”.
Vivemos num tempo em que o tempo conta e por isso a “polis” é o reflexo duma civilização construída para hoje, sem grandes preocupações de futuro.
Mas como diz Antoine de Saint-Exupéry: “eu cá se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, punha-me era a andar muito de mansinho à procura de uma fonte.”

Depois da ressurreição a nordeste

Pois já se comeu o folar, já o padre, ou o imberbe seminarista benzeu as casas e agora resta-nos esperar que o tempo melhore para que o sol faça vestir de branco as árvores de fruto que temerosas do frio ainda se acanham de anunciar o verão, a flor e os frutos maduros.
Na política a Federação do partido Socialista de Bragança, já realizou o seu congresso. Um congresso morno, de lista única, na sucessão de Mota Andrade. Outros protagonistas surgiram, numa mudança que se diz de rumo ao futuro. Algumas personalidades que há muitos anos pertenciam ao secretariado, ou à comissão política distrital foram dispensados. O que aliás não tem mal nenhum e ninguém é instituível. Sem dúvida, a política faz-se com os dirigentes, mas sobretudo com os militantes de base que são a verdadeira razão de ser dos partidos políticos. Todos esperamos que esta renovação traga mais benefícios para a região, mais investimento, mais empego, mais serviços, melhor educação e melhor saúde. A força e determinação dos bragançanos fará o resto, na verdade somos determinados, mas pacientes. Assim, depois duma longa espera de quase sete anos, finalmente, o túnel do Marão irá abrir no próximo mês de abril. É razão para dizer que já não era sem tempo.
Anuncia-se também o regresso de alguns serviços da justiça ao distrito, nomeadamente cinco tribunais que tinham sido encerrados. Mas, na verdade, se é altamente positivo que isto aconteça, ficamos com a sensação que só se está a repor um serviço a que os transmontanos, que também pagam impostos, têm direito. Pois, repõe-se um serviço que nunca deveria ter sido retirado à região. Fez-se justiça.
Também, a seguir à páscoa, no calendário escolar, entra-se no terceiro período. Em tempos idos, os austeros exames do 5º e 7º ano, obrigavam às magníficas madrugadas para ir estudar para a mata de São Sebastião, ou da Florestal, pela manhã a mente fresca facilitava a aprendizagem. Dizia-se. Não acredito que nesse tempo a escola fosse melhor e os alunos mais aplicados. Acredito sim que nesse tempo os alunos estavam mais motivados, pois ao terminar o 5º ano dos liceus, qualquer aluno tinha garantido um emprego no Estado e com o 7º ano já se almejava um lugar num Banco ou nos quadros superiores da administração. Os tempos mudaram, felizmente a escola democratizou-se, mas infelizmente não há colocação para todos nos serviços do Estado ou no privado. Daí assiste-se a alguma desmotivação no meio escolar. Depois, também acho que a escola está e investir pouco no recreio, como defendia há pouco tempo, Moita Flores e eu concordo. É no recreio que se dissipam energias, é no recreio que se conhece o outro, se cultivam afetos e se intensifica o lúdico como elemento fundamental para a socialização.
Por outro lado, a Família também não se pode demitir do processo educativo dos seus filhos. A Escola não pode ser um local onde se depositam os filhos. Alguns pedagogos dizem, a Escola ensina a aprender, a Família educa. Eu prefiro dizer que a Escola e a Família ensinam a aprender e a educar. Contudo, é fundamental que a Família devolva aos professores a autoridade democrática a que têm direito, no sentido de serem respeitados no seu local de trabalho, enquanto formadores e responsáveis pela formação e educação dos mais jovens.
E são estas as breves notas que me ocorrem depois do tempo pascal que se pretende de ressurreição para o futuro, para a cidadania e para o progresso.
Todos não somos demais na defesa da nossa região, que paulatinamente esmorece a nordeste.