Sex, 23/01/2015 - 10:02
O frio do primeiro mês do ano convida centenas de famílias do Nordeste Transmontano a preparem o fumeiro. Para a família Bento, na aldeia de Samil, mesmo às portas de Bragança, este sábado foi dia de fazer alheiras. Uma tradição que passa de geração em geração.
Diz quem faz fumeiro que as alheiras são o enchido que dá mais trabalho a fazer. “Tem que se preparar as carnes no dia anterior. No dia das alheiras faz-se o lume, põem-se os potes ao lume com as carnes, de porco e galinha. Depois leva pão e alho. Sem alho, não seria alheira”, salienta Maria do Carmo Afonso, natural de Travanca, no concelho de Vinhais e que veio ajudar esta família a fazer as alheiras.
O pão deve ter um tamanho generoso. Tradicionalmente é cozido no forno a lenha cerca de dois dias antes de fazer as alheiras. Não pode faltar também a salsa picada. As caldas de cozer as carnes são também aproveitadas. O dia em que se faz este enchido é também um dia de convívio da família.
Antónia Gonçalves Bento descreve os pratos que normalmente fazem parte da ementa do almoço deste dia. “Coze-se a cabeça do porco, um bocadinho de suã e uma galinha, que quanto mais velha melhor. Há quem faça canja e quem faça umas sopas com a água de cozer a carne de porco, depende dos gostos. Janta-se ou almoça-se com a carne e a que sobra pica-se bem picadinha para as alheiras”, conta a samilense.
Há também um prato tradicional, na altura de fazer o fumeiro e que começa a fazer-se cada vez menos: os miolos, feitos à base de miolo de pão e dos próprios miolos do porco, com ossos dos butelos.
Tempero é o segredo para um bom fumeiro
Em Samil, ainda há cerca de 20 famílias a matar o porco. E a maioria daqueles que já não o fazem, compram carne para fazer o próprio fumeiro, à moda antiga. Em quase todas as casas desta aldeia, encontram-se cozinhas com varas que atravessam dois ferros suspensos no tecto e que têm penduradas além das alheiras, chouriças de carne, de sangue, os também chamados chouriços de verde, chouriços de pão, chouriços doces, butelos e salpicões.
No caso dos chouriços de carne, dos salpicões e dos butelos é necessário temperar as carnes que ficam a marinar entre dois a três dias. Um processo vulgarmente chamado de “adobo”.
Aos 81 anos Clementina Bento, não se engana na lista de ingredientes a utilizar na preparação dos diferentes tipos de enchidos. “Os adobos da carne levam alho, loureiro, sal, laranja e vinho branco, pimentão doce e um pouco de malagueta. Os chouriços de pão levam presunto, um bocadinho de carne gorda, rojões e azeite. Os chouriços de sangue só levam o sangue e um pouco de gordura e os chouriços doces levam sangue, um pouco de gordura, açúcar e mel”, descreve a avó da família.
Depois de encher as tripas, os chouriços são pendurados nas varas. Secam com o fumo da lareira mas, dizem os entendidos, que também faz falta ter o local arejado, por isso há quem abra uma janela.
Consoante o tipo de enchido e o local onde se encontra, o fumeiro pode demorar entre duas a três semanas a estar pronto a consumir. Há também carnes que ainda são colocadas na salgadeira para consumir ao longo do ano, como é o caso do presunto, que leva cerca de um mês a curar.