Preço dos combustíveis e dos cereais “avassalador” para empresários

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Ter, 22/03/2022 - 12:03


Guerra na Ucrânia tem levado ao aumento do preço dos combustíveis e também dos cereais, que estão a ser cada vez menos. Empresários dizem estar asfixiados com os gastos

Depois de semanas consecutivas de aumento do preço dos combustíveis, esta segunda-feira houve finalmente uma descida. O gasóleo passou a custar menos 17 cêntimos e a gasolina custa agora menos 13 cêntimos. Esta instabilidade no mercado petrolífero, que provocou um aumento considerável dos combustíveis e agora esta diminuição, deve-se à guerra na Ucrânia. No entanto, esta descida é muito pouco para que os gastos com o combustível deixe de ser um fardo para as empresas. “As empresas estão sufocadas”, é assim que Dinis Santos, empresário no ramo de transporte de mercadorias, considera que estão os empresários com o aumento do custo do combustível. Abriu a empresa há dois anos e faz transportes em Espanha e uma parte de França, mas perante a instabilidade económica que se vive, decidiu reduzir a frota. Se antes tinha 10 camiões, agora tem apenas dois e sem funcionários. “Desde que começou o aumento do gasóleo, sensivelmente há três meses, uma empresa por camião perde mensalmente cerca de mil euros”, disse. O empresário fala de perdas de 10 mil euros que para uma “empresa pequena” é “muito dinheiro”. Perante os preços dos combustíveis a rondar os dois euros por litro, o Governo criou uma linha de crédito de 400 milhões de euros para empresas da indústria transformadora e de transportes, com factura energética a custar mais de 20% nos custos de produção ou então que apresentem uma quebra de facturação superior a 15%. Para Dinis Santos recorrer a este apoio está fora de questão, até porque considera este tipo de ajuda não se adequa a pequenas empresas. “Nenhuma empresa pequena se pode meter nesses créditos bonificados, primeiro porque é muito difícil uma empresa não ter dívida nenhuma e uma das coisas que o Estado exige é não ter dívidas, segundo, no momento que estamos a passar com dificuldades financeiras, se nos metermos em mais um crédito, mesmo que seja bonificado é suicida”, afirmou, salientando “tudo vai ter que se pagar, se não for hoje é amanhã”. “Esse tipo de apoios tem sempre contradições muito grandes, tem sempre ratoeiras”, é a opinião de Bruno Rodrigues, proprietário da MRW, uma transportadora em Bragança. O empresário também diz este apoio do Estado “para já não é uma opção”. Bruno Rodrigues viu a conta do combustível quase duplicar com o aumento do preço do gasóleo. Há um mês o gasto mensal rondava os 5 mil euros e agora é de quase 10 mil. O empresário espera que o preço dos combustíveis continue a baixar ou pelo menos que se mantenha, porque se aumentar e ultrapassar o máximo atingido, “vai dar cabo das empresas de transporte”. Perante este cenário, a solução foi deixar dois carros parados. “Nós temos cinco giros ao nível do distrito, ou seja, cinco carros, cinco mensageiros e neste momento tivemos que anular dois carros, não comprometendo o serviço”, explicou, referindo que os funcionários têm agora trabalho “redobrado”. Pegou na empresa há três anos e tem actualmente sete funcionários. Em média, cada carro faz 350 Kms por dia e um dos carros chega a fazer 700 Kms diários. Para já, apesar do aumento dos gastos, ainda “não há prejuízos”. “As medidas que adoptamos é para a sustentabilidade, é para nos irmos aguentando, obviamente que quando começar a ter prejuízos eu sou o primeiro a parar. Para já conseguimos manter aquilo que temos, os recursos humanos que temos, os carros que temos, os encargos que temos, e para já dá, quando não der paramos”, salientou. Nem mesmo quem depende de financiamento do Estado estão a suportar os custos. É o caso da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Bragança. Este aumento dos combustíveis tem disso “avassalador” para as contas da associação, uma vez que não há uma actualização do preço pago por km há 10 anos. “O valor que nos é pago é 51 cêntimos por km. Este valor foi afixado em Maio de 2012, de então para cá há um aumento do gasóleo de cerca de 50% e também há um aumento significativo no salário mínimo, que são as nossas duas grandes despesas. Acresce ainda a tudo isto esta crise pandémica que nos obrigou a usar muito mais material para nos protegermos”, explicou o presidente, José Fernandes. O valor é afixado pelo Governo e se não for alterado a corporação não conseguirá suportar por muito mais tempo os gastos, visto que já estão a “perder dinheiro”. “Temos que fazer ver ao governo que esta situação é insuportável, que não podemos continuar por muito mais tempo. Nós não queremos que as pessoas fiquem sem transporte, porque é a vida das pessoas. Nós não queremos lucros, queremos é ser equilibrados nas nossas finanças”, afirmou. Os Bombeiros de Bragança fazem cerca de 8 mil Kms por mês, o que se traduz num gasto mensal de 28 mil euros em gasóleo. “Neste momento já estamos a ter prejuízo. É impossível manter esta situação por muito mais tempo. Ou baixam os custos da produção ou nós temos que ser aumentados pelo Km, como eu não vejo que vão baixar os custos, os salários não vão descer e bem, até devem aumentar, o gasóleo também não vejo que vá descer, desce uma semana, mas sobe outra, portanto aqui só há uma solução que é actualizar o preço por Km”, frisou.

