João Cabrita

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Falando de ….. A Filha de Almeida Garrett

Nasceu no Porto. Furtou-se às tropas napoleónicas. Estudou em Coimbra. Em Lisboa fez Portugal maior. Andou pelo mundo. Foi um liberal a abrir as portas à democracia. Amante de corpo inteiro. À literatura deu o melhor de si preenchendo as mais belas páginas escritas pelo talento português. Na rate de amar não foi tão exímio.

Portugal consolidava-se na turbulência do poder disputado entre liberais e absolutistas. Serenavam-se os ânimos e Garrett passava de exilado a amante e afirmava-se como intelectual e político a dar lições aos vindouros.

Até hoje! Mau grado o ostracismo a que vão sendo votados os que nos deixam e as modas vão pondo nos pódios, aleatoriamente, os que o populismo consagra. E ainda se vai lendo prosa garrettiana. A escola não o esqueceu. Vai-se eternizando em Frei Luís de Sousa. Da lírica, salvam-se versos que vão escapando à fúria do esquecimento. Folhas Caídas alimentam paixões a que nos vamos dedicando em tempos primaveris da nossa existência.

E Garrett, de vida igual à nossa, restou. Lembremo-lo no avesso do seu esplendor literário.

Representava-se Catão, no teatro do Bairro Alto. Ele próprio personagem da sua própria peça. Era Setembro de 1821. Ele tinha vinte e dois anos. Ela, instalada num camarote da família de Paulo Midosi. Chamava-se Luísa Cândida Midosi. Teria entre treze para catorze anos. Apaixonaram-se. Casaram a onze de Novembro de 1822, na igreja de São Nicolau, em Lisboa. Incompatibilidade de génios e desproporção de inteligências, afirmam os biógrafos. Do casamento, nasceram dois filhos que não sobreviveram, em 1828 e 1831.

Garrett encontra-se separado de Luísa Midosi por convenção amigável e verbal desde Junho de 1836 e escritura de 10 de Outubro de 1839, proporcionando-lhe uma pensão compatível com os seus proventos de empregado público.

Em 1837, começa a relação de Garrett com Adelaide Deville Pastor, de dezoito anos. Geram dois filhos que soçobram prematuramente: Nuno, nascido a 25 de Novembro de 1837, vem a falecer a 9 de Fevereiro de 1839. O segundo filho nasce a 6 de Novembro de 1839, João, falece ao fim de quarenta dias, a 16 de Dezembro.

A 12 de Janeiro de 1841 nasce a filha Maria Adelaide, deixando a mãe gravemente doente, que sucumbirá à enfermidade, contando apenas 22 anos, em 26 de Julho de 1841.

Do assento de baptismo realizado na igreja da freguesia da Encarnação, em Lisboa, pelo prior João Carlos d’Andrade, em 15 de Março de 1841, consta que Maria é filha natural do Conselheiro João Baptista de Almeida Garrette (sic), sendo testemunhas o Conselheiro Joaquim Larchê, que também assinou como padrinho, e José Augusto Corrêa Leal. Como madrinha, Nossa Senhora. A escritura de perfilhação e legitimação da filha de Garrett data de 4 de Junho de 1842.

Uma tia de Maria Adelaide, D. Amália Deville da Costa Couraça, casada com Maximiano Saraiva da Costa Couraça, contestou em juízo que sua irmã Adelaide tivesse sido a mãe da filha de Garrett, no intuito de privar a sobrinha de herdar da avó, D. Jerónima Deville Pastor.

Órfã, muito cedo, passou a mocidade no colégio das Salésias, considerada uma das mais conceituadas instituições de educação.

            Dos três filhos que lhe nasceram da sua relação com Adelaide Pastor, só lhe sobreviveu Maria Adelaide, a quem tratavam por Mimi. Ela era o encanto da sua existência, dedicando todo o cuidado a esta filha única, relicário guardado de uma felicidade que ele teimava em não perder. Educando a filha nos princípios religiosos que para si eram primordiais, escreve Garrett à filha:

Não te afadigues com este calor; não te apliques de mais. Eu não te

 quero para   doutora, só desejo que sejas boa, temente a Deus, que tenhas

 modos de senhora, e que cultives honestamente a inteligência que Deus te deu.

