Circo Arena traz o único animal selvagem ainda em palco a Bragança

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Qua, 03/11/2021 - 18:07


Por Bragança diz um “ditado” que se o circo vier a Bragança é chuva na certa.

Parece que os brigantinos nunca gostaram tanto que chovesse. É verdade, o circo está cá. Estamos mesmo a voltar ao normal. De miúdos a graúdos, foram vários os que, na sexta- -feira, não quiseram perder logo a primeira noite de espectáculo. Voltar é bom, todos os espectadores pareciam concordar, mas regressamos a uma questão já anterior à pandemia, que muitos colocaram: onde estão os animais?

Brigantinos lamentam retirada dos animais de pista

O Circo Arena, criado há nove anos por Susana Torralvo e pelo marido esteve de portas abertas no fim-de-semana prolongado, em Bragança, no Campo do 30, e terá também espectáculos na sexta, sábado e domingo. Não faltam os números de malabarismo, contorcionismo e ilusionismo. Não faltam os palhaços e os personagens animados para fazer as delícias dos mais pequenos. O Circo Arena, marcado pelo tradicionalismo, tem de tudo, até mesmo um animal selvagem. Corria o ano de 2009 quando o Governo decidiu proibir os circos de adquirir mais animais e de deixar reproduzir os que já tinham em posse. Com o tempo, a lei veio pôr um fim à exibição dos animais no circo, até porque os que existiam àquela época foram envelhecendo e, por isso, já quase nenhum têm condição de subir a palco. Apesar da lei nos ter trazido até à quase extinção dos animais no circo, em 2019 reforçou-se ainda mais a questão. O Governo determinou que os animais selvagens tinham mesmo que ser banidos dos espectáculos, podendo continuar a ser usados num período transitório de seis anos. O tigre branco do Circo Arena é o único em pista em Portugal. Já não há animais selvagens a actuar. Há quem os tenha, sim, mas deixou de os exibir, lá está, pela velhice dos bichos. O animal, provindo de uma reserva natural espanhola, que já não existe, foi adquirido por Susana Torralvo em 2009, quando a lei foi publicada. À época, o tigre tinha apenas dois meses de vida. Por isso, com apenas 12 anos, ainda está capaz de integrar o espectáculo do Arena. Contudo, a par de cães, que jogam futebol, é o único que ali figura. Por estes dias surgiram várias críticas, sobretudo nas redes sociais. Alguns brigantinos mostraram-se incrédulos por aquele circo, em pleno 2021, ainda exibir um animal selvagem. Os que foram ao espectáculo assumiram uma posição completamente distinta e até pediam mais. Maria Rodrigues, que “nunca” falta ao circo, porque “é um pedaço que se passa bem passado”, diz que é atraída pelos animais e pelos palhaços. Quanto à lei “sendo bem tratados, fazem muita falta”. Considerando que, “muitas das pessoas que vinham já não vêm por causa de não os haver”, considera que “tudo isto faz com que a alma do circo acabe, um bocado, por se perder”. Da mesma opinião é Ricardo Dias. Veio pelo filho e diz que gosta de ver os animais, aquilo que fazem e como os ensinam. “A lei é exagerada. Os animais são uma verdadeira mais-valia para os circos”, assumiu. Também Paulo Alves vê isto com pouco agrado. “O circo sem animais não é nada”, disse.

“O tigre é da família”

