Falta de medicamentos leva doentes a falharem tratamentos

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Ter, 22/11/2022 - 15:52


Farmácias de Bragança reportam falta de medicamentos para a tensão, depressão, colesterol e até antibióticos, mas o maior problema está na falta de insulina

A falta de medicamentos está a tornar-se um grave problema para os doentes que não podem prescindir de determinados fármacos para ter qualidade de vida. É o caso de Fátima Afonso. Tem 52 anos e problemas na tiróide o que, por consequência, lhe trouxe a diabetes. Foi diagnosticada em Janeiro. O Ozempic, um medicamento que lhe controla os açúcares, é a sua salvação, não fosse exactamente este um dos fármacos que mais falta no mercado. A guerra na Ucrânia está a ter impacto na produção e comercialização de medicamentos, não só pela falta de substâncias, como também de alumínio e papel para a criação das embalagens. Nunca se viu numa situação destas. Toma medicamentos há muitos anos e esta é a primeira vez que vê a sua qualidade de vida a ser posta em causa devido à falta de Ozempic. “Tenho hipotiroidismo e tenho que tomar um comprimido a vida toda e nunca houve falta. Tomo o da tensão para aí há 15 anos e nunca houve falta. Esses medicamentos há sempre, mas Ozempic não. Como é que se chega a uma altura que deixam esgotar uma medicamento que faz tanta falta a tanta gente”, afirmou. Esteve um mês sem conseguir tomar o medicamento, porque não há à venda. E já lhe faz “muita falta”, até porque os sintomas vieram logo atona. “Senti muita vontade de comer doces, senti muita sede, um cansaço extremo principalmente ao final do dia, algumas tonturas e via mal”, contou. A necessidade fê-la recorrer a conhecidos de outras partes do país para saber se era possível arranjar o medicamento, mas nada feito. “Tenho uma amiga que é farmacêutica no Porto, ela deu- me logo a informação de que não havia. Dentro do Porto, tentei também em Matosinhos, tenho uma prima que mora lá e também não conseguiu. Tentei também em Lisboa”, disse. Foi obrigada a voltar a pedir uma consulta para que o Ozempic fosse substituído por outro medicamento. Há uma semana que o está a tomar, mas isso não significa que o bem-estar tenha voltado. “Tomar o medicamento substituto é quase o mesmo que se não tomasse nada”, referiu, mostrando- -se bastante preocupada com a situação, porque não acredita que se resolva tão cedo. O maior défice está nas insulinas e arranjar um fármaco substituto não é fácil. Mas também estão a faltar medicamentos para a tensão, colesterol, depressão e até antibióticos. Nestes casos ainda há alternativa. “Também já começamos a sentir falta de antibióticos, foi a falta maior desta semana, que para já não é o que mais preocupa, porque temos os genéricos e conseguimos colmatar essa situação”, explicou Micaela Pires, directora técnica da farmácia Nova Central, em Bragança. Outro dos produtos a esgotar foi também o xarope Brufen. “As farmácias estão atravessar um período muito difícil em que há muita falta de medicamentos”, afirmou, acrescentando que recebem chamadas de pessoas que estão no “Porto, Coimbra e Lisboa”, porque “há aquele sentimento de como estamos no interior e são meios mais pequenos, que ainda pode haver em stock, mas não há”. As farmácias estão a receber os medicamentos de forma rateada por parte dos armazenistas, para que mais estabelecimentos possam receber. “Ozempic chega-me uma ou duas caixas, cada uma com três dosagens, por semana ou de 15 em 15 dias”, contou Micaela Pires. E na farmácia Nova Central há 30 pessoas à espera deste medicamento. Além de Fátima Afonso, também Fernando Gomes faz parte da lista. Tem 56 anos e diabetes há 8. Toma o comprimido uma vez por semana e já só tem mais um. Quer isto dizer que para a semana a situação fica preocupante. “Já só tenho para a próxima semana, depois vou morrer, porque este medicamento é muito bom, faz- -me muito bem, quando o tomo sinto uma diferença tremenda”, frisou. Esta é uma situação que o preocupa “bastante”, porque já sabe que quando voltar à farmácia para comprar o medicamento, a resposta não é a que quer ouvir. “A diabetes é uma doença muito complicada, se não tomar o Ozempic tenho uma sede constante, um cansaço, os níveis da diabetes sobem e depois não tenho como os controlar”, contou, salientando que este é um “medicamento milagreiro” e que com ele vive “muito melhor”. Há pessoas que estão mesmo a falhar os tratamentos, porque as farmácias não conseguem responder às suas necessidades. Acontece na farmácia Cantarias, em Bragança, onde a ruptura de stock também é um problema. “Temos tido muita dificuldade. Há utentes que não estão a levar a quantidade que pretendem para casa e a há utentes que no dia em que têm que fazer a toma, não a estão a fazer, porque não o conseguimos satisfazer para aquele dia”, referiu a directora técnica, Juliana Silva. A falta de insulinas no mercado está relacionada com o facto de estar a ser usada noutras situações, que não o controlo da diabetes, como por exemplo emagrecer. “A Ozempic que é uma excelente alternativa para os diabéticos, tornou-se eficaz em termos de perda de peso e houve algumas situações em que foi utilizado e depois ficamos com os diabéticos limitados ao seu acesso, quando ele está a ser utilizado para esses fins”, apontou Juliana Silva. E perante este cenário, as farmácias são também obrigadas a racionar os fármacos. “Aquilo que fazemos é ratear uma caixa por utente para que todos possam ficar satisfeitos”, explicou a directora técnica da farmácia Cantarias. O Inderal é outro dos medicamentos que está a faltar no mercado e possivelmente só chegará em Março do próximo ano. Para já, o Infarmed “autorizou um lote estrangeiro do Propanolol 10mg, que é o Inderal 10”, mas do Inderal 40 “não há mesmo produção”. E com Espanha já aqui ao lado, há mesmo quem esteja a ir ao país vizinho comprar este medicamento utilizado para o controlo dos batimentos cardíacos, em casos de hipertensão arterial. “O que nós sabemos, de acordo com os utentes, é que os médicos estão a dizer aos doentes para irem a Espanha, porque existe a dosagem de 40 mg”, adiantou Eugénia Batista, directora técnica da farmácia Bem-Saúde, também em Bragança. Neste estabelecimento ainda tem sido possível “arranjar stock semanalmente”, embora não esteja a ser uma tarefa fácil. “Aqui conseguimos ter stock para garantir as necessidades dos utentes, não na quantidade que gostariam, mas para que não falhe ou interrompe os medicamentos”, disse Eugénica Batista, admitindo que é preciso “um controlo muito apertado” e uma “gestão rigorosa”. As farmácias do distrito são das que mais se queixam da falta de medicamentos para doenças crónicas.

Jornalista: 
Ângela Pais