 

De esmerada educação, bebida no Colégio que frequentava, não descurava a sua formação cívica, moral, religiosa e intelectual que a conduziria à mais alta sociedade, a que seu pai pertencia, ele que, merecidamente, chegaria aos mais altos cargos da governação, onde não lhe faltavam méritos que quotidianamente conquistava, para além da sua posição de líder na cultura pátria.

Em 25 de Junho de 1851, D. Maria II faz-lhe mercê do título de Visconde de Almeida Garrett em duas vidas, cuja segunda vida se verificará em quem se mostrar habilitado no juízo competente para suceder ao título. Logo que se soube da sua nomeação de visconde, não faltou quem se lembrasse do modo como ele tratou dos barões em Viagens na Minha Terra. Garrett, logo explicou que fizera o sacrifício pela filha, que não lhe pôde suceder, não obstante os sucessivos pedidos solicitados à rainha.

Nos princípios de 1853, D. Maria Adelaide entra para o recolhimento das Salésias, onde vai ser educada. Direccionando todo o seu afecto para esta filha, escreve Garrett em 6 de Novembro de 1853:

                Minha adorada filha da minha alma…

                Ganha a afeição de tuas superioras e mestras que são as verdadeiras mães

                que Deus te deixou. Ama e teme a Deus e vive contente porque fazes

                feliz o teu pai  que te ama.

                Não te esqueças nunca minha filha que os maus são sempre infelizes ainda

                que o não pareçam. Adeus, estuda, teme a Deus e adora a verdade,

                que enches teu pai de alegria e de gosto.

                O teu quartinho será o melhor da casa e próprio para uma senhora como tu

                hás-de sair daí.

 

Em Setembro de 1854 cai de cana, gravemente doente. Pulmões. Coração, baço e fígado, segundo o médico Francisco Martins Pulido, tudo estava esfacelado. Mandara a filha ir buscar Flores sem Fruto e que procurasse a peça intitulada, As minhas asas. Não lhe restaria muito tempo para se imortalizar no desaparecimento terreno.

Às dezoito horas e vinte e cinco minutos, de 9 de Dezembro de 1854, partira. Residia em Lisboa na Rua de Santa Isabel, 56. Vivera 55 anos, 10 meses e 5 dias.

Deixou testamento lavrado em Lisboa em 9 de Junho de 1853, nomeando universal herdeira, sua filha única, D. Maria Adelaide de Almeida Garrett, ainda menor de 13 anos. Declara Almeida Garrett, no início do testamento:

          Depois de cinco anos separado de minha mulher, houve esta filha de uma

          donzela honesta, hoje falecida, cujo nome oculto por consideração e respeito

          para com a sua memória, e porque essa única fraqueza em sua vida recatada

          e exemplar, terá merecido a esta hora a suprema indulgência, assim como

          deve merecer a  dos homens. Minha filha, D. Maria Adelaide de Almeida Garrett,

         por mim reconhecida, e com o consentimento unânime de todos os meus

         parentes, segundo as leis e estilos destes reinos de legitimação de sua majestade,

         haverá tudo o que é meu e de que posso dispor, bens móveis de raiz, direitos

         e acções, e nomeadamente a propriedade de todas as minhas obras já impressas

         ou ainda inéditas, por todos os trinta anos que a lei garante, depois da minha

         morte; a qual propriedade não cedi nem cederei a ninguém outro, nem fiz ou farei

         sobre  ela contrato algum, senão for pelo tempo de minha vida.

No testamento é nomeado tutor de D. Maria Adelaide, o Sr. Joaquim Larcher, e em sua falta o Sr. Carlos Krus.

Uma vez que Garrett  não era divorciado de Luísa Midosi, não podia privar a viúva da meação na herança, que pugnou pelos bens a que tinha direito, tendo sido procedido com equidade. Pagas as dívidas existentes e feito o leilão do espólio, coube a cada uma das herdeiras a quantia de 4 063$950 réis.

À filha de Garrett, tratada por Viscondessa, pertenceu a propriedade literária das obras do pai, no que houve acordo entre as duas herdeiras que liquidaram todos os assuntos inerentes ao testamento em 1856.

Após o falecimento de seu pai, D. Maria Adelaide foi viver com sua avó, com quem Garrett mantinha as melhores relações, na Quinta da Buraca, o mesmo acontecendo em vida de Almeida Garrett.

Em princípios de Março de 1855, D. Maria Adelaide frequentava um colégio inglês, sito na Rua do Ferragial de Baixo, nº. 18 – 2ºandar, em Lisboa, contra a opinião de seu tio Alexandre.

