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Alguns modismos

Alguém disse uma vez que a palavra cão não morde. Podíamos acrescentar que a palavra ébola não é contagiosa, bosta não cheira mal nem suja as solas dos sapatos, pobreza não faz um rico descer de classe, e assim por diante. As palavras referem-se àquilo a que chamamos a realidade. Como alguns aspetos dela evocam sentimentos desagradáveis, ou até penosos, transferimos esses sentimentos para as palavras que os designam, que ganham assim um valor emotivo para além do significado que têm no dicionário. Quando tal acontece podemos evitar pronunciá-las e ouvi-las, mas se isso não for possível reagimos a elas com as mesmas sensações de medo, desprezo, raiva, nojo, que teríamos na presença das próprias coisas.

O contrário também é verdadeiro. Há palavras que nos caem no goto porque de alguma forma se ligam a algo que desejamos ter ou ser. Usá-las pode ainda dar-nos a ilusão de participar ativamente no que está a acontecer à nossa volta, de não perder pitada. Há tempos uma adolescente dizia-me com o ar mais ressentido do mundo que tinha mudado de escola porque sofria “bullying” por parte dos colegas e da diretora de turma. Tadita, mas como poderia ela resistir a um estrangeirismo que não podia estar mais na berra? Por outro lado, sendo a linguagem socialização, usar certas palavras num grupo significa que queremos pertencer-lhe. Lembro-me bem do prazer que os jovens esquerdistas da minha geração experimentávamos entremeando as conversas políticas com “contexto” para aqui, “infraestrutura” para ali, entre milhentas novidades verbais que a revolução tinha trazido. Por essa altura tive um amigo que não conseguia dizer nada sem enfiar “pcebes, ptanto, pá?” na parte final das frases. De uma assentada juntava três bordões que, isolados, todos usávamos à farta por achar que davam um ar prá frentex, aquilo que na altura fazíamos questão de ser.

Os tempos mudaram. Mas continua a ser como forma de afirmar o desejo de ser reconhecida entre os pares e mostrar-se atual que a ganapada de hoje tem necessidade de saltear os discursos com aquele irritante “tipo” (irritante para quem, como eu, já se esqueceu do que dizia). É pela mesma razão que há quem ache proveitos e vantagens coisa ultrapassada, preferindo “mais-valias”, “valor acrescentado”, e se por acaso estes forem o produto de “um novo conceito”, então nem se fala. A propósito de novos conceitos, note-se que agora as notícias se tornam “virais” num piscar de olhos, a mesma rapidez com que “chocam” as pessoas, razão pela qual redes sociais e títulos noticiosos fervilham de gente “revoltada”, para quem “indignação” e “exigência” são sentimentos dominantes. E como nesses suportes informativos também todos “acusam” todos do que calha, pouco se faz também que não seja para “arrasar”.

É nessa mesma linha que quase já não se atribui a um evento, por mais insignificante, classificação inferior a “um espetáculo” e que perceções corriqueiras se obrigam a ser “espetaculares”. Há dias, nos dois segundos que passei num canal de tv falava-se de umas férias “brutais”. Fugi tão depressa quanto o polegar mo permitiu, mas fui-me esbarrar noutro, este de culinária, onde alguém referia o sabor “épico” de um bolo. Nada de estranhar, afinal, se tivermos em conta que o pessoal delira por se entregar a coisas “radicais”. E por falar nisso, haverá coisa mais radical do que uma maria qualquer ter milhares de “seguidores” que tanto lhe podem idolatrar o traseiro a poder de “likes” como atormentá-la porque numa das fotos “postadas” exibiu uma pontinha de celulite?

O que ressalta de muitas destas e outras modernas palermices é a vontade de exagerar sensações e emoções, dar a ideia de que se está em todas e se vive intensamente. O tempo atual já é frenético, assoberbados que estamos por essa fonte de inquietação – os media – que nos induz a ter e a parecer, mais do que a ser. Mas como inda há por aí calma, serenidade e reflexão quanto baste, estados de espírito que desencorajam grandes despesas, para incrementar os negócios torna-se necessário hollyhoodizar a realidade: criar ação e drama, suscitar empolgamento, excitação, ansieda­de, carência. No fundo, sentimentos que levam as pessoas a buscar algo que as preencha e acalme, quer dizer, a consumir mais. Não há crise, o mercado tem sempre um produto à medida de cada necessidade.

