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Tia Silvina a ‘ministra dos aniversários’

Ter, 02/04/2019 - 10:12


Olá, como estão os leitores da página do Tio João?

Estamos no quarto mês do ano, Abril. Diziam os antigos nos seus provérbios que “em Abril, águas mil”, “Abril molhado, enche o celeiro e farta o gado”, mas atenção, porque “Inverno de Março e seca de Abril, deixam o lavrador a pedir” e “no princípio ou no fim, costuma Abril ser muito ruim”. Este ano estamos a precisar de água para a terra como de pão para a boca.

Trás-os-Montes e Alto Douro em rota de divergência regional. Combate ao despovoamento é uma prioridade

Nas últimas três décadas os fundos da União Europeia contribuíram para a construção de um Portugal mais moderno e atrativo em todas as áreas, fundos que continuam a ser imprescindíveis para apoiar o crescimento da economia e do emprego que se quer qualificado, justamente remunerado e com melhores condições sociais. Portugal tem que assegurar uma rota estável e duradoura de convergência do PIB per capita com a média da União Europeia, concretizar a nível interno objetivos de convergência e de coesão, superar desigualdades sociais e territoriais, alterar a trajetória centralista que asfixia o todo nacional.  

Definir prioridades de investimento que incluam as ajudas da União Europeia para o período de 2021 a 2027 é um exercício que tem que garantir resultados positivos para o país no seu todo, assegurando um maior crescimento das regiões mais pobres. Apesar dos grandes desafios internos como, a tendência demográfica negativa, o elevado grau de endividamento público e privado, a baixa produtividade, conjugados com algumas dificuldades e incertezas no seio da União Europeia e com grandes tendências de escala global como, as alterações climáticas, o crescimento e urbanização da população a nível mundial, as limitações de recursos do planeta para enfrentar esta tendência, tal não significa resignação, sim a obrigação de um pensamento mais estratégico e de longo prazo, para um futuro melhor que beneficie todos os cidadãos.

No presente, lidamos com a memória das realizações passadas, com os desafios do futuro, construímos hoje o futuro que nos compete, devendo fazê-lo sem hipotecar decisões de gerações que nos sucedem, lidando de forma inteligente com os desafios por um futuro melhor, de maior justiça e equidade, de liberdade e de respeito pelas diversas formas de vida no planeta, assumindo formas de estar mais modestas e sustentáveis, amigas do ambiente, em particular nos países desenvolvidos, resposta da humanidade ao principal desafio que enfrenta, o das alterações climáticas.

Na preparação de decisões para a nova arquitetura de operacionalização dos fundos da União Europeia para o período de 2021 a 2027, tendo por referencial as prioridades políticas da União Europeia e de forma objetiva as especificidades do Estado-Membro e das suas regiões e sub-regiões, temos de saber onde e como estamos, referenciar o que tem sido bem feito, o que pretendemos melhorar ou fazer de novo, onde queremos chegar e que caminho percorrer.

 

PIB per capita p.p.p. de

Portugal face à UE28

 

Os fundos da União Europeia devem ajudar Portugal a convergir a nível europeu, a reduzir desigualdades sociais e territoriais, não deixando ninguém para trás, pessoas e territórios, a promover políticas de maior equidade social, mais inclusivas, para isso deve ser feita uma maior aposta na regionalização dos fundos e da sua gestão, na proximidade e no reforço das políticas territoriais integradas, contrariando a tendência de centralização que não tem respondido positivamente a esse desafio, o que se evidencia num breve retrato sobre a evolução do PIB per capita no país e nas regiões.

O PIB per capita em Portugal no período de 1995 a 2000 subiu 4 pontos percentuais face à média da União Europeia (valor 100). No ano de 2000 estava a 83,5 pontos percentuais da média e no ano de 2017 estava a 76,6 pontos ou seja, em rota de divergência, enquanto alguns países menos desenvolvidos de leste, com taxas de crescimento económico mais elevadas registaram um percurso de convergência. Portugal no ano de 2017 ocupava a 19.ª posição, resultado do crescimento distinto das sete regiões NUT III em que se organiza e que não tem sido o suficiente para assegurar a convergência necessária inter-regiões e para o crescimento global da economia do país. 

