Mães de hoje com menos filhos mas com o mesmo amor para dar

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Ter, 04/05/2021 - 10:05


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, ou pelo menos, as prioridades

Numa sociedade em que se anda “a mil à hora”, em que se vive para o trabalho ou para atingir a carreira profissional desejada, por vezes, ter filhos fica para mais tarde. Mas antes não era assim. Ser mãe era a principal função da mulher e ter muitos filhos era o habitual. Fernanda Pires é natural de uma aldeia do concelho de Bragança e este ano já conta 84 primaveras. A vida presenteou-a com 12 filhos, mas dois deles morreram ainda em bebés. Casou aos 23 anos e um mês depois ficou logo grávida. “Queria ser mãe, mas não era de tantos”, contou sentada à mesa da cozinha da casa da filha mais nova, onde mora agora. A resposta ao porquê de ter tido tantos filhos é óbvia: a falta de métodos contraceptivos e o desconhecimento que se tinha naquela época, há cerca de 60 anos. Para além de dona de casa trabalhava no campo e disse nunca ter ficado “parada em casa”. “Levávamos os filhos. A mais velha levava-a comigo. Íamos cegar o cereal, porque não havia as malhadeiras, e levava-a. Fazia dois ou três molhos para fazer sobra e lá a deitávamos e depois íamos vendo se não vinha algum bicho que a mordesse. Tinha que estar sempre atenta”. E assim fazia, porque também não tinha a quem deixar os filhos. Mas as diferenças entre estes tempos e os de agora, não ficam por aqui. Desde as fraldas descartáveis, que não existiam, à liberdade que se dava, que em nada se compara aos dias de hoje. “Não havia fraldas eram só uns panais que fazíamos de bocados de roupa que já não usávamos. Dava mais trabalho. Depois mais tarde havia as fraldas de pano, mas não são como as de agora”, realçou. À medida que os filhos mais velhos iam crescendo, também eles ganhavam responsabilidades, não só em casa e no campo, mas também a cuidar dos irmãos mais pequenos. Enquanto Fernanda Pires trabalhava, era a filha mais velha que se ocupava dos mais novos. “Quanta roupa a mais velha lavou naqueles poços. Não tínhamos água em casa, era água corrente que corria dos ribeiros e a mais velha é que se encarregava de lavar a roupa deles e depois eu vinha para casa e fazia a comida”, lembrou. Naquele tempo também a alimentação era diferente. Vivia-se do que a terra dava e da criação de gado. Hoje em dia, há supermercados em cada esquina e são poucos os que têm tempo para a agricultura. Mas, Fernanda e o marido tinham vacas e compraram uma turina para que pudessem alimentar os filhos. “De manhã cada um tomava a sua malga de leite e iam contentes. Criei-os sempre sem fome. Os meus filhos nunca tinham fome. Fazia queijo do leite e eles gostavam muito do queijo da vaca. Um pedaço de pão, um pedaço de queijo e a malga do leite e rodavam contentes”, disse, rindo-se. A liberdade também era outra. Nas aldeias, as crianças cresciam na rua e iam sozinhos para a escola. Fernanda Pires nunca os levou à escola, mas contou que de casa conseguia vê-los entrar no estabelecimento de ensino. Também não havia o medo e o receio de que acontecesse alguma coisa, mas com o seu neto já não pensa da mesma forma. Acompanha de perto o crescimento de um dos 15 netos, visto que mora com a filha mais nova, já na cidade de Bragança. E assiste também à evolução da sociedade e à forma como hoje em dia se cuidam dos filhos. Se antes se ia a pé e sem os pais para a escola, agora já não é assim. O sue neto é levado todos os dias à escola, porque há o receio de que no caminho aconteça alguma coisa, até porque já não vivem na aldeia. Enquanto falava de como era criar um filho no seu tempo, também reconheceu que ser mãe actualmente é “melhor” e “diferente”. “O carinho dos pais para os meninos já é outro, porque não têm dificuldades. Têm tudo”, afirmou, destacando que “a vida de antes foi muito dura, muito escrava”. Mas agora, com mais de 80 anos de vida, 10 filhos, 15 netos e uma bisneta, a preocupação mantém-se. A “mãe galinha”, como era chamada naquele tempo pelas pessoas da aldeia, continua a fazer proveito ao nome. “Estou sempre preocupada, mesmo com esta idade estou sempre preocupada”. Nos dias de hoje, uma mulher ter mais de cinco filhos já é um feito. Em 2019, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, cada mulher, em idade fértil, tem em média 1,42 filhos. Em 1960, a média era de 3,2 filhos. Elisabete Trigo é um dos exemplos de mulheres que têm apenas um filho. Nasceu numa família grande com mais 8 irmãos, mas as “circunstâncias da vida” só permitiram que tivesse uma filha. Tem 44 anos e uma filha de 21. Casou com 20 e foi mãe aos 23 anos, porque sempre quis ser mãe cedo, até porque se tem “mais paciência para brincar e para ensinar”. Mas também Elisabete Trigo se deixou levar pelo reboliço e azáfama da vida e o facto de se ter divorciado também contribuiu para que não tivesse mais filhos. “Não foi por opção, sempre gostei de ter mais filhos. Sempre tive a intenção de pelo menos ter dois, mas as circunstâncias da vida às vezes não o permitem”, contou. Vivenciou o que era ser “criado” numa casa cheia em que a roupa passava de irmã para irmã e se trabalhava no campo. “Infelizmente e felizmente não nos iam buscar à escola, porque nós nunca tínhamos que ir para o infantário nem ficar no ATL, porque tínhamos sempre a mãe”. Mas com a sua filha já não foi assim. “Eu acho que agora também estragamos um bocadinho os filhos. Queremos dar aos nossos filhos aquilo que nós não tivemos. Por exemplo, no meu caso, usava tudo que era das minhas irmãs, as coisas passavam para mim. E agora quando temos um filho tentamos estragá-lo”, referiu. Outra das razões é a falta de tempo. “Agora uma mãe trabalha, tem que trabalhar. A qualidade de vida é melhor num aspecto, mas é pior noutro, porque agora o pai e a mãe têm que trabalhar. Os salários não permitem ter uma mãe em casa a tomar conta dos filhos. E por não haver tempo, muita gente opta por não ter filhos”, frisou. Ainda assim, afirmou que ser mãe foi o melhor que lhe podia ter acontecido e que é a filha que lhe dá forças para continuar a viver. “Já cheguei a fazer 800 km num dia só para ir comer com a minha filha a Coimbra. É o que me dá força”, afirmou, acrescentando que a sua filha está em “primeiro lugar” e que “nunca” está “cansada” para satisfazer os seus pedidos.

Jornalista: 
Ângela Pais