Ajudar os que cuidam a cuidar

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Ter, 30/11/2021 - 10:18


Um grupo de profissionais de saúde está a levar cuidados, em várias áreas, aos idosos do concelho de Alfândega da Fé

A Equipa de Atenção Biopsicossocial à Pessoa Idosa abrange as valências de enfermagem, assistência social, psicologia, nutrição, sociologia e psicomotrição. O grupo de técnicos desloca-se diariamente ao domicílio dos idosos para lhes prestar apoio, naquilo que é previamente identificado como prioritário. Segundo justificou a coordenadora e psicomotricista da equipa, Telma Figueiredo, tudo isto nasceu fruto de o concelho ser “extremamente envelhecido” e porque “há pessoas que não querem colocar os idosos no lar”, sendo que “com ajuda torna-se mais fácil tratá-los e tê-los em casa”. Esta é assim uma forma de apoiar os idosos e de ajudar a cuidar quem cuida, não só no trabalho que se tem com o idoso, como no próprio cuidado que devem ter consigo. “Uma pessoas que está 24 horas por dia a tomar conta de outra pessoa não tem uma vida fácil.”, assinalou Telma Figueiredo, que considera que não é visitando estas pessoas, uma vez por semana, que se fazem “milagres”, mas a verdade é que o trabalho tem sido profícuo. A equipa já está em funcionamento desde Maio e foi criada pela câmara municipal, contando com várias parcerias, nomeadamente com o centro de saúde, lares de idosos, centros de dia, juntas de freguesias e várias outras instituições locais. Até agora, a equipa já prestou apoio a 26 idosos. Seis já tiveram alta, “uns porque recuperaram e não precisam mais, outros porque foram institucionalizados”. Qualquer pessoa que tenha 65 ou mais anos e resida no concelho, há pelo menos dois, pode ser beneficiadora da visita desta equipa. Há vários requisitos que ditam que a pessoa seja aceite, mas qualquer uma se pode candidatar. “Depois da sinalização é feita uma avaliação. Caso o idoso seja aceite é feita uma outra avaliação para se perceber em que áreas é preciso intervir, estabelecendo-se um plano de intervenção, em que também se designa a frequência das visitas”, vincou a coordenadora. Volvidos três meses da prestação de cuidados, e depois, passados outros seis, é feita uma reavaliação para ver se houve melhoria ou não e se, por isso, continuam a receber apoio. Apesar de estar no terreno há meio ano, a equipa foi apenas apresentada na semana passada. Aproveitou-se o primeiro encontro de cuidadores informais para o fazer. Uma iniciativa que a equipa vai também começar a promover todos os meses, para cuidar de quem cuida. Para já, não se sabe ao certo quantos cuidadores informais há no concelho, mas, segundo Telma Figueiredo, para este primeiro encontro foram identificados e contactados 60. “Penso que agora poderão aparecer mais”, esclareceu a coordenadora, que avançou ainda que muitos deles não possuem estatuto de cuidador informal porque o “desconhecem”.