De entre as sete regiões do país, no ano de 2017, só a Área Metropolitana de Lisboa com 131 pontos e o Algarve com 108,3 pontos estão acima da média nacional, as restantes cinco regiões tem evoluído pouco, mantendo-se a Região Norte como a de mais baixo rendimento per capita, com variação de 80,3 pontos percentuais no ano de 2000, para 84,6 pontos no ano de 2017, o que corresponde ao crescimento médio anual de 0,25 pontos percentuais, valor residual que se torna mais insignificante face ao menor contributo da Área Metropolitana de Lisboa para o calculo da média.

 

PIB per capita das NUT III face a Portugal (PT=100)

 

Ainda assim, a diferença entre a Área Metropolitana de Lisboa e a Região Norte é de 46,4 pontos, uma diferença incompreensível, apesar de a Região Norte representar face ao país uma realidade muito relevante de: 31% da população; 23% da área; 29% do PIB; 41% das exportações, tendo no período entre 2012 e 2017 contribuído com 54,2% para o crescimento das exportações; ter uma forte expressão no Sistema Cientifico, Tecnológico e de Interface.

A desigualdade regional que se observa no país tem retrato similar na região do Norte, a mais pobre de Portugal e uma das mais pobres de entre as 274 regiões europeias. A diferença que encontramos entre as regiões do país ao nível do PIB per capita repete-se entre as sub-regiões NUT III do Norte, apesar de uma ligeira convergência, resultado da diminuição de 9,4 pontos da Área Metropolitana do Porto e do crescimento das sete regiões NUT III correspondentes às Comunidades Intermunicipais, crescimento que em territórios com economia mais forte como o AVE e o Cávado ocorre essencialmente via crescimento real da atividade económica, o mesmo não ocorrendo no Interior, onde parte muito significativa do crescimento do PIB per capita é feito à custa da perda de população, um contributo que reflete uma realidade negativa, sendo de cerca de 50% e mais, no Douro, no Alto Tâmega e em Terras de Trás-os-Montes. A NUT III Tâmega e Sousa continua a ter o menor rendimento per capita, cresceu 6,3 pontos entre o ano de 2000 a 2017, está a 73,9 da média regional, valor que convertido para a média da União Europeia é de 47,89 pontos percentuais, tendo esta NUT III atividade industrial significativa e população mais jovem, o que lhe deverá assegurar poder continuar a trajetória de convergência regional.

No Norte podemos identificar duas grandes realidades que estão a marcar a sua evolução, a faixa litoral norte onde se concentra a atividade industrial, os serviços, os centros de conhecimento e de inovação, a economia e a população. Por outro, a faixa interior norte, território com predominância de atividades agrícolas e florestais, de elevado valor natural e patrimonial, reconhecido pelas áreas classificadas, algumas reconhecidas pela UNESCO, teve nas acessibilidades um dos principais problemas, agora praticamente resolvido, tem vindo a consolidar o Ensino Superior e Centros de Investigação e de Interface, está a sofrer com o despovoamento, o envelhecimento populacional e o abandono rural.

 

PIB per capita das NUT III face ao Norte

 

No período pós crise, as NUT III da região norte estão a recuperar, em rota de convergência regional, sendo exceção as NUT III de Terras de Trás-os-Montes que no ano de 2011 estava na 2.ª posição abaixo da Área Metropolitana do Porto, passando para a 5.ª posição no ano de 2017, também o Douro e do Alto Tâmega estão em rota de divergência. Estas três NUT III correspondem a 58,71% do território da região norte, estão em rota de divergência com a média da região, com taxas de crescimento económico baixas, próximas de zero ou negativas. Esta tendência não surpreende se considerarmos a situação de isolamento e de abandono de décadas a que o Interior Norte foi votado, tendo como consequência a emigração intensa ao longo das últimas décadas, hoje traduzida pela situação dramática de despovoamento que já atinge todos os concelhos, com todas as consequências negativas que isso representa, nos serviços, na presença do estado no território, em particular naquilo que é decisivo, na fragilização da economia, na redução do emprego e na baixa produtividade. 

