Ter, 31/05/2022 - 10:50
Viver em aldeias isoladas do nosso interior transmontano parece cada vez mais sinónimo de estar longe de tudo, até do acesso aos cuidados de saúde. É muitas vezes disso que nos queixamos, de não ter à mão de semear o que mais precisamos. E, quando nos bate à porta, bem sabemos a falta que nos faz o que não temos. O cenário no distrito de Bragança, concelhos sem ensino secundário, sem hospitais, sem centros de saúde abertos, pelo menos, 24 horas por dia, é, mais ou menos, uma realidade com a qual nos deparamos, mas nem sempre nem nunca. Há iniciativas e ideias que nos fazem respirar de alívio. O que se passa em Tuizelo, no concelho de Vinhais, é um bom exemplo do “espera lá, não estamos esquecidos”. Consultas, receitas, controlo, acompanhamento e conselhos... afinal não é preciso ir à sede de concelho para uma “emergência”. Na aldeia, os sábados são outra vez de louvar porque o médico está de regresso. Há oito anos que nesta localidade um profissional de saúde, sendo que por ali já passaram dois, visita e consulta aqueles vinhaenses, bem como os restantes das outras sete aldeias da freguesia que se queiram juntar. O “Médico na Freguesia” foi interrompido em Setembro de 2021, mas voltou agora em força a Tuizelo e, claro, quem precisou não perdeu a vez. Adelaide Monteiro, de 74 anos, natural de Tuizelo e ali residente, diz que não chegou a visitar os outros dois médicos que ali passaram mas agora houve algumas coisas que lhe fizeram falta e foi conhecer a nova médica, que substitui o profissional de saúde que os seguia e que “abandonou” a aldeia por ter se ter mudado para o litoral. Ora então e o que foi Adelaide ali fazer? “Preciso de umas receitas... faltam-me medicamentos, nomeadamente para a tensão, para o colesterol e para o estômago”, esclareceu. Como “não se pode ir a Vinhais assim a toda a hora”, porque “a gasolina está cara” e, ainda por cima, “a covid anda por aí”, Adelaide Monteiro não tem dúvidas, ter um médico à porta de casa “é uma mais-valia”. Ciente de que “isto é uma necessidade”, segundo esclareceu, quem não tem assim tanta facilidade em ir a Vinhais, por causa de uma simples consulta ou receita, tem a vida um pouco “tramada” porque o autocarro até o há, mas passa de manhã, às 08h15m, e só volta à tarde, às 18h00m. “Os que vão de manhã ou voltam de táxi, que é caro, ou têm que ficar por Vinhais o dia inteiro”, vincou Adelaide Monteiro que até tem nem tem grande dificuldade em ir à vila, porque tem carro próprio, mas não é assim uma brincadeira qualquer. “Tenho um senhor de 85 anos em casa e não o posso deixar grande tempo sozinho”, terminou. Júlia Adriano, de 61 anos, também não deixou passar o dia em branco. Mais habituada a estas andanças, já que começou a aproveitar as consultas gratuitas à porta de casa desde o começo, veio ao mesmo que Adelaide Monteiro: receitas... e ainda levou alguns conselhos sobre umas maleitas que, às vezes, lhe moem mais a cabeça. “Quando acaba a medicação da médica família venho aqui. Há medicação sem a qual não posso ficar, como é o caso da que tomo para o colesterol, para os diabetes e para a ansiedade”, esclareceu a flaviense que casou em Tuizelo. Vincando também que a iniciativa da junta “é uma mais valia”, Júlia Adriano diz mesmo que isto “é uma maravilha”, e bem, até porque “não há grande dificuldade em ir a Vinhais mas quanto mais perto for melhor”. José Gonçalves Afonso é o presidente da Junta de Freguesia de Tuizelo, composta ainda por Peleias, Quadra, Salgueiros, Nuzedo de Cima, Cruz, Cabeça de Igreja e Revelhe. Começou no ano passado o segundo mandato mas já pertencia à junta quando o projecto foi implementado. “Acreditámos que o desenvolvimento das terras não se mede só pelo cimento e pelo alcatrão. Não é dar preferência a nada, é olhar para a saúde como se olha para uma obra”, referiu o presidente, que esclareceu é a própria junta que suporta os custos financeiros que a vinda do clínico, uma vez por mês, acarreta. As pessoas das outras aldeias da freguesia, que ali vão quando precisam, não estão desfalcadas. Diga-se que “já houve casos em que o médico as foi visitar a casa e chegou a haver consultas em determinadas aldeias, por necessidade”. A visita do clínico não é só aplaudida pelos vinhaenses. A própria médica, Dília Silva, que começou a visitar Tuizelo no mês passado, também se sente satisfeita por estar a ajudar. “Convidaram-me e eu achei muito interessante porque acho que isto ajuda a colmatar algumas carências destas populações”, vincou a médica, que trabalha no hospital de Aveiro, mas recorrentemente visita Trás-os- -Montes, onde tem casa. As pessoas, que “gostam” desta visita, que é de médico mas não é de médico em termos de duração, além das receitas e dos conselhos de saúde, procuram companhia. “As pessoas, nota-se muito cá em cima, estão sozinhas, querem falar. É muito gratificante sentir que desabafam e é bom perceber que, de alguma forma, é possível ajudar, acompanhar”, terminou. As consultas decorrem uma vez por mês, na sede da junta de freguesia.