A PÁTRIA E A LÍNGUA

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Quem, em Bruxelas, chegando à Praça Eugène Flagey, procurar um pequeno espaço triangular e ajardinado na confluência da Rue des Cygnes depara-se com um monumento de homenagem ao grande poeta e pensador português, Fernando Pessoa. Por baixo do busto está uma das suas frases mais célebres: “A minha pátria é a língua portuguesa”. Quando Pessoa a enunciou, a pátria lusa estendia-se pelas sete partidas do mundo e o postulado pessoano acrescentava-lhe o Brasil. Já então não havia coincidência entre as fronteiras fonéticas e administrativas e muito menos as há agora. Mas, mesmo que nos limitemos ao atual retângulo ibérico, berço da pátria e da língua, estamos a falar de duas realidades diversas. Na atualidade, ao português falado e reconhecido dentro dos limites administrativos nacionais é necessário juntar mais duas formas de expressão oficialmente reconhecidas: a língua gestual e a lhéngua mirandesa. Mas não só. Tendo embora a mesma origem, no reino da Galiza de onde se destacou o Condado Portucalense e se autonomizou o galaico- -português, distinto do castelhano que tem vida e percurso autónomo como brilhantemente demonstrou Fernando Venâncio, a geografia e a fonética tiveram evolução bem diversa. A reconquista fez-se de norte para sul, sem grandes recuos, de forma consistente e persistente, indo à frente da língua. Já esta teve um percurso evolutivo, seguindo a rota aberta pela espada de D. Afonso Henriques e seus sucessores, expandiu-se mais lentamente e não resistiu à investida sulista que a condicionou e influenciou. Em conversa recente com o Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Guilherme de Oliveira Martins, a propósito em um importante e relevante projeto lançado pela Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa, o antigo Presidente do Tribunal de Contas fundamentava esta realidade com a forma diferente como em Portugal se pronunciam os “s”. Se a expansão linguística seguisse o mesmo trajeto que a conquista militar falaríamos todos “à maneira de Viseu” que é como, tradicionalmente, se fala no interior norte e na Galiza. Esta pronúncia não resulta de nenhuma simplificação ou “evolução” popular, antes, pelo contrário, sendo fiel à grafia, é erudita. A prová-lo a forma diferente como na região de Trás-os-Montes e das Beiras se diz o fonema “z” conforme resulta do z, propriamente dito ou do s entre vogais. Coser e cozer, não só têm significados diferentes, como diversa é a sua pronúncia. A propósito tive a oportunidade de lhe revelar como foi proveitoso, para resolver dúvidas de escrita, não só esse exemplo como outro, ainda mais óbvio: a forma como se diz o “x” e o “ch”. Neste caso sacho e enxada têm o mesmo significado mas a segunda sílaba, na nossa terra, pronuncia-se de forma bem diferente de acordo com o modo como se escreve.

José Mário Leite