Foi em Sintra, por volta de 1856 ou 1857, em casa de D. Maria Krus, frequentada por D. Maria Adelaide, numa soirée que se dá a empatia da filha de Garrett pelo Dr. Carlos Augusto Guimarães. Nascido em Lisboa a 15 de Janeiro de 1830, tomara o grau de bacharel em medicina na Universidade de Coimbra e cursara a Universidade de Bruxelas onde se doutorara em 1860 em Medicina cirurgia e partos, sendo adido da legação de Portugal em Bruxelas, sem vencimento. Morando em Lisboa perto da casa de Garrett, há muito que Carlos Guimarães conhecera D. Maria Adelaide, por quem nutria grande admiração, tendo encontrado correspondência nas suas idas a Sintra.

Tendo verificado o conselho de família da filha de Garrett a sua inclinação pelo Dr. Carlos Guimarães, resolveu reunir a fim de dar o seu consentimento e assentar as condições em que deveria ser concluído, segundo auto lavrado em Lisboa a 27 de Novembro de 1861. Acordadas as condições em que se deveria realizar o acto nupcial, ele teve lugar a 2 de Janeiro de 1862, na capela de Nossa Senhora da Lapa, no Lugar da Porcalhota , freguesia de Benfica.

D. Maria Adelaide esteve para casar com o primo Francisco Lopes Pastor, formado em Direito, o que não chegou a efectivar-se pelo falecimento de seu tio João António Lopes Pastor, avô de D. Maria Adelaide.

Maria Adelaide de Almeida Garrett e Carlos Guimarães estiveram casados trinta e quatro anos. Devido às constantes ausências do marido, é muita a correspondência trocada entre ambos, sendo variadas as formas de tratamento utilizadas, não fossem todas as cartas de amor ridículas, segundo Fernando Pessoa. Dela é possível ler: “meu bichinho”, “minha prenda”, “meu anjo”, “minha jóia da minha alma”, “meu menino”, “meu rico velhinho”, “meu amor”, “adorada prenda”.

Ele, por seu turno, usa termos, como “minha jóia querida”, “minha bichinha”, “mina querida mulherzinha do coração”, “minha queridíssima Mimi”

Numa das cartas que escreve, a partir de Sintra, pede-lhe “se puderes e tiveres tempo traz-me duma das livrarias do costume, um romance português, novo, escrito, por um homem chamado Gaio, que é médico, chama-se Mário, ou a revolução de 1820, é este o título pouco mais ou menos, creio que não é bem assim”

Do matrimónio nasceu uma filha em 6 de Junho de 1863, baptizada Maria (do Carmo), vindo a falecer em Santarém a 2 de Junho de 1866, tendo sido sepultada no jazigo de Manuel da Silva Passos, no cemitério dos Capuchos, em Santarém.

Maria Adelaide e o marido procuram publicar algumas obras de Almeida Garrett, daí ser natural que o jornal, A Revolução de Setembro, de 10 de Novembro de 1865 escreva, “Obras de Garrett – Parece que a senhora viscondessa de Almeida Garrett vai publicar as últimas obras do seu ilustre pai, o grande escritor do mesmo título”.

Apesar de Garrett ter desaparecido do mundo dos vivos, são muitos os seus livros publicitados nos jornais, graças ao interesse manifestado pela filha e pelo marido que não deixam de assistir em 1888, no Teatro de São Carlos à ópera D. Branc,a a partir do poema do mesmo título, pelo maestro Alfredo Keil..

E porque tudo finda, chegara a hora para D. Maria Adelaide. No dia 4 de Janeiro de 1896, na Rua do Carneiro, em Sintra, pelas 12 horas, falecia, em resultado de lesão cardíaca, atestada pelo Dr. Gregório Rafael da Silva de Almeida.

O falecimento da filha de Garrett deixou os seus amigos e pessoas das suas relações profundamente consternados. Seu marido, recordando a mulher, que o monopolizara, escreve à Duquesa de Palmela:

A existência da nossa saudosa Mimi era, há quase dois anos, tristíssima, miserável;

estes últimos três meses foram horríveis de cruel sofrimento para ela

As noites eram medonhas, eu deixava-a sempre depois das 6 horas da manhã.

     saí do quarto eram três horas. Às 8 horas foram dizer-me que a Senhora que a

     Senhora estava mal desde as 7 horas; quando cheguei ao pé dela já não me viu,

     nem ouviu, e sem sofrimento, morreu era meio-dia.

