Idosos de Miranda do Douro combatem a solidão limpando o lixo das aldeias

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Ter, 30/01/2024 - 10:33


A Universidade Sénior de Miranda do Douro levou os alunos para a rua para ensinar mais sobre sustentabilidade ambiental e ao mesmo tempo põe os idosos a conviver

O grande fantasma que assombra estes territórios marcados pelo envelhecimento e pela falta de gente, a solidão, está a ser combatido, em Miranda do Douro, de uma forma peculiar: apanhando lixo. Sim, é a recolher resíduos abandonados e perdidos pelo chão que mais de 30 idosos da Universidade Sénior de Miranda do Douro estão a dizer não ao isolamento. “Un Lhugar Más Asseado, Ua Bezinança Más Sustentable” é o nome do projecto que nasceu nas aulas de Andreia Barbosa, professora voluntária da universidade, que leciona temas ligados à sustentabilidade. Numa primeira fase estudou-se a teoria e, depois, alunos e professora decidiram que deveriam ir para a rua. Assim, todos os meses, até Junho, os idosos estão a percorrer várias localidades, para apanhar resíduos, promover a limpeza nas aldeias, partilhar noções de reciclagem e, ao mesmo tempo, estimular o convívio, visitar e revisitar o mundo rural, reencontrar os amigos que por lá têm ou até mesmo conhecer gente.

Boas práticas não têm idade

Ilda Delgado, de 74 anos, é aluna da universidade sénior há vários anos, quase desde que esta abriu portas, em 2013. A necessidade de ver gente, de conviver, tornou-a participante. A idosa, que costuma ir quase todos os dias, se estiver por Miranda, claro, decidiu participar nestas actividades para se sentir útil. “Às vezes vejo na televisão este tipo de coisas e começo a pensar em porquê não o fazer também. Ainda bem que o pudemos fazer porque é uma maneira de andar, de conviver e de limpar”, esclareceu Ilda Delgado, a quem esta actividade lhe parece “muito bem”. Joaquim Almeida também não podia estar mais agradado com esta nova actividade que a universidade sénior propôs aos alunos. “Parece-me muito bem. Estou a adorar esta iniciativa”, começou por dizer o aluno de 80 anos. “É muito lindo ver tudo limpo. Conheço todas as aldeias, daqui até Bragança, e estou a gostar de fazer este trabalho porque poder, depois, vê-las limpas é bom”, rematou ainda Joaquim Almeida, que é um dos mais recentes alunos da universidade, sendo que se inscreveu porque o filho o incentivou. A ideia de Joaquim Almeida, que até tem hortas, mas não tem a “autorização” da mulher para ir lá dar umas voltinhas, já que esta tem receio que tenha um acidente com o tractor, era distrair-se. Por isso, o idoso procurou esta instituição. “Venho-me entreter com a malta. Vou à piscina, que foi um autêntico milagre para as minhas artroses, vou para o campo da bola, vou para onde me mandam. Em casa estamos só a olhar para a televisão e a dar cabo dos sofás, assim distraio-me aqui um bocadinho”, contou Joaquim almeida. Fernando Delgado, de 79 anos, também é aluno da universidade sénior. Tanto ele como a mulher já o foram, noutros tempos, durante um ano, e agora voltam, a ser. “Voltámos por tudo, pelo convívio, para nos distrairmos e para irmos aprendendo uns com os outros. Os dois, sozinhos, em casa… custa a passar o tempo e aqui não”, referiu o idoso. Quanto a esta nova actividade… bem, sobre isso não tem dúvidas. “É muito importante. A limpeza das aldeias é muito essencial e poder passar esta mensagem é bom. Há resíduos por todo o lado e, assim sendo, estas actividades são muito boas”, referiu, sublinhando que, ao mesmo tempo, “isto é divertido” pois é possível “conviver”.