Impõem-se algumas medidas de rotura na política nacional visando reverter aquilo que mais acentua a fratura que divide o país em dois. Os fundos para a coesão atribuídos pela União Europeia a Portugal são essenciais para ajudar em algumas das medidas, designadamente no combate ao despovoamento do Interior, importa por isso, que se façam algumas mudanças na perspetiva do próximo Quadro Financeiro Plurianual, mas também na atual fase de operacionalização do Portugal 2020 pós reprogramação, analisando e tirando conclusões da forma como tem estado a ser feita a territorialização dos fundos da União Europeia, em concreto no apoio às empresas, no sentido de se fazerem alguns ajustamentos ainda possíveis.

A Região Norte absorve 40,1% dos fundos já aprovados no Portugal 2020, capta 42% dos incentivos aprovados no apoio às empresas, distribuídos 6% pelo território de baixa densidade; 33% pelos territórios fora da baixa densidade e 3% em projetos multiregião ou não aplicável. Os territórios de baixa densidade da Região Norte incluem 53 concelho e algumas freguesias de 8 concelhos. Representam 79% da área da Região (16 833 Km2) e 21,6% da população (794 797 habitantes). Ou seja, cerca de 85% do incentivo às empresas concentra-se nos territórios fora da baixa densidade que representa 21,0% do território.

Se fizermos essa análise para o Programa Regional do Norte, envolvendo a totalidade dos Eixos e Prioridades de Investimento, constatamos que com o investimento público se consegue assegurar maior equidade territorial beneficiando a baixa densidade e que, apesar de no sistema de incentivos se terem lançado avisos e dotações especificas para a baixa densidade, isso não chega para o que é necessário fazer. Ponderado o Investimento público e o investimento privado a distribuição é de 35% na baixa densidade e de 65% fora da baixa densidade, se for considerado só o investimento público, a baixa densidade é contemplada com 42% e fora da baixa densidade com 58%.

Constata-se pois, que o essencial do problema está no apoio ao investimento privado, está na falta de medidas especificas públicas de apoio à atividade económica e ao emprego nos territórios economicamente mais débeis, no apoio às empresas aí instaladas, também na falta de apoios específicos diferenciados para captação de investimento para esses territórios e em parte na falta de investimento público em infraestruturas necessário a coesão e à competitividade, não incluídas na versão atual do Plano Nacional de Investimentos 2030.

A este respeito refere-se a título de exemplo, investimentos no setor dos transportes e mobilidade como: a finalização de ligações fronteiriças como o IP2 e o IC5 para desencravar o Nordeste Transmontano; vias estruturantes como o IC 26 e o IC35, para desencravar concelhos no Douro e Tâmega e Sousa; expansão da rede ferroviária para o Interior Norte e ligação à rede espanhola; investimentos na rede secundária aeroportuária regional, nomeadamente Bragança e Vila Real; investimentos para enfrentar os efeitos de secas extremas que afetam a agricultura, contemplando um plano de pequenas barragens e de regadios eficazmente estruturados para servir a viabilidade e sustentabilidade das explorações agrícolas e florestais.

Em síntese, cada Sub-Região NUT III deveria à partida poder contratualizar um envelope financeiro indicativo, negociado ao nível da Região (incluído verbas do PO Regional e dos Programas Temáticos), para execução de projetos estruturantes para a economia, para o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas bem definidas, especificas e alinhadas pelas prioridades regionais e sub-regionais. 

No que respeita às ajudas comunitárias, são necessárias medidas de alteração da programação dos fundos, adotando orientações de apoio ao investimento público e privado, em particular no âmbito do sistema de incentivos às empresas, coordenadas com políticas nacionais que apostem no Interior, na captação e apoio ao investimento privado e no emprego jovem e qualificado. Assumir querer mudar é apostar no futuro do país, reduzir assimetrias, concretizar de forma mais inteligente as ajudas da União Europeia para a coesão territorial, para a convergência inter-regional e com a média da União Europeia.

No âmbito do sistema de incentivos às empresas, para o Interior deveria a título indicativo ser atribuído pelo menos um terço da totalidade dos apoios previstos. O apoio não reembolsável deveria ser aumentado em pelo menos 20%, face ao regime geral, para as empresas com atividade no Interior, existentes, a criar ou a captar, estruturado em dois patamares, um 1.º dirigido à inovação e à competitividade, em regime aberto e mais competitivo e um 2.º nível de acesso mais simplificado, de apoio ao micro empreendedorismo e às pequenas empresas em concursos dirigidos às empresas de territórios específicos, abrangendo todos os projetos alinhados com a estratégia de cada uma das NUT III, puxando pelo potencial de recursos de cada um dos territórios, alguns tão pobres, mas tão vastos, tão ricos e diversos, com recursos únicos, para além serem a interface com Espanha, o nosso principal parceiro económico.

