À procura do abraço perdido

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No passado dia 21 de janeiro, dever-se-ia ter festejado o dia internacional dos abraços. Não instaurado este ano o que, tendo em conta as distanciações sociais de rigor, trairia para os seus inventores um lamentável humor negro. Teve origem nos Estados Unidos há trinta e cinco anos pelo reverendo Kevin Zaborney. Este religioso sonhava ver a população inteira dos Estados Unidos a abraçar-se, convicto pelas recentes descobertas científicas de que um abraço durante vinte segundos desencadearia nos abraçados uma segregação de ocitocina, hormona do bem- -estar. O reverendo foi confrontado na sua escolha com revelações meteorológicas que previam que no dia vinte e um de janeiro seria atingido o pico das depressões invernais. Era preferível, conclui ele, apertar um desconhecido nos braços a tomar um Xanax num copo de whisky. Ele mesmo beneficiaria da euforia da nova instituição mais recente do feriado de vinte de Janeiro, em honra do pastor Martin Luther King e da sua pastoral que se estribava na não-violência. Rapidamente, a iniciativa deste movimento público de ternura geral seduziu outros países. A Austrália, o Reino-Unido, a Alemanha, a França, a Polónia… Em Portugal temos o dia do abraço a 22 de maio. A verdade é que o reverendo americano não foi o único pioneiro na matéria. Mais ou menos na mesma época, uma Indiana, Mata Amritanandamayi, “Mãe da Plenitude imortal” sentiu a mesma intuição e criou a ONG ETW. Pôs-se a curar e pacificar ela-mesma o espírito humano, abraçando incondicionalmente e por todo o mundo. Terá abraçado, só no ano de 2017, 37 milhões de pessoas pelo mundo fora, todas elas se teriam encontrado algo “ perturbadas”. É claro que teria de haver controvérsia à volta deste guru e das suas ações caritativas. Porém, as críticas e acusações nunca infirmaram o poder reparador das embaixadas do coração e das almas dos homens, sejam quais forem as suas origens. E não é neste momento, em que nos sentimos cruelmente privados desse afeto, que vamos contestar o poder deste contacto que nos parecia, ainda ontem, tão banal e por vezes mesmo constrangedor. Talvez nunca mesmo, se tenha sentido uma necessidade tão forte, tão urgente. Ah! Estar de novo pertinho do fôlego de outra pessoa, agarrá- -la, apertá-la contra si em intermináveis efusões de amizade e afeto! Ah! Um pouco de ternura por fim! Um pouco de calor e ternura, de corpo inteiro, sem medo do outro. Porque não é na ternura que encontramos nesta calorosa manifestação física do abraço amigo? Uma inclinação para a delicadeza, e por conseguinte uma disposição de espírito infinitamente superior à da retribuição e da violência, que é anulada com um simples sorriso. Há na ternura a expressão suprema da inteligência – a lucidez. Esta manifesta um autodomínio, a contenção dos nossos mais baixos instintos; a violência e os seus inúmeros avatares- o ressentimento, o ódio, a maledicência, a inveja. Inspira-nos a doutrina de Jesus “porque Eu sou manso e humilde de coração”. Na verdade, estas são duas virtudes inseparáveis. Econtra-se entre as bem-aventuranças:  “Bem- -aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra” (Mt 5,4). Como é simples imaginar a estupefação das multidões perante este anúncio, a insolente revolução dos corações que esta não deixa de suscitar desde há séculos! Na idade média, inspirou o amor cortês erigindo-o como qualidade de vida, uma arte da delicadeza e de respeito pelo outro. Algo inspirado pelo amor confundido com a nobreza da alma. Uma serenidade que não tem nada de adocicado, mas toda uma firmeza, de humildade, de caridade, «a amabilidade própria à verdadeira sabedoria que vem do alto” dizia S.Tiago ( Tg. 3,13). Este dia mundial dos abraços convida-nos a esta serenidade, e a meditar sobre ela, sobre as suas virtudes, neste período de violência extrema e crescente, e de grande solidão. A deixar-se converter por ela, a rogar-lhe que nos torne mais lúcidos, li ou ouvi: “ Fecham- -se os olhos dos mortos com ternura, é também com esta ternura que é preciso abrir os olhos dos vivos”.

Adriano Valadar