 

O seu enterro foi acompanhado por toda a gente que há em Sintra. Foi vestida com o hábito de Nossa Senhora do Carmo. E a 15 de Abril de 1900, pelas onze horas da manhã, faleceu em São Martinho de Sintra, o Dr Guimarães.

Foram-se os vivos e os livros ficaram a atestar a existência daqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando….

E foram pesquisados, cento e vinte e um anos, após a morte de Maria Adelaide de Almeida Garrett:

Garrett, Memórias Biográficas de Francisco Gomes de Amorim, 3 volumes, 1881-1884

A filha de Almeida Garrett de Henrique de Campos Ferreira Lima, 1947

 

Não foi adoptado o Acordo Ortográfico em vigor

Falando de… A Caça na Literatura Portuguesa, de Júlio Carvalho

Somos Bragança. E os bragançanos, ufanos do seu rincão, celebram mais um ano da sua cidade, fazendo vincar que se trata da nona cidade mais antiga do país.
Em tempos não muito recuados, Santa Rita Xisto, estudante talentoso em dias de boémia, denominou-a de Coimbra em miniatura. E a cidade foi crescendo. Ultrapassou as costuras dos seus limites. O Fervença parece pedir meças aos rios de grande caudal. As ruas alargaram-se e alindaram-se. O comboio de grandes recordações, inopinadamente subtraído, foi substituído pelos modernos autocarros que atravessam Portugal do Minho ao Algarve. Gente capaz, briosa e de talento tenta mostrar a cidade ao país, orgulhando-se do trabalho feito.
As Escolas não param. O Instituto Politécnico vai atraindo gentes e faz gala de ter dentro de si uma investigadora de nível mundial. Honra ao mérito. A edilidade não esqueceu e em momento aprazado todos aplaudiram. O trabalho, muito trabalho a merecer honras e a ecoar nos presentes.
A cidade está viva. Desafia o conhecimento. Agentes locais espraiam-se no desenvolvimento. Praticam a memória. Mnemósine não descansa. Festeja-se a palavra e mostram-se as capacidades.
E Bragança acontece. Em Bragança vai acontecendo. A inquietação e a insatisfação são marcas de água das gentes que não se acomodam e tentam perpetuar talento e saber, desafiando outros que virão na sua esteira.
A realidade inspira-nos. O trabalho, o lazer e a diversão cabem em nós, porque não partilhar com os outros, lembrando tempos vividos?
Júlio  Carvalho que se afirma desconhecido caçador, mas que aprecia a arte de caçar, cidadão de um Portugal de algures, que um dia foi de abalada por terras de Vera Cruz, onde se fez homem e estudou, em Bragança criou raízes. Fez amizades, afinou o verbo e ensinou. Escreveu. Escreveu muito e oralizou mais e um dia ambicionou legar o que fez dele gente: um livro.
A Caça na Literatura Portuguesa, na sua dimensão, que saibamos, é um livro inédito nas nossas letras. Pires Cabral já havia escrito Páginas de caça na Literatura de Trás-os-Montes, outros à caça dedicaram o seu saber, lembremo-nos de A caça na sociedade aristocrática dos séculos XII a XV, de Vera Grilo. Júlio de Carvalho foi mais longe, distanciando-se dos seus prógonos. Servindo-se de 188 obras, de 110 autores, em cerca de 350 páginas de texto, sete de bibliografia e 277 notas de rodapé, numa pesquisa condicionada à sua biblioteca, “convida-nos” a entrar por um acervo com limites a quo e ad quem que vão do lirismo trovadoresco aos nossos dias. Oito séculos de literatura escalpelizados com cuidado, tentando mostrar ao público uma riqueza que ficará para a posteridade.
De modo cauteloso, onde não falta o “tolerante leitor”, como se de Garrett se tratasse, num registo parecido, em tom simples, coloquial e acessivo, utilizando o pronome pessoal na primeira pessoa do singular, estabelece com o leitor uma relação de intimidade e de aproximação que nos convida à integração subtil e despreconceituosa. Com uma ligeira incursão na Pesca. No Rio Baceiro e na Castanha, parece que Trás-os-Montes se aproxima de nós, como se tudo nos pertencesse e entrasse pelo nosso olhar, comungando cheiros, sabores e tudo o que os sentidos absorvem.
