José Fernandes fecha ciclo de comandante dos Bombeiros de Bragança e apresenta candidatura à presidência da Associação Humanitária

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Ter, 16/11/2021 - 12:10


Depois de ter deixado o cargo de comandante dos Bombeiros Voluntários de Bragança, no passado dia 11 de Novembro, José Fernandes falou ao Jornal Nordeste sobre a sua experiência ao longo de quase 18 anos no comando. Com 63 anos e natural de Alfaião, no concelho de Bragança, anunciou candidatar-se a presidente da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Bragança

Foi o encerramento de um ciclo. Entrou para o comando dos Bombeiros em 2004. Como surgiu esta oportunidade?

Esta oportunidade surgiu no seguimento de umas conversas que tive com ex-presidente de câmara, Jorge Nunes, e com o então presidente desta associação, Francisco Alves. Lançaram-me o desafio se eu estaria disponível para vir comandar os Bombeiros de Bragança. Houve uma requisição ao exército que foi aceite e o exército colocou-me cá em 2004 e até hoje.

Foi um desafio que aceitou logo?

Eu tinha uma certeza, estava motivado, e uma dúvida, não sabia se teria capacidades para desempenhar a função e cumprir a missão correctamente e se saberia ou não ir ao encontro das expectativas, que tanto como o presidente da câmara e o presidente da direcção tinham em mim.

E que surpresas lhe trouxe este cargo?

Desde logo, os militares são soldados da guerra e aqui nós somos soldados da paz. Essa é a diferença e ainda há uma outra, no exército fazemos as guerras no papel, aqui não, é na realidade, lidamos com a vida e a morte nas mãos.

Foram quase 18 anos à frente da corporação… O que o fez ficar tanto tempo?

A família bombeiro entende exactamente as minhas palavras: quando se é bombeiro, nunca mais se deixa de o ser. Eu vou ser bombeiro até ao fim da minha vida. Deixei de ser comandante dos bombeiros, mas nunca deixarei de ser bombeiro.

Mas foi uma decisão difícil deixar o comando?

Não. A vida tem ciclos e nós devemos dar oportunidade a outras pessoas, que têm outras ideias e eu sempre pensei que haveria de chegar o tempo em que eu tomaria essa decisão e o tempo chegou. Tenho um sentimento de dever cumprido, porque esta casa está muito bem organizada, tem meios materiais excelentes, os necessários, claro que é sempre preciso ir actualizado, mas o que me orgulha mais é o capital humano que tem esta associação. Tem pessoas extraordinárias, que dão o melhor de si em prol dos outros. Foi essa a razão que me fez tomar esta decisão, eu saber e ter a certeza que as pessoas que me vão substituir estão mais capacitadas para continuar o bom trabalho que foi feito com a ajuda de todos.

E quando chegou que desafios encontrou?

Tentei perceber como eram as pessoas e havia uma grande expectativa delas para ver quem eu era, como era, a minha farda era diferente da deles e eu achava que isso iria causar alguma perturbação, mas não, eles aceitaram e penso que, algumas vezes, tinham vaidade em o comandante ter uma farda diferente da deles, mas eles sabem que a única diferença era só na cor da farda, porque no pensamento, na atitude, no contacto eu era mais um deles.

E ao longo destes 18 anos o que é que mais o marcou?

Há muitas marcas que levarei comigo. Há situações que são difíceis, nós lidamos com a morte muito de perto. Bombeiro é, se calhar, a profissão que mais tempo acompanha as pessoas. Nós acompanhamos as pessoas nos melhores momentos das suas vidas e nos piores momentos, ou seja, quantos nos nascem nas mãos e infelizmente também nos morrem nas mãos. Eu não me recordo de outra profissão que tenha proximidade com as pessoas como nós. Claro que há situações que me marcaram. Recordo a que mais me marcou. Nós nunca perguntamos quem é, apenas perguntamos onde é, para chegar com rapidez, com eficiência e segurança. Há uns anos, infelizmente, a desgraça também me tocou à porta. Fomos accionados para a minha aldeia, para um acidente de tractor, era óbvio que eu não sabia quem era, sabia que iria conhecer a pessoa, mas isso não me impediu de eu ir e fui. Quando cheguei ainda bem que não me deixaram chegar próximo do acidente, porque era um tio meu, que tinha falecido.

E como é que o comandante, que está à frente de uma equipa, consegue lidar com essa fragilidade?

Os bombeiros são muito fortes e eu nunca actuei só e eu nem era a pessoa que tecnicamente executava as manobras, tenho é que ter pessoas que o façam, ou seja, eu ali era um gestor, a pessoa que dava a cara e estava na retaguarda. Nós temos um grupo que tem 23 anos e são os mesmos, são oito homens que actuam em grupo há 23 anos. E temos ainda outro grupo de cinco elementos que são os mesmos há 13 anos. Ou seja, nesta casa as coisas estão muito bem estruturadas, as pessoas são muito unidas e não há fissuras. Será este o segredo? Não sei, mas seguramente que isto é bom para toda a gente, quando uma equipa trabalha em conjunto há 23 anos, de dia e de noite, tem que haver um grande profissionalismo, um grande amor à causa e uma estrutura humana muito acima da média.

E que papel tem o comandante na gestão dessas equipas?