Cereais ao dobro do preço e em menor quantidade

A guerra na Ucrânia trouxe como consequência o aumento dos combustíveis, mas também dos cereais. A Ucrânia e a Rússia produzem 30% cereal trigo do mundo. Portugal é dos países da Europa que mais depende de cereal exportado, visto que produz apenas 15%. A Ucrânia, Rússia, Alemanha e França são os seus principais mercados. A moagem do Loreto, em Bragança, uma das poucas moagens do país, tem sido obrigada a actualizar o preço da farinha todas as semanas. Com o elevado preço dos combustíveis e também dos cereais, não tem outra alternativa senão aumentar o custo da produção. “O camião que está hoje a descarregar o cereal de centeio, esse cereal custou mais caro do que o preço da farinha que estávamos a vender na semana passada”, afirmou o proprietário da moagem. Luís Afonso disse que em Julho do ano passado, época de colheita, o centeio custava 167 euros a tonelada e agora custa 420. O trigo era comprado, nessa altura, a 235 euros e agora custa 460 euros a tonelada. O cereal está a ser cada vez mais escasso. Com a guerra acontecer não se sabe se haverá no próximo ano, visto que no Verão o cereal pode não ser colhido e nem tão pouco poderá ser semeado para ser colhido em 2023. Habitualmente, a moagem compra centeio em Alcanices e Leon, em Espanha, mas como já não há, teve que o ir buscar à Galiza. A fábrica já não fazia farinha de centeio há dois dias e corria o risco de estar parada por uma semana se não conseguissem realmente arranjar o cereal. Luís Afonso acredita que há também uma estratégia dos produtores, que se estão aproveitar da situação para conseguirem lucrar mais. “Os agricultores em acordo com os armazenistas estão a aguardar o centeio aguardando que continue a disparar o preço e esperar que haja uma oportunidade em que o cereal tenha mais valor para aí sim fornecê-lo à indústria”, explicou. Perante a falta de cereal, a moagem do Loreto optou por “racionar o fornecimento da farinha”. Quer isto dizer que os clientes habituais que compravam 500 sacos de farinha, agora é-lhes vendido apenas um terço, para que possachegar também para outros consumidores. Para os produtores de carne, a falta de cereais começa a ser uma preocupação. Para além de ter sido um ano de seca, em que os animais não se puderam alimentar das pastagens e tiveram que comer forragens e cereais, agora também este está a faltar. António Granjo é produtor de carne mirandesa. Tem 320 vacas de raça mirandesa e 80 ovelhas de raça churra mirandesa. Contou que o aumento dos cerais tem sido constante. “Durante a semana chegamos a receber duas ou três vezes aumentos de preços e vamos tendo a indicação de que pode haver falta de cereais no mercado”, referiu, acrescentando que o aumento já vai em 30%. Com o preço da carne igual e com o aumento dos gastos o produtor já começa a ter prejuízo. “Tive que ir a algumas economias buscar às vezes dinheiro para pagar aos fornecedores. Este aumento tem uma dimensão muito grande”, referiu. Por este motivo, neste momento, pondera reduzir o efectivo de animais para “metade ou menos de metade”. Uma vez que os gastos estão a ser superiores aos ganhos, impõe-se a pergunta: porque não é aumentado o preço da carne? António Granjo explica. “O mercado normalmente ajusta-se e aumenta o preço só que é também uma dificuldade, porque a raça mirandesa é uma carne com excelente qualidade e é utilizada em restaurantes de nível médio/alto e o mercado com a questão da pandemia baixou muito e a exportação também diminuiu, isso quer dizer que a cooperativa também tem dificuldades a comercializar”.

Jornalista: 
Ângela Pais