À maneira dos compêndios que preencheram épocas em que o estudo da Literatura Portuguesa constituía matéria obrigatória nas nossas escolas, hoje arredada dos estudos, numa época em que os complementos oblíquos(?) ocuparam o lugar dos complementos circunstanciais, o autor lembra a divisão cronológica dos vários períodos da Literatura Portuguesa, matéria pouco interessante nos tempos que passam.
Que importa saber se Almeida Garrett é romântico ou medieval? Basta saber que escreveu Frei Luís de Sousa e já chega, isto antes de se processar a redução das aulas da disciplina de Português e fiquemos reduzidos à leitura dos livros que ocupam os pódios das livrarias, com Cristina Ferreira e Fátima Lopes no comando, com Rúben Rua à ilharga.
O livro é escrito por quem sabe da poda e não esqueceu. Começou de forma exemplar a caça no período galaico-português, com uma cantiga de Pero Meogo, escrita por volta do século XIII, citando os Cancioneiros da Biblioteca Nacional, Colocci- Brancuti, da Vaticana e da Ajuda, entra pela Poética Fragmentária distinguindo Cantigas de Escárnio e Maldizer. De um modo geral, os autores são devidamente identificados através de datas. Para o estudioso da Literatura, na nossa presença, um texto didáctico, como se todos os livros não o fossem, peço de empréstimo a afirmação a José Saramago que, também, é citado em Levantado do Chão e Memorial do Convento.
Um trabalho de pesquisa, de não curta duração. Tarefa de investigador que entre o muito que lhe é proporcionado, tem de encontrar o documento exacto, resultado de muita paciência, dedicação e esforço. Para quem conhece Os Lusíadas, não terá descoberto entre 1102 estrofes, i.e., 8816 versos, a existência de marcas de caça? O autor esteve lá e encontrou. No Canto IX, das estâncias LXIII à LXXV.
Da Fénix Renascida, edição de 1746, adquirida num alfarrabista, do Rio de Janeiro, proporciona-nos cópias, transmitindo mais verdade à informação.
Embora confesse que um trabalho desta natureza “ será sempre incompleto”, esforçadamente, vamos ficando com um retrato dos vários autores que à caça dedicaram algo da sua verve. Chegados a Guerra Junqueiro ( pag. 205) é altura para saber que o autor, em cargo de responsabilidade no Governo do Distrito, degustou o vinho do poeta, néctar que o conduziu à valorização da leitura d’Os Simples, Os Contos para a Infância, a Oração do Pão e a Oração da Luz.
Dos Modernistas, de entre eles, descobrimos na sua desmultiplicação, Bernardo Soares, em O Livro do Desassossego, manifestando-se em vestígios de caça, o mesmo acontecendo em Almada Negreiros.
De Fausto José (1903-1975) que na Presença debitou algo do seu talento, foi buscar Júlio  Carvalho, amostras de caça, em obra publicada pela Câmara Municipal de Amares, onde o presencista foi presidente, “cargo que não apreciava” porque “o enredava em pequenas questões de ordem prática”.
     Miguel Torga, António Botto, Alves Redol e Fernando Namora, são alguns dos muitos escritores citados. Manuel Alegre que à caça dedica muito do seu lazer, mostra a sua versatilidade em Cão como Nós, fechando o leque de escritores; mas se aos conhecidos foi dado o espaço devidamente merecido, antes, um menos conhecido, a despontar na odisseia da escrita: Carlos Campaniço, nascido em 1973, director de Programação do Auditório Municipal de Olhão.
   Impossível terminar sem uma palavra de regozijo e um encómio por um trabalho
produzido para a comunidade, por um agente cultural que, no entusiasmo do seu viver, deu um passo em frente na Literatura de Portugal, neste Nordeste Transmontano.
  Um cívico, ao mesmo tempo um estudioso que um dia percorreu os bancos
da Escola ensinando, e que se obstina no conhecimento, continuando a valorizar o que
vale a pena aprender: caça e livros, num binómio conjugável.
  Lembrar hábitos da nossa gente também é Literatura. E foi Literatura que se construiu em Bragança, em dias e noites em que o clima espreita e nos torna mais solidários. Afinal, o frio também é inspirador.
  A caça aguça o engenho e o desconhecido caçador veio a terreiro e disse: leiam, este livro, é vosso, A caça na Literatura Portuguesa, do lirismo trovadoresco aos nossos dias.

Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico.