Concordar em teoria ser necessário inverter o ciclo intenso de despovoamento do Interior e de abandono do território não chega, é preciso agir com políticas coerentes e de longo prazo. Assumir querer mudar é apostar no futuro do país, reduzir assimetrias, concretizar de forma mais inteligente as ajudas da União Europeia dirigidas à competitividade e à coesão do território, beneficiando o todo nacional.

Se até ao momento o Estado centralista não nos tem conduzido por esse caminho, é tempo de arriscar a criação das Regiões Administrativas, para com legitimidade política assumirem a Estratégia Regional e o seu Plano de Ação, assim como a responsabilidade pelos resultados que serão escrutinados pelos cidadãos em eleições diretas.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Diogo Rodrigues Henriques (Lisboa, 1636 – Lisboa, 1683)

Quando foi preso pela inquisição, em 1672,(1) juntamente com o pai e o irmão Francisco, Diogo Henriques era já o administrador principal das empresas do grupo Mogadouro. Tinha 36 anos e mantinha-se solteiro, estando o seu casamento ajustado com uma filha de Gabriel Medina, seu primo direito, que em Livorno tinha uma das maiores casas comerciais. Trabalhando em rede familiar de negócios, eram proprietários da nau “Jerusalém” que regularmente assegurava as transações comerciais entre Lisboa, Livorno e Tunes, no Norte de África, onde tinham um forte entreposto comercial. Aliás, uma das acusações feitas aos Mogadouro era de serem passadores de cristãos-novos para Itália onde se faziam judeus. Impossível aqui descrever o inventário de seus bens, que ele fez ao longo de 13 sessões, o que bem revela a sua complexidade. Diremos tão só que na altura tinha barcos (alguns fretados por ele no estrangeiro)(2) carregando e descarregando mercadorias em portos da Índia, Brasil, Angola, Inglaterra, Holanda e Itália.

Acrescentamos que a Fazenda Real lhe devia quase 2 contos de réis respeitantes a 5 356 arrobas de biscoito (pão recozido) fornecido para os barcos da “carreira da Índia” e muitos mais contos dos géneros fornecidos para alimentação dos cavalos e dos militares estacionados em Trás-os-Montes dos anos de 1663/4 e 1666/8, para não falar de quantidade de rendas e assentos de Cascais, Setúbal, Aldeia Galega, Bragança e outras terras. Em garantia de tais pagamentos estavam-lhe consignadas as décimas de Setúbal e Almada, que montavam a 32 contos de réis.

Refira-se ainda que muita gente da nobreza de Portugal se encontrava “empenhada” na Casa Mogadouro, nomeadamente o marquês de Távora que ali devia 8 contos de réis! A própria inquisição dele se servia nas ligações com o tribunal de Goa e pagamento aos funcionários e ao próprio inquisidor/arcebispo das Índias. A título de exemplo, diremos que acabava de ser contratado o transporte de um grupo de frades dominicanos para apoio daquele tribunal e que importaria um custo de 300 mil réis. “Largas contas”, tinha também com o arcebispo de Lisboa que lhe estava devendo uns 800 mil réis e para oferecer ao mesmo tinha encomendado a feitura de um anel a um ourives estrangeiro que era o que trabalhava para a rainha.

A defesa de Diogo, como, aliás, a do pai e do irmão, começou por ser feita fora do tribunal, com a entrega de uma petição assinada pelos seus primos António e Diogo Rodrigues Marques e pelo seu irmão Pantaleão Rodrigues, na qual se identificavam e tentava desacreditar prováveis denunciantes seus “inimigos capitais”. Estes eram, naturalmente, homens e mulheres de ricas famílias de mercadores cristãos-novos que então foram presos. É que o golpe desferido pela inquisição não visou apenas os Mogadouro mas também outras empresas igualmente importantes: os Penso, Pestana, Chaves, Pessoa, Bravo, Lopes Franco, Gomes Henriques… e eles se relacionavam com Mogadouro, inclusivamente no que respeita a comportamentos religiosos, nomeadamente na Quinta do Conde de Salzedas, onde aquele tinha fábrica de preparação do tabaco.

