O reflexo da pandemia na saúde mental dos mais velhos

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Ter, 30/03/2021 - 11:12


Há mais de um ano que a pandemia afecta a vida dos transmontanos, portugueses e de todo o mundo

Têm sido tomadas medidas de contenção da propagação do vírus, desde o uso de máscara, recolher obrigatório, afastamento social e confinamento geral. Tudo para que cada vez menos pessoas sejam afectadas por esta doença. Mas até que ponto as pessoas vão conseguir manter a saúde mental? Até que ponto as famílias vão conseguir manter-se afastadas ou os idosos isolados nos lares sem visitas? Nos tempos que vivemos, mais do que nunca, os utentes das estruturas residenciais para idosos passaram a ser uma família. Impedidos de ver os familiares presencialmente, o uso das tecnologias terá sido a salvação. Até que ponto a privação do afecto não afecta psicologicamente aqueles que mais têm dificuldade em entender o que se está a passar? Fátima Pereira é psicóloga nos lares da Santa Casa da Misericórdia de Mirandela. Quando o vírus chegou ao país, em Março do ano passado, contou que os idosos “tiveram um pouco mais de dificuldade em entender” o que estava acontecer, mas também todas as medidas que passaram a ter que ser adoptadas. “Foi necessário muito trabalho em termos de grupo e em termos individual. A adaptação ao nosso visual, a adaptação de eles próprios à máscara e nem sempre foi fácil”, disse, explicando que foi necessário fazer um trabalho “muito intenso”. Diariamente assiste aos efeitos negativos que a pandemia tem nos mais velhos. Agora mais do que nunca percebeu-se que a saúde mental e física andam de mãos dadas. A “ansiedade”, o “humor depressivo” e a “dificuldade em entender” passaram a estar no dia-a-dia dos seniores. Questionada se a pandemia acelerou o envel hecimento destes utentes, a resposta foi clara: “O facto de eles estarem mais parados, mentalmente menos activos, terem uma menor variedade de estilos à sua volta, verificou-se que a saúde mental acaba por interferir na saúde física”. É nesta altura que os lares são obrigados a reinventarem para tentar reverter a situação “para não deixar os idosos sofrerem em demasia as consequências deste isolamento”. Enquanto psicóloga disse ter sido feito “uma ginástica física e mental enorme” para que os idosos sentissem dentro da instituição “a normalidade do dia-a-dia”. O uso de vídeo projector, transmissão de imagens, visitas a museus online, conversa em pequenos grupos e actividades de estimulação cognitiva e de reabilitação foram algumas das acções que têm vindo a ser feitas nos lares da Misericórdia de Mirandela. Outro dos problemas esteve no afastamento da família. Durante vários meses, as visitas lares foram proibidas e aqueles de quem mais gostam passaram a ser apenas ouvidos à distância através do telemóvel ou vistos através de vídeos chamadas. Também neste sentido os lares tiveram que lutar contra o isolamento. Muitos compraram tablets, computadores e até as visitas passaram a ser feitas através de um vidro. Tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. O chamado pau de dois bicos, em que para se evitar que fiquem infectados ou até morram da doença, a saúde mental acaba por ser afectada. Até que ponto compensa? Fátima Pereira salientou que “compensa sempre”. “Se nós fizermos trabalho de retaguarda a nível da saúde mental, compensa sempre. Dar mais anos, dar mais qualidade de vida. Ainda que possamos sentir que nesta situação a qualidade de vida de uma pessoa mais velha que está num lar não é o ideal, a verdade é que compensa porque a estamos a proteger”, afirmou. Por trás de todo este trabalho estão aqueles que também tiveram que colocar a família um pouco de parte. Os funcionários destas instituições que agora passaram a ter duas famílias. “Não nos podemos esquecer de quem está sempre lá com eles [utentes] e essas pessoas também sentiram duplamente esta situação na pele. Por um lado estavam a cuidar de alguém, tinham uma responsabilidade acrescida, mas depois tinham a sua família”, referiu Fátima Pereira. A psicóloga reconheceu que também os colaboradores acusaram “exaustão física e psicológica”, visto que tiveram que aprender a lidar com a “dualidade do trabalho e da casa”. Por isso, agora mais do que nunca considera que é preciso trabalhar “a parte psicológica” para conseguir “reagir melhor e mais facilmente” a toda esta situação.

Apoio através do telefone

Fátima Pereira presta ainda assistência na linha de apoio psicológico do SNS24. Disse já ter ajudado em “crises de ansiedade”, “crises de pânico”, situações de “alguma descompensação em termos de saúde mental” e “luto”. “Eram pessoas que tinham acompanhamento, consultas presenciais, tinham uma rotina em termos do acompanhamento e que com esta situação acabaram por ficar afastadas e isoladas”, referiu. A linha facilita o encaminhamento para uma consulta de psiquiátrica de urgência e para outros médicos, nomeadamente de família. Quando é pedida ajuda é feita “uma intervenção no momento e um posterior encaminhamento se houver essa necessidade”. “O objectivo não é fazer um acompanhamento continuado. Há a intervenção no momento, numa crise, numa situação de angústia e ansiedade, que tentamos conter e estabilizar emocionalmente”, explicou.

Consultas à distância

A pandemia veio também afectar o acompanhamento aos doentes. As consultas de psiquiatria na Unidade Local de Saúde do Nordeste passaram a ser feitas por telefone ou videoconferência. Recentemente, já foram retomadas as consultas presenciais mas, ainda assim, mantiveram-se por via telefónica “as consultas das pessoas residentes em instituições e as das pessoas em confinamento”.Em Março do ano passado, quando surgiu a pandemia, a Unidade Local De Saúde do Nordeste e a Unidade de saúde Pública estabeleceram um protocolo para intervenção em situações de crise junto dos doentes infectados e com o objectivo de “prestar apoio psicológico às pessoas em confinamento”. Quanto ao serviço de urgência de psiquiatria esteve sempre a funcionar 24 horas por dia. Segundo a ULSNE “aumentaram os pedidos de consultas ao Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULS do Nordeste, sobretudo por sintomatologia ansiosa e depressiva, reactiva a factores de ordem pessoal, directamente relacionada com a infecção por Covid-19, mas também com contextos sociais precários que foram emergindo durante este último ano”. No que toca ao internamento, foram criados dois serviços, um onde se cumpria o isolamento durante sete dias e com quartos reservados a doentes infectados e o outro para o internamento geral. O serviço sofreu uma reorganização para que fosse possível o internamento de pessoas infectadas. “Os profissionais deste Departamento foram confrontados, durante o último ano, com desafios inéditos, difíceis de concretizar, colocaram à prova todos os seus recursos internos de resiliência, deram de si mais do que sabiam conseguir dar”, disse a directora do departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULS do Nordeste. Conceição Cardoso acrescentou ainda que a “competência” e o “espírito de equipa” permitiram cuidar das pessoas com doença psiquiátrica”

Jornalista: 
Ângela Pais