O tigre branco, neste momento, sobe a palco uns escassos segundos. Integra um truque de ilusionismo muito breve e não sai sequer da jaula. Foi comprado, três anos antes de surgir o Arena, porque os donos, Márcio e Susana, não poderiam continuar a fazer o que faziam. Eram trapezistas mas a falta de visão e a idade determinou o fim dessa carreira. Assim, tendo que se reinventar, adquiriram o animal para poder seguir outro caminho no circo. Criado a biberão por Susana Torralvo, o tigre acabará por deixar de fazer parte do circo, mas é apenas no palco. “Não vou entregar o meu animal. É como se fosse família. Além disso, não conhece a espécie, portanto, se for para um parque, não conhecendo os outros tigres, acaba por lutar com eles e será vencido porque é o elo mais fraco. Pode mesmo morrer”, esclareceu a proprietária do Arena. Este circo, onde trabalham três famílias, pode ficar com o tigre em sua posse, contudo, quando o prazo findar, não poderá ter mais lucros financeiros com a sua exibição. A lei assim o determina e Susana Torralvo assume, obviamente, descontentamento. “Portugal vai muito atrás dos outros países. A Alemanha, que foi dos primeiros a lançar esta lei, já esta a voltar atrás”, vincou, dizendo ainda que muito se vai sentindo o lamento do público, que pergunta “sempre” pelos animais. Apesar dos lamentos, não há muito a fazer. Nem mesmo na questão dos apoios. Segundo contou a dona do circo, foi aprovada, já no ano passado, uma verba de mais de 300 mil euros, para dar aos domadores de animais selvagens. Com isto, previa-se ajudá-los a seguir outro caminho, dentro das artes circenses, já que se iriam ver sem os “companheiros” de trabalho. “Até agora não nos chegou um cêntimo. Foi tudo uma treta”, esclareceu. Susana Torralvo, que comanda a apresentação do espectáculo, diz ainda não compreender o que se teve por base para a criação tanto de uma como de outra lei, até porque, em cada localidade que passam, o veterinário municipal é obrigado a visitar os animais, controlando as condições em que vivem. Tendo todo o poder e legitimidade para proibir o espectáculo que algum animal integre, caso entenda que não vive nas condições exigidas, não houve, até hoje, segundo garantiu, qualquer veterinário que lhe proibisse uma actuação. “Nunca me proibiram a mim nem a nenhum dos meus colegas. Portanto, maus-tratos não há e eles verificam mesmo tudo”, esclareceu a dona do Arena, que assumiu ainda que é preciso “gostar” a sério de um animal destes porque, mesmo que haja lucro, dá trabalho. “O tigre tem que ter um veterinário específico, que o saiba mesmo tratar. Se um dos cães ficar doente qualquer veterinário o pode tratar, mas o tigre não. Além disso, também temos muito cuidado com o que lhe damos de comer. Só come frango. Nem sequer carne vermelha avista, muito menos de porco”, vincou ainda a apresentadora do Arena.

“No circo respiramos”

A vida de Susana Torralvo e da família é de terra em terra. Nunca estão muito mais do que duas semanas no mesmo sítio. Muito se perde, é verdade, mas mais se ganha. “Estivemos parados 18 meses. Tínhamos muita vontade de trabalhar e vemos que as pessoas também tinham vontade de nos ver porque se nota que aproveitam cada bocadinho desta hora e 45 minutos de espectáculo. A pandemia só nos fez ver que éramos felizes e não sabíamos. Além das dificuldades e burocracias que temos, que são muitas, isto é a melhor coisa do mundo. O circo é a nossa vida, aqui respiramos”, assumiu. Susana Torralvo é mãe de três filhos. Jonátas Freitas é um dos dois rapazes. O filho do meio fez 15 anos na estreia em Bragança. À semelhança da irmã de 6 anos, que anda no segundo ano do ensino básico, frequenta a escola itinerante. A partir do quinto ano as crianças podem estudar via online, mas Susana acredita que é preciso irem convivendo com outros jovens.

Vida de estrada permite conhecer um sem fim de coisas

Jónatas Freitas nasceu e cresceu no circo. Faz questão de estudar na escola itinerante como forma de “aprender mais e melhor”. Apesar de prever fazer vida pelo circo, os estudos são fundamentais porque “nunca se sabe quando pode acontecer alguma coisa, como aconteceu agora, com a Covid-19, e precisemos arranjar outro trabalho”, esclareceu o jovem. Por agora, o Palhaço Salsicha, que na pandemia aperfeiçoou truques de malabarismo para agora oferecer ao público, a par de um número onde põe 12 pratos a girar sob uns ferros bem estreitinhos, não acredita que esteja a perder alguma coisa ao não ter assento fixo. “Conheço novos locais a toda a hora, conheço o país. Tenho uma vida muito preenchida, conheço muitas realidades. Conheço também muitos amigos. Acabo por perder contacto com eles, mas é apenas fisicamente”, assinalou ainda o jovem.

A arte de fazer arte desde sempre

Sandy Maccabi, de 19 anos, é uma verdadeira promessa para o contorcionismo em Portugal. Tendo nascido no circo, à semelhança dos familiares, como bem manda a tradição, começou logo em miúda a mostrar que queria integrar o espectáculo. “Isto é maravilhoso. Não me imagino a fazer outra coisa. Gosto muito do circo, sempre gostei. Quando era mais pequena subia a palco para fazer apenas algumas pequenas actuações”, começou por contar a jovem. No que toca ao contorcionismo, começou apenas com seis a treinar. Aos dez “já trabalhava”. “Isto é muito exigente, é preciso muito treino. Demorou para aprender porque é preciso ter muita flexibilidade nas costas e, claro, treinar muito”, vincou Sandy Maccabi. Tal como o primo, Jónatas Freitas, a contorcionista não se imagina com outra vida e, assumindo que sim, que muito se perde, há um sem fim de vida que se ganha. “Estou sempre a viajar, a conhecer sítios e pessoas novas. Claro que, por um lado, é triste, porque aqueles amigos que temos na nossa terra natal vemo-los poucas vezes”, terminou Sandy, que, tal como o resto dos profissionais daquele circo, também lamenta a lei que um dia acabará por retirar o tigre branco do espectáculo.

Jornalista: 
Carina Alves