Por seu turno, ele negava todas as acusações e confessava-se cristão exemplar, dizendo que, depois do “abominável caso de Odivelas”, quando ninguém queria aceitar o cargo de mordomo da confraria do Sacramento da mesma igreja, foi ele que se aprontou e a fez reerguer e para isso comprou muitos paramentos e fez várias obras, com dinheiro do seu bolso. Para além disso, era membro de várias confrarias de outras freguesias, como era o caso de N.ª Sr.ª da Conceição, N.ª Sr.ª das Mercês, S. Sacramento da Trindade, Sr.ª da Guia, Sr.ª da Atalaia, S. João Batista da igreja de S. Domingos, Sr.ª da Penha de França, S. Catarina do Monte Sinai e da confraria do convento de Santo Eloy.

E era “tanta a sua devoção ao SS. Sacramento” que nas festas do Corpo de Deus, mandava armar um altar na Rua dos Escudeiros e outro na Rua da Pichelaria, onde a própria procissão parava. E, na rua, na parede da casa de sua morada, mandou fazer um nicho, com a imagem do Senhor crucificado.

Imagine-se: na festa de S. Pedro Mártir, que era o patrono da inquisição, ele emprestava “muita prata” para bem decorarem a igreja de S. Domingos! E no último auto-de-fé, antes da sua prisão, emprestou ornatos de prata ao familiar do santo ofício Dr. João de Azevedo da Silveira”. Não imaginava que a mesma igreja seria o palco da sentença que o condenaria à morte.

Em prova de seu comportamento de cristão exemplar, apresentou testemunhas do maior crédito, a começar pelos arcebispos de Lisboa e Goa, pároco da sua freguesia, quantidade de padres e frades, gente da maior nobreza, muitos familiares do santo ofício e até solicitadores da inquisição.

Entretanto, as culpas de Diogo Mogadouro foram acrescentadas com a denúncia de um “crime” de maior gravidade: o de corromper o alcaide dos cárceres da inquisição, Agostinho Nunes. Vamos explicar:

Entre os muitos mercadores retalhistas que abasteciam as suas lojas nos armazéns Mogadouro, contava-se uma Juliana Pereira, que tinha relações muito estreitas com o alcaide. E os Mogadouro, servindo-se de ofertas para ela e para a família do alcaide, conseguiram abrir uma via de contacto com Juliana e Agostinho(3) a levar e trazer correspondência de Diogo Mogadouro para o primo António Marques, que pertencia a uma comissão de cristãos-novos que então estava negociando com a santa sé de Roma um perdão geral e a reforma dos estatutos da inquisição.

A piorar o seu caso aconteceu que seus irmãos, Francisco, Pantaleão e Beatriz, igualmente presos, confessaram que tinham judaizado e denunciaram também o Diogo. E este, que sempre se manteve negativo, inclusivamente no caso de Juliana e Agostinho, tomaria então consciência de que se arriscava a ser queimado e decidiu fazer-se doido, começando a gritar injúrias e blasfémias de todo o género, as mais hediondas, em termos de religiosidade cristã.

De nada adiantou. Os inquisidores juntaram depoimentos dos guardas e atestados médicos, dizendo que tudo era fingido, que ele estava “esperto e bem vivo”.

A luta diplomática em Roma(4) entre os representantes dos cristãos-novos e da inquisição, com a prisão dos Mogadouro e a elite da burguesia lisboeta ganhava intensidade e, em 1676, o papa suspendeu o funcionamento da inquisição, o que implicou também a paragem do processo de Diogo Mogadouro. Seria retomado em 1681, acabando condenado à pena máxima. Foi queimado na fogueira do auto da fé de 6.8.1683.

O processo de Diogo Rodrigues Henriques foi considerado por alguns como um ato de vingança dos inquisidores que estavam “irritados contra a casa de António Rodrigues Mogadouro que foi a principal parte no negócio do Recurso” estranhando-se que os inquisidores dissessem “abertamente que a dita casa era a sinagoga de todo o reino”.(5)

 

Notas:

1 - Inq. Lisboa, pº 11262, de Diogo Rodrigues Henriques.