Falando de... Gostar de ser Português

Se é verdade que os últimos anos têm sido prósperos em crises, corrupção, escândalos e desvios à legalidade que quotidianamente preenchem as páginas dos periódicos nivelando por baixo os índices de optimismo dos portugueses que, em surdina, praguejam a sua desdita, não vá algum elemento da hierarquia delactar. É certo, também, que a troika trouxe a Portugal um sentimento de portugalidade pouco usual.
Factores outros, também, contribuíram para que se enchesse o peito de ar e mostrássemos ao mundo que afinal ser português não é uma arte, como afirmava Teixeira de Pascoaes, mas algo que nos é intrínseco. Não confundamos com a raça tão apregoada e comemorada em tempos de Salazar, no dez de Junho, cujo feriado não mereceu decapitação no anterior governo.
Portugal, campeão europeu de futebol. Ronaldo, melhor jogador do mundo. Mourinho um dos melhores do planeta. Durão Barroso, na União Europeia e, agora, António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, na unanimidade dos votantes, depois de ter sido Alto Comissário para os Refugiados, vale a pena dizer que pedimos meças a quem nos julgar.
Portugal, país à beira-mar plantado, segundo Tomás Ribeiro, produtor de escritores, de artistas, de Literatura vasta e apetecida, de prémio Nobel que não se esquece, com Saramago a ditar novas regras à escrita, de muitos e variados poetas e prosadores a mostrar à saciedade que a arte da escrita é semente que germina há oito séculos, suscitando olhares curiosos àqueles que do livro e da leitura constroem prazer no mundo da ficção ou da realidade. Camões, Pessoa, Eça e Lobo Antunes, são alguns que à língua portuguesa emprestam o seu talento e se afirmam como baluartes de um país de história ímpar e de fronteiras centenárias.
Língua utilizada por cerca de 261 milhões de falantes, ele é a quinta mais falada a nível global e são muitos os países que reclamam a sua presença. Nas Universidades de Xangai, Oxford e Bogotá, a Literatura Portuguesa não passa ao lado dos interesses dos estudiosos. É possível ler na imprensa que, actualmente, em trinta universidades chinesas o ensino do Português é disciplina requerida pelos estudiosos. E se a Literatura se conformava com o estudo de Camões e de Pessoa, a Cátedra Saramago e a poesia trovadoresca são objecto de estudo para todos os que a Portugal dedicam as suas vontades.
País pequeno, dos mais pequenos da Europa, apresenta na exiguidade da sua superfície, uma diversidade geográfica e gastronómica, digna de adjectivação.
De clima ameno, população simpática e apetecível, é razão de ser para um turismo em crescendo. Este é o nosso Portugal muito amado, solidário quanto baste, respondendo à chamada desde os tempos gloriosos de Aristides de Sousa Mendes, da invasão da Hungria, do êxodo das gentes austríacas, até à recepção dos refugiados, sem esquecer a integração dos ex-repatriados  do Ultramar. Portugal atento ao que vai pelo mundo, está na Grécia a salvar vidas e a dizer sim aos apelos, tal como se desloca para o Chile cooperando nos desastres naturais  provocadores de miséria e indigência.
Neste Portugal, onde o entendimento dos políticos, dificilmente se constrói de palavras, o quotidiano vai evoluindo a muito custo. A paz edifica-se a pulso, viver, porém, não é fácil. A felicidade ganha-se a palmo. As lágrimas, também, nos ajudam a ser melhores. Aprende-se com o insucesso e a falta.
E 2017 abriu com a partida de um homem coberto de encómios. Não agradou a todos. Era lá possível! Mas não nos coibimos de ler algures “Mário Soares foi o civil mais memorável do painel que a história do seu tempo de português conseguiu”.
Pelo sonho vamos, terá afirmado Sebastião da Gama. Ousemos fazer nossa a frase e metamo-nos a caminho, desbravando uns séculos da nossa história, quantas vezes feita de sacrifícios, talento e génio por homens que com a inteligência se mediram ao lado de outros mais possantes e poderosos.
Debruçados a um mar que nem sempre era atractivo, fomos chegando mais além levados por um espírito de cruzada que marcou, afinal, o alargamento do território na Ibéria, confirmado no reinado de D. Afonso III, finalmente rei de Portugal e dos Algarves.
E o mar, além, deixou de ser uma miragem.
Esta é a Pátria que tento conquistar, conquistando-me todos os dias…

Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico.