Das maiorias aos direitos constitucionais

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A hipotética Maioria Absoluta de um dos partidos concorrentes às próximas eleições legislativas tem sido tema de pré-campanha e será, certamente, na campanha, como se a mesma pudesse ser um objetivo em si, uma opção dos eleitores a nível individual. Ninguém vota para que um partido, qualquer que ele seja, tenha ou não maioria ou minoria. A existência dessa circunstância é um resultado do conjunto dos votos de cada um e não uma escolha de cada um. O voto colocado na urna é atribuído, na sua totalidade a um partido. Mesmo quem não é adepto de maiorias mono-partidárias, ao votar, não o faz com essa intenção. Pelo contrário, ao fazê-lo quer atribuir ao partido da sua escolha, o maior número de votos possível. Imagine-se que, por mera abstração, para fundamentar esta tese, havia, no espetro partidário, dois grandes partidos, um, o partido A apelando à maioria absoluta e outro, o B opondo-se à mesma. Assumamos, para o mesmo efeito, que a opção do eleitorado era claramente, em mais de cinquenta por cento, contra a tal maioria. Então, os adeptos da maioria de um só partido votariam no A e os que a não queriam, no B. O que é que acontecia? O partido B sairia dessa eleição, com uma votação absolutamente maioritária. A forma do eleitorado manifestar a sua concordância com as propostas apresentadas a sufrágio era dar a maioria a quem defendia a representação minoritária e dando a minoria a quem apelava ao contrário. O eleitorado rejeitava a proposta de uma maioria... dando maioria a quem a não queria... A Constituição consagra a cada cidadão o direito a manifestar a sua opção através do voto. E esse direito não pode ser coartado por circunstancialismos para além dos consagrados no texto constitucional. O confinamento, por doença ou por proteção profilática, não pode ser motivo suficiente para diminuir ou coartar tal prerrogativa. E se o exercício de um direito colidir com o direito de um semelhante? Ou o direito à saúde e à segurança não é igualmente uma regalia inalienável de cada um? Se não pode ser negado a qualquer cidadão o acesso à mesa de voto, pela simples razão de estar infetado com a Covid19, poderá ser condicionado, em circunstâncias de absoluta segurança, a quem não está? É, obviamente, um problema, já largamente enunciado e denunciado cuja razão de existir, unanimemente é atribuída à incompetência dos políticos ativos deste nosso país. Foram incompetentes! Porém, sem falsos populismos, é reconhecido que a qualidade dos membros da classe política tem vindo a descer, com o tempo e, relativamente a isso, tal como acontece nas empresas e outras organizações, não é possível dissociar tal fenómeno das baixas remunerações auferidas por eles. É um facto: em Portugal, os políticos são mal pagos! Quem defende que, mesmo assim, os salários ainda deviam ser mais baixos... entende que a incompetência ainda não é suficiente e deveria ser maior... a menos que o salário não seja a principal retribuição pela sua prestação. E isso é perigoso. Perigosíssimo! Eu acho que não é de confiar quem, sendo político em Portugal, venha reclamar que o que ganha (e não rejeita) é demasiado e deveria ser menos... substancialmente menos. Há limites para tudo. Até para o populismo.

José Mário Leite