2 - Entre os barcos fretados pelos Mogadouro podemos citar uma nau holandesa denominada “Tigre Dourado”, de que era mestre Agostinho Valente e o navio inglês “Rainha D. Catarina” dirigido pelo piloto João Martins. Dos portugueses, para além da nau “Jerusalém”, de que eram proprietários, podemos citar a nau “Loreto” e o patacho “N.ª Sr.ª dos Remédios”. Para além da nau “Jerusalém” a nau “Loreto” e uma “charrua” dirigida pelo mestre Domingos Pires Carvalho, que estava carregando na Baía, eram propriedade dos Mogadouro.

3 - Inq. Lisboa, pº 5416, de Agostinho Nunes; pº 7668, de Juliana Pereira.

4 - Um documento que testemunha a participação dos Mogadouro nessa “luta” encontra-se no ANTT, Armário Jesuítico, segunda caixa, n.º 87 e tem o título: — Reparos que fez um sujeito bem-intencionado por ocasião do auto-da-fé que se celebrou em Lisboa, em 10 de maio de 1682. O 19.º desses Reparos diz o seguinte: — Em que o Sumo Pontífice deixasse julgar as casas e pessoas tocantes aos procuradores deste negócio pelos inquisidores novamente restituídos; e como estes estavam irritados contra a casa de António Rodrigues Mogadouro que foi a principal parte no negócio do Recurso, por todos os caminhos parece a quiseram destruir, infamando dois filhos de profitentes, aceitando-lhe confissões indignas e sugeridas, para convencer o pai e irmão mais velho, retendo estes na prisão sem saber-se com que direito depois de 10 anos e usando para os fazer confessar, ou desesperar, de horrendas troças, dolos e sugestões e ainda chegando a insinuar deles coisas indignas, como que estão ou hão-de ser profitentes e dizendo abertamente que a dita casa era a sinagoga de todo o reino. E que se ouça isto da boca dos mesmos que hão-de julgar as vidas, as honras e as fazendas desta casa?

5 - Idem.

Blá, blá, blá... Blá, blá, blá, blá blá

Os CTT lançaram recentemente, nos meios de comunicação social, um anúncio a promover o seu Banco, onde o ator Albano Jerónimo aparece à frente de uma procissão de seguidores que, quando este refere a resposta que teve de outros bancos, lhe cantam “Blá, blá, blá...” com a música do grande sucesso de Joe Dassin, L’été Indien. Curiosa esta associação com o enorme sucesso dos anos setenta do século passado e que tantas recordações traz, estou certo, a muitos da minha geração. Embalado pela música, não pude deixar de lembrar igualmente da letra “et je me souviens, je me souvien três bien, de ce que je t’ai dit, ce matin-lá, Il y a un an, y a un siècle, y a une éternité. On ira, où tu voudras, quand tu voudras”, tão romântica, tão adequada (e útil) ao sentimentalismo juvenil de então mas, convenhamos, igualmente apropriada para apelar à ligação emocional com os CTT.

Mas...

Com os CTT que, verdadeiramente, ainda há um ano, há um século, desde sempre, nos levava, precisamente, onde queríamos, quando queríamos. Com os CTT-Correios e não com o Banco CTT que, embrulhado na velha imagem do cavaleiro branco em fundo vermelho, nos querem agora impingir, como uma entidade íntegra, preocupada, disponível e prestável, empenhada no bem-estar de todos e de cada um, sem “blá, blá, blá”. O Banco claro...

E os Correios? A manutenção dos níveis de serviço, o apoio às populações, sobretudo as mais isoladas e carentes, as mais necessitadas e que mais prejuízo sofrem com a descarada, óbvia e despudorada redução e supressão de valências, não passa, essa sim, de blá, blá, blá. Como acreditar pois numa entidade que jura ser diferente, para melhor, na prestação de serviços onde concorre com outros e cujo sucesso passa pela capacidade de o fazer em melhores condições, sem qualquer respaldo legal, quando falha redondamente na atividade que pratica em regime de monopólio e com obrigação contratual de manter, com níveis de qualidade aceitáveis.

Ora, acontece que a Administração dos CTT, avisadamente, veio esclarecer, recentemente que a empresa cumpre, como faz desde 2007, o Indicador Global de Qualidade de Serviço tendo, inclusive, segundo a PWC, melhorado no ano de 2018. Precisamente quando a sanha de encerramentos se manteve e nos atingiu dolorosamente. Um dos indicadores de análise é o tamanho das filas. Ora aí está! Nas últimas vezes que me dirigi a um posto dos Correios, o número de utentes à espera no posto continua a ser considerável mas... no balcão reservado ao atendimento bancário... nem um! Como os Indicadores são analisados pela média...

