Treinador de futsal natural de Vila Flor é voluntário na guerra da Ucrânia

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Ter, 15/03/2022 - 10:23


Rui dos Santos faz parte de um grupo de antigos militares de várias operações especiais que está na Ucrânia e tem como missão resgatar civis e proteger as caravanas humanitárias.

Rui dos Santos é natural de Vila Flor e um dos mais de 16 mil antigos militares que respondeu ao apelo do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenskii, à defesa “da Ucrânia, da Europa e do mundo” para “proteger a liberdade e a vida”.  

O vilaflorense, antigo militar dos Rangers, unidade operacional da Força de Operações Especiais (FOE), é seleccionador dos Camarões de futsal desde 2018, tem 45 anos, e trocou o quadro com as tácticas de jogo para ingressar numa missão que vai para além dos 40 minutos regulamentares. 

A missão não é fácil, mas Rui já está habituado a trilhar caminhos complicados. O transmontano cumpriu missão na Bósnia, Guiné-Bissau e Congo (Zaire) entre 1997 e 1998, e fez parte do grupo de intervenção rápida da ONU. 

Não foi fácil articular a conversa. Rui Dos Santos integra um grupo de antigos elementos de várias operações especiais, só portugueses, que trabalham em articulação com os Serviços Secretos da Ucrânia. Não está na linha de combate. Tem como missão resgatar civis e proteger as caravanas humanitárias, mas o perigo mora sempre ao lado. 

“Está frio”, começou por dizer o transmontano de forma descontraída e na tentativa de esquecer por minutos o cenário que o rodeia. Já lá vamos. 

“Não é fácil”, foi a expressão seguinte como forma de desabafo perante uma crise humanitária.  

No momento da conversa, Rui dos Santos encontrava-se perto da fronteira da Polónia, na cidade de Lviv, das poucas localidades que ainda não foi bombardeada. “Para já está tudo calmo por aqui, mas as pessoas estão mentalmente preparadas para o que possa acontecer. É por esta cidade que tem passado praticamente toda a gente para sair da Ucrânia. As pessoas ainda fazem a sua vida dentro da normalidade possível, mas com receio, sobretudo à noite, que haja bombardeamentos. Já têm os bunkers ou sítio mais protegidos que os apartamentos para se abrigarem”, contou o antigo militar. 

Entretanto, já se ouviram os primeiros bombardeamentos a mais de 50 quilómetros de Lviv e a pouco mais de 10 da fronteira com a Polónia. No sábado as tropas russas atacaram o Centro Internacional de Manutenção da Paz e Segurança em Yaroviv, local onde Rui Santos já chegou a estar instalado. 

Fora da linha de combate, mas sempre atento ao que possa acontecer ao redor, Rui dos Santos ajuda as pessoas a chegar à fronteira. “A nossa missão é proteger as caravanas humanitárias e ir buscar pessoas a locais complicados. Já nos aconteceu ir buscar pessoas, que a embaixada não conseguiu resgatar, ao sul da Ucrânia. Neste momento estamos a trabalhar para ir buscar uma família portuguesa que está no sul da Ucrânia e estamos a trabalhar com os serviços secretos da Ucrânia nessa situação”.  

O técnico de futsal elogia a força e determinação do povo ucraniano perante o avanço das tropas russas. “Estão a bater-se muito bem. Há muitos soldados estrangeiros, ex-soldados, que estão a apoiar as tropas ucranianas. O presidente da Rússia pensava que ia invadir a Ucrânia em dois dias. O povo ucraniano tem mostrado uma resistência incrível e nós fomos muito bem acolhidos”, destacou.  

Rui dos Santos garantiu que para já nunca teve qualquer problema na missão que está a cumprir, mas há relatos de “ataques a colunas humanitárias, mesmo da Cruz Vermelha, e até a jornalistas” por parte dos russos.  

O vilaflorense não é o único português em missão. “Há portugueses, brasileiros, ingleses, americanos. Há tantos voluntários a ajudar a Ucrânia em várias frentes e isso tem ajudado a travar o avanço das tropas russas”.  

Com 20 dias de guerra, junto às fronteiras o cenário é de imensa dor. São famílias que se separam, são pais que ficam na Ucrânia a defender o país. Famílias que ficam por um tempo indefinido destruturadas. “O que me custa mais ver são as famílias completamente divididas. Vemos crianças e jovens sozinhos em que os pais, os avós ficam na Ucrânia e eles seguem para fora do país. Já falamos em mais de um milhão de pessoas que já passaram para o lado da Polónia. 

Rui dos Santos não se alongou sobre a missão que tem em mãos, pois a indicação é para conversas curtas e sem grandes detalhes. “A injustiça. O ver um país ser bombardeado só porque sim”, foram os motivos que levaram o ex-militar a integrar esta missão.  

Só à família e amigos mais próximos é que comunicou a decisão de integrar esta missão. Rui está ciente do perigo que constantemente ronda quem anda no terreno. “Não viemos aqui para ser heróis nem para sair daqui num saco plástico. Viemos aqui para ajudar. O risco zero não existe. Uma pessoa tem de sentir medo, se baixarmos a guarda aí é que existe o risco”.  

Rui dos Santos é voluntário e quando quiser pode regressar a casa. O futsal não é esquecido e espera em breve regressar aos Camarões para retomar o comando técnico da selecção de futsal daquele país, que assumiu em 2018. Esta é uma tarefa que concilia com a de treinador do F5 Dijon Métropole, em França.  

 

Jornalista: 
Susana Madureira