Transmitir aos vindouros

Andreia Barbosa, professora das aulas de boas práticas de sustentabilidade no Planalto Mirandês, acreditou que “era preciso sensibilizar os alunos”, no sentido que eles reconheçam muitas das práticas que já fazem naturalmente, como sustentáveis, que as “valorizem”, e assim consigam “transmitir esse conhecimento às gerações vindouras”. “Eles são pais e avós e têm esse grande papel pedagógico de, através do exemplo, conseguir transformar um bocadinho o mundo em que vivemos”, referiu a professora que, no ano passado, começou com actividades em sala, a explicar os fundamentos da sustentabilidade, a ambiental, social e económica. Depois da teoria veio a prática. “Achei que era preciso trazê-los ao terreno. Não podia dissociar a parte ambiental da social. E o que eu queria era que esta actividade tivesse um impacto positivo nestas pessoas que estão a ajudar a aldeia a ficar mais limpa, que tivessem mais consciência ao deitar o lixo fora e, ao mesmo tempo, que visitassem as suas aldeias, as aldeias dos amigos, convivessem com as pessoas, combatessem, desta forma pequenina mas grande, o isolamento”, assinalou ainda Andreia Barbosa. Este projecto conta com o apoio da Resíduos do Nordeste, que oferece aos alunos o material necessário para a recolha de lixo, luvas, sacos e pinças. No final do projecto, há uma visita ao Cachão, no concelho de Mirandela, onde se instala a Resíduos do Nordeste, para “desmistificar estas empresas que trabalham para nós”. “Os mitos urbanos existem e há quem pense ‘porque é que eu vou fazer reciclagem se depois eles juntam tudo?’. Isto é um problema. Se isso não é desmistificado as pessoas não colaboram e têm de sentir é uma necessidade e têm de ter cuidado”, esclareceu ainda a professora.

Lixo transformado em arte

No final, também em parceria com o Museu da Terra de Miranda, os alunos vão criar peças de arte com o lixo. Segundo Pedro Almeida, do espaço museológico, o museu vai ajudar na construção plástica, na parte da reutilização. “Os alunos vão fazer a recolha e depois o museu entra na parte da montagem e execução, para construir algo de novo com aquilo que for recolhido”, disse, assinalando que “a arte, como algo abrangente, é fundamental” e, neste caso, o que vai acontecer é “descoberta” e perceber-se a “criatividade” de cada um dos idosos, para os quais a reciclagem não é algo tão desconhecido como para os mais novos pois são pessoas que estão mais habituadas a dar uso a tudo e a pouca coisa deitar fora.

Envelhecimento activo

A Universidade Sénior de Miranda do Douro tem 94 alunos. São idosos essencialmente da cidade, mas também os há de algumas aldeias e até de Vimioso. A universidade funciona todos os dias e têm várias actividades, hidroginástica, aquabike, marcha e corrida, boccia, walking football, actividades de sustentabilidade, informática, arqueologia, saúde, instrumentos musicais, jogos tradicionais e agricultura. Sandrine Araújo, coordenadora da instituição não tem dúvidas de que “o isolamento pode levar a depressões” e, por isso, o que se tenta é quebrar isso. “Também dizemos não ao isolamento através de saídas e de convívios sem estarem ligados às disciplinas, como o Magusto, ceia de Natal, visita a Podence no Carnaval, visitas a Bragança, a Zamora, a uma série de lugares”, contou a coordenadora, que disse que em Maio vão acolher o 7º encontro de universidades séniores do distrito. A iniciativa da universidade é da câmara municipal, assim como o apoio logístico à instituição, muito dele, é dado pelo município, o que enche de “orgulho” a presidente. “Em torno da universidade há muitas actividades e ela de sénior só tem o nome porque parece que estas pessoas têm pilhas. Tornou-se numa referência a nível do Nordeste Transmontano”, assinalou Helena Barril, presidente da câmara, que disse ainda que só é pena que estas iniciativas não se possam replicar porque o ideal era que cada aldeia tivesse a sua universidade.

Jornalista: 
Carina Alves