E esse é o problema e, logicamente, a explicação. O nível médio de serviço é assegurado pela atividade bancária e, talvez, concedo, por eventuais melhorias no funcionamento dos postos no litoral. Trocando por miúdos: os CTT podem manter e melhorar o nível de atendimento e ainda assim, continuar a encerrar postos de atendimento no interior, desde que, numa loja qualquer de Lisboa ou Porto, acrescentem mais um guichet que diminua as filas e lhes permita, assim, atrair mais potenciais clientes... para o Banco, claro!

O contrato de concessão vai ser reanalisado brevemente. Se não for denunciado, se não houver a renacionalização, o mínimo que é exigível, ao Governo, é que imponha um Indicador Global de Qualidade de Serviço, menos global, menos genérico, mas, pelo contrário, muito mais específico e detalhado. Para acabar de vez com o blá, blá, blá...

 

Transmontano vota em Trás-os-Montes!

Com a constituição e ascensão da Geringonça ao poder, que tudo leva a crer se irá manter, a democracia portuguesa transfigurou-se no protótipo duma autocracia socialista, dissimulada, pervertida e, até ver, divertida.

O governo da Nação é agora dominado por uma oligarquia de famílias e compinchas, pretensa elite do partido dominante. Já nem é sequer o cartão partidário que conta mas o laço de sangue e a amizade comprometida. Igualmente sintomático é terem definitivamente congelado todas as reformas tendentes a corrigir os vícios maiores do Regime.

Entretanto, com a conivência dos partidos satélites e os delíquios epilépticos da oposição, a corrupção continua a minar a Administração Pública, a Justiça é uma bomba que ameaça implodir a democracia, a economia faz que anda mas não anda, os serviços públicos, com excepção do Fisco, andam ao deus-dará, as assimetrias regionais continuam a agravar-se e, maior de todas as desgraças, a raça portuguesa caminha inexoravelmente para a extinção.

Perigos que ameaçam a democracia mais do que os movimentos populistas genuínos que tardam a aparecer para resgate do Regime tido por patriótico, liberal e representativo. Liberal será, em demasia até, patriótico está mais que visto que o não é e representativo nunca o foi verdadeiramente.

Senão, veja-se o caso da lei eleitoral vigente que estabelece para Trás-os-Montes dois círculos eleitorais a saber: Vila Real que com cerca de 230 000 eleitores elege 5 deputados (2,17%) e Bragança que com cerca de 150 000 elege apenas 3 (1,30 %), enquanto Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Aveiro, por si sós, elegem mais de metade dos 230 que a Assembleia comporta.

Dizem os mais reacionários que Salazar não precisou de deputados para dotar o Interior de escolas, hospitais e fontanários. Contrapõem os situacionistas que Trás-os-Montes não tem representantes porque não tem eleitores. Certo é que todos os dias se dá pela sua falta.

Os transmontanos não são milhões mas são gente. E não são assim tão poucos quanto a actual lei eleitoral considera. Não se compreende, por isso, que a Região continue a não ter o peso político que democraticamente lhe compete.

Reformem a lei, promovam o pleno recenseamento e o voto dos transmontanos emigrados directamente nas freguesias de origem, recorrendo às novas tecnologias, claro está, e verão que o panorama muda de figura.

À falta de melhores dados, Barroso da Fonte refere que em 1984, só no grande Porto residiam cerca de 500 000 transmontanos. Acrescente-se outro tanto, no mínimo, para a grande Lisboa e muitos mais para a Europa e o Resto do Mundo (que alienígena círculo eleitoral é este?!), realçando que se trata de portugueses que continuam interessados no progresso da sua terra e, quiçá, no seu regresso.

Se assim for, os círculos eleitorais de Vila Real e de Bragança aumentarão largamente os seus eleitores e, com os deputados redistribuídos tendo em conta esta nova realidade, Trás-os-Montes ganhará mais substancial peso político, Portugal tornar-se-á mais coeso e o Regime mais representativo.

Transmontano vota em Trás-os-Montes!

 

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.