O comandante aqui tem que ser o cimento que une esta enorme e importantíssima massa humana que aqui está. Eu nem digo estabelecer pontos, porque aqui as pontes são feitas, o comandante tem que ser uma pessoa que une, que ajuda, que dá uma palavrinha. Tivemos momentos aqui que não foram mar de rosas, mas conseguimos ultrapassar todas as dificuldades. Esta casa tem 131 anos, passou por aqui muita gente, que deu o melhor de si, desde os fundadores àqueles que deram a vida por esta casa, que foi o senhor Hamilton, que era um motorista nosso que faleceu num acidente de viação e, muito recentemente, o chefe Neto que também faleceu num acidente de viação, a transportar doentes, ou seja, a trabalhar em prol da comunidade. A população do concelho de Bragança sabe que tem um socorro do melhor que há, com uma qualidade muito acima da média e eu sei que as pessoas confiam nos bombeiros e sabem que estão na linha da frente e são dos melhores do país.

É uma família?

É. Às vezes podem andar à zaragata, mas a seguir já estão aos abraços. Isso faz parte da evolução e da mente humana e da sociedade.

Enquanto foi comandante, que faltas é que notou que havia? Humanas ou materiais…

Está a passar-se uma fase que é transversal à sociedade. Nós formamos jovens, ainda agora está uma escola de 20 e muitos voluntários, mas infelizmente os jovens não se fixam cá. Não há oferta de emprego e, com muita mágoa nossa, depois de os formar, vemo-los partir. Porque é o futuro deles, mas alguns ficam. A natalidade é baixa, não há pessoas e depois as poucas que nascem não têm perspectivas de futuro cá. As pessoas não ficam cá e esse é um dos problemas que nós temos. Porque temos gente que quer ser bombeira, que vem para aqui, está cá, veste a camisola, são excelentes profissionais/voluntários, e esse é um dos desafios que nós temos, tentar fixar as pessoas.

Deixou agora o comando e quem o substituirá, até ser nomeado um novo comandante, será Carlos Martins, segundo comandante. Acredita que ficará em boas mãos?

Não tenho a menor dúvida, o segundo comandante Carlos Martins é tecnicamente das melhores e maiores pessoas que eu já conheci. O Carlos Martins nasceu nos bombeiros, a família dele é quase toda bombeira. Eu não tenho a menor dúvida de que o Carlos Martins está mais do que preparado para me substituir e esta casa vai ter um excelente comandante. Será depois a futura direcção que o irá nomear, mas não tenho dúvidas que a escolha recairá nele.

E quais são os desafios que se seguem? Não vai deixar definitivamente os bombeiros?

Não. Como eu disse no início, quando se é bombeiro, é-se bombeiro até ao fim e posso adiantar que esta direcção que está em funções quis e lançou-me o desafio para eu candidatar, nas próximas eleições que vão ser realizadas no dia 17 de Dezembro. Mais uma vez, não quis, porque acho que não devia, virar costas a esta casa, porque esta casa deu-me muito. Serei candidato a presidente da direcção com uma equipa fantástica, de pessoas que estão aqui para servir os bombeiros. Todas elas inseridas na sociedade, com muito sucesso. São pessoas que já deram provas, gostam da sua terra e estão aqui para servir os bombeiros e as pessoas. É isso que a direcção se vai propor fazer. São pessoas de sucesso na sua vida profissional, nas diversas áreas, desde as finanças, ao notariado, a empresas, à saúde. Sinceramente sinto-me preparado. Ao longo destes 18 anos, fui ganhando alguma experiência e sei exactamente as necessidades do corpo activo e as necessidades de uma direcção.

Fecha-se um ciclo e abre-se outro?

Deixa-se um ciclo e há a tentativa de abrir outro. Nós vamo-nos apresentar democraticamente às eleições, pode haver mais listas, mas isto é a democracia a funcionar. Vamos dizer às pessoas o porquê de nos candidatarmos, qual é o nosso projecto, qual é o nosso objectivo, haverá certamente uma continuidade, uma evolução. Temos dois objectivos, servir bem os nossos utentes, com qualidade, com segurança, e olhar também para estas pessoas que aqui estão, os assalariados e os voluntários, e proporcionar-lhes condições de trabalho dignas e fornecer todos os recursos materiais que possa haver no mercado para eles serem empregues para as pessoas. Nos 18 anos que aqui estive a minha missão era apetrechar-me com recursos materiais e depois geri-los e pô-los ao serviço das pessoas, porque isto não é meu, não é nosso, isto é de todos e o que aqui está é para servir as pessoas, foi sempre o meu lema. Tudo o que aqui temos não nos pertence, pertence à sociedade, temos que o pôr ao serviço da sociedade, das instituições.

Caso seja eleito, há alguma coisa que queira mudar? Há alguma medida que quer tomar?

Nós queremos sobretudo pôr o quartel mais funcional. Por exemplo, há uma coisa que seguramente vamos ter que fazer é tirar a cobertura de amianto que temos aqui, com apoios ou sem apoios. E depois há sempre aquela área que é preciso renovar. Nós fazemos, em média, oito mil quilómetros por dia, portanto consome-se muito material, consome-se viaturas, consome-se gasóleo, e as viaturas têm que ser substituídas.

Jornalista: 
Ângela Pais