O exímio farejador

O notável coleccionador de êxitos literários, numa época de enormes taxas de analfabetismo, que foi o escritor Alexandre Dumas (e de outras asseguravam as boas línguas) autor de os Três Mosqueteiro entre muitos mais geradores de grandes vendas sem recorrer a encómios, muito menos a acepipes laudatórios da Confraria do umbigo, teve arte e engenho para parir um bem fundamentado Dicionário dedicado às artes culinárias e gastronomia recheado de gravuras explicativas e de caricaturas de bom gosto. O romancista se voltasse até nós e visse o modo como aprendizes de feiticeiros concebem dicionários nesta área seria acometido por uma apoplexia fulminante, fulminando-se de imediato.

O autor de Vinte Anos Depois dedicou palavras de enorme apreço, elogiando-lhe uma faceta pouco desenvolvida entre nós, porque o odoroso e custoso produto farejado dado o superior olfacto do reco é pouco conhecido entre nós seja a nível da venda, seja na sua apreciação em volta da mesa, ou no decurso de delicada merenda campestre, certamente, o leitor já entendeu estar a referir-me às cobiçadas trufas, às vezes menorizadas pelos chefes distraídos de restaurantes da moda elogiados a tuba e caixa por críticos especialistas no jargão, falhos no conteúdo do analisado, provado e degustado. O tó (diminutivo de larego adulto) tem a ingrata tarefa de farejar as preciosas trufas e não as chega a apreciar, os caçadores afastam-no até de forma violenta pois a pérola negra é vendida a preços astronómicos aos nababos degustadores.

Os egípcios consideravam o porco animal nojento, se por acaso fossem tocados, mesmo de raspão, corriam a purificar-se, este preceito séculos mais tarde influenciou o famoso médico judeu Moisés Maimónides no sentido de acusar os suínos de hábitos nefandos quando esfaimados, esquecendo outras espécies do mesmo sentido de sobrevivência, se a falta de alimento os atenazar da mesma maneira, caso dos cães.

Os romanos elevaram o benfazejo animal à condição de iguaria das iguarias, preparavam-no de múltiplas formas, uma consistia em assá-los de um lado e cozinhá-los de outro, o grande historiador de «cousas» e modos de comer na Antiguidade, Ateneu, refere um cozinheiro especialista em preparar leitões sem os estripar fazendo-lhe um furo nos pernis, lavando-os cuidadosamente, recheando-os pela boca induzindo-lhe vinhos de alta qualidade, cozinheiros elaboravam recheios à base de figos, papa-figos, ostras e tordos, aspergidos com os melhores vinhos. A profusão de recheios de enorme espavento e custo levou o Senado a aprovar uma lei a proibir o excesso de gastos.

O grande aliado das Mestras cozinheiras de antanho povoa a história da alimentação da Europa, do Oriente Antigo, de África, Ásia e Oceânia, da América a partir das viagens iniciadas pelos portugueses e espanhóis, por isso mesmo os receituários lhe dedicam tantas receitas, no entanto, por cá, sim, em Portugal o afunilamento é quase totalitário, o leitão assado o modo da Bairrada triunfou em toda a linha, mercê de factores que já expliquei minuciosamente em artigos e trabalhos científicos. A Bairrada é a região do País que mais depende economicamente do leitoninho. Porque estamos em vésperas de Feira do Fumeiro mais antiga pós 25 de Abril, a de Vinhais, permito-me trazer à liça a receita de leitão ao modo de Vinhais. Atrevo-me a sugerir o registo da mesma a fim de ser certificada, preservada e promovida na categoria de receita emblemática da Terra Fria com explanação das suas singularidades, antes que um qualquer Lelo licenciado ou não faça o registo na esteira do sucedido há poucos anos com doces flavienses, isto só para citar um roubo de paternidade semelhante.

À Engenheira Carla Alves e à Dra. Alexandrina Fernandes também amigas do sápido Farrôpo peço o favor de apreciarem a sugestão. No próximo dia 8 de Fevereiro espero em Vinhais espero apreciar as representações culturais da entranhas porcinas.

 

PS. Nesta crónica deixei no gavetão da memória os pontos culturais centrados no generoso abastecedor das despensas.

 

São Julião de Palácios recebe prova de abertura Taça de XCM da Associação de Ciclismo de Bragança

Qui, 23/01/2020 - 08:55


Este ano, o calendário de XCM contempla dez provas e tem novidades com destaque para a 1ª edição da Maratona do Butelo e das Casulas, em Bragança, no dia 23 Fevereiro, a Maratona de Sendim (21 de Junho) e o regresso do Open da Vimont a 4 de Outubro na localidade de Vila do Monte, em Macedo de Cav