22 anos de cuidados

Elvira Realista tem 70 anos e cuida do marido. É de Sendim da Serra e há 22 anos que a vida lhe trocou as voltas. O marido, aos 55 anos, teve um AVC e, “a partir daí, tudo mudou”. Na altura, ficou com o lado esquerdo completamente paralisado. “Tinha que lhe dar banho, vesti-lo e calçá-lo. Sentava-o à mesa, mas ele comia pela mão dele. Agora já não é assim”, contou a mulher que, à época, aos 48 anos adiou a vida tida por normal, deixando o café e o mini-mercado que dirigia, em prol do marido. Há cerca de 12 anos as coisas foram piorando. O marido de Elvira começou a ficar demente e, “neste momento, não conhece ninguém”. Com o marido acamado, além do apoio da equipa recém-apresentada, Elvira Realista conta ainda com a visita diária de duas profissionais do Centro Social e Paroquial de Picões, que a ajudam a levantar o marido logo de manhã. Amor é a palavra chave para este sacrifício pessoal em prol dos outros, mas não chega. Como diz o povo, é preciso ter quem deite a mão. E mãos que não faltem porque há aqui toda uma ginástica que é preciso fazer. Depois da visita das duas profissionais do centro, Elvira conta com a filha, que almoça todos os dias em casa dos pais. Ajuda-a a pô-lo novamente na cama. Já à noite é a vez do filho ajudar, nomeadamente na muda da fralda. Para que tudo isto seja possível, envelhecer em casa já não tendo forma de tratar de si mesmo, a vida de algumas pessoas torna-se complicada. “Não há palavras. Eu olho para ele e lembro-me do que ele era e naquilo que se transformou. É complicado ver as expressões de desgaste, olhar para ele e ver que não é aquilo que era”, contou Elvira Realista, que, além da vida, também teve que transformar a casa para que o marido não terminasse os dias num lar, nomeadamente comprar-lhe uma cama adapatada, com um colchão anti escaras, assim como fazer alterações na própria casa de banho, para que este também a pudesse usar. “Tenho muito amor e muito carinho por ele. É o pai dos meus filhos e tenho que o tratar o melhor possível”. É esta a grande motivação de Elvira Realista. No fim de contas, o que fica é sempre o amor.

“Vi que eles precisavam e não hesitei”

Judite Camelo, de 60 anos, também é um dos exemplos de altruísmo e de sacrifício. Deixou a vida em França, onde estava emigrada, para vir tomar conta dos pais para Alfândega da Fé. O pai tem 91 anos, é diabético e hipertenso, precisa que lhe administrem a insulina de manhã, que lhe dêem os comprimidos ao meio dia e que lhe meçam os diabetes à noite. Já a mãe, de 82 anos, não consegue fazer absolutamente nada, perdeu a noção de tudo. Desde vestir, a calçar, dar banho e de comer, precisa de tudo, como se de um bebé de colo se tratasse. Além do amor, parece que, muitas vezes, é preciso ter como que cursos de medicina, de enfermagem, de nutrição e de uma série de outras coisas. Mas não. Claro que as noções de algumas coisas que não dominamos são necessárias quando se tem a vida de alguém nas mãos, mas o instinto, o carinho e a necessidade guiam quem cuida. “Eu via que a minha mãe era muito dinâmica e quando os meus dois irmãos mais novos morreram ela começou drasticamente a ir-se abaixo, a mudar. Na altura, o meu pai também começou a ficar doente. Eu ainda não estou reformada mas vi que eles precisavam de mim e não hesitei”, contou Judite Camelo, que também conta com o apoio da equipa de Alfândega da Fé. A mulher, que se assume como cozinheira, enfermeira, médica, amiga e filha, toma conta dos pais há três anos mas ficou e fica muito para trás. “Eu esqueci-me de mim. Vivo para eles. O meu marido pergunta-me, muitas vezes, pela Judite que conheceu e diz-me que também precisa de atenção, que lhe faça o pequeno almoço como faço ao meu pai. Eu só lhe digo que o faça ele que já é grande. Mas lá está, perdemos o foco no resto”, disse Judite Camelo.

Viver em casa, com qualidade

Jorge Falé também deixou a vida noutro sítio para voltar a Alfândega. Voltou para a terra há quatro anos, altura em que se reformou. A mãe já não conseguia tomar conta da tia e veio em seu auxilio. Hoje em dia é o cuidador da tia, de 97 anos. A mãe, entretanto, já morreu. “Tenho uma empregada das 8h30 às 17h30 mas a partir dessa hora e ao fim-de-semana tenho que estar com ela, não posso deixá- -la”, contou Jorge Falé, que, habitualmente, serve o jantar à idosa, faz-lhe companhia e deita-a. A tia de Jorge Falé não anda mas não está acamada. Institucionalizá-la está fora de questão, até porque “tem uma cabeça espectacular”. “A minha tia quer acabar a vida em casa, de uma forma digna. Não quer dizer que as instituições os tratem mal, mas está provado que em casa conseguem viver mais tempo e com mais qualidade” assumiu o sobrinho da idosa, que vincou que, apesar do amor aos seus e do sacrifício, tudo isto lhe rouba tempo para outras coisas.

 

Jornalista: 
Carina Alves