Ter, 04/08/2009 - 10:50
E levava-nos a passear até lá, a gozar a fresca sombra do Sabor, nos parapeitos tão brancos e elegantes da Ponte.
Passávamos ali manhãs suaves, ou tardes calmas, embebendo os olhos da frescura do arvoredo, das águas transparentes do rio que não cessava de correr mansamente. Os peixinhos pequenos, até esses se viam navegar, nas águas límpidas.
Estávamos então em 1940, ou 1942, no auge do “Estado Novo”, em que se lançavam obras úteis e belas, por todo o país.
Em qualquer aldeia, distante, ou desconhecida, sobressaíram escolas, elegantes e sóbrias, bem desenhadas e fortes nos seus portais de cantaria arredondados.
O Presidente Salazar não aparecia em inaugurações, mas obras importantes e saudáveis para a Educação do Povo, espalhavam-se por todos os cantos marcando a sua preocupação pela modernidade e bem estar das gentes campesinas.
A rede de “Casas do Povo” inseriu-se também neste afã de dotar as pequenas aldeias de centros de convívio, de associativismo, de cultura e de lazer.
Pensarão agora os leitores que aproveito o ensejo da Ponte “Salazar” para fazer o elogio das qualidades do Presidente, que nos governou durante 4 décadas!
Mas a palavra justa, a honra devida, é sempre um dever.
Voltemos à Ponte “Salazar”, em Gimonde.
Porque cognominou a nossa Mãe esta ponte tão surpreendente, na sua simplicidade e elegância e brancura, com o nome do então enaltecido Presidente Salazar?
Nossa Mãe estudava na Faculdade de Letras de Coimbra, com outras colegas, e nessa “1ª República Feminina” que formaram na “alta coimbrã”, faziam vizinhança com jovens universitários que já então eram célebres pelos seus dotes intelectuais e políticos. Para essas jovens, esses vizinhos ilustres eram os seus “fãs”.
Essa admiração, esse brilho, ficou para a vida toda, não obstante as desilusões mais tardias quando o desvario e o sectarismo político começaram a invadir mesmo as mentes mais promissoras.
Mas, falemos dos tempos áureos, dos projectos grandes e magníficos, e dos mais pequenos, mas igualmente úteis e belos e necessários.
E então teremos que falar de um homem providencial, de um Ministro de capacidades avassaladoras e destemidas. Alguém sabe hoje quem foi o grande Ministro das Obras Públicas, na década de 40? O Grande Ministro Duarte Pacheco?
Morreu brutalmente num desastre de viação, na recta do Infantado, perto de Benavente, quando pedia mais velocidade ao seu motorista, no afã de chegar a horas a tantos compromissos de trabalho…
Pois a Ponte “Salazar”, em Gimonde, saiu certamente da sua visão, das suas instruções, dos seus “planos estratégicos”, como hoje se diria.
Nesta bela aldeia, de Entre-Rios, só rios eram quatro, cruzando-se em todos os sentidos, e pontes já eram três – a Ponte Velha – a Ponte Nova – a Ponte (férrea e velhinha) de Rio Igrejas. Mas faltava a ligação principal da aldeia – da sua Estrada Nacional nº 218 – para as outras margens do Rio Sabor. O povoado teria que se expandir para lá do largo rio, atravessar para o sopé do Monte “Guieiro”, o mais altaneiro de todas as encostas.
Já ali naqueles “arrabaldes”, os Romanos tinham feito implantações, construções inusitadas, para aquelas épocas longínquas. Agora os arqueólogos andam sempre descobrindo novos achados.
Foi uma boa visão. Aquela Ponte tão elegante, tão bem encaixada na paisagem de arvoredo e sombras. Sem rumores, sem nada estragar daquela melancolia.
O casario começou a desenvolver-se logo nos anos de 50 e agora já ninguém passa sem atravessar aquela ponte.
Agora é a loucura das 4 rodas, das “motoquatro”, dos “rallies”, dos excessos e malabarismos pelas sinuosidades das alturas.
Mas o que é agora a Ponte “Salazar”? Uma ruína, uma tristeza, uma “coisinha deprimente”, como diriam os “gatos fedorentos”…
O seu traçado elegante e sóbrio ainda se consegue vislumbrar, o que sobressai são os parapeitos escalavrados, destroçados, por passagem de tractores, e veículos de grande porte, para os quais a ponte não foi dimensionada.
Aliás, a Ponte “Salazar” já tão desgastada pelo abandono e vicissitudes dos tempos, foi recentemente (há 5, 6 anos?) atingida por novo “atentado”, com a colocação ao longo do parapeito oriental de uma tubagem de ferro, feia e pesada, que destoa completamente do traçado original, e que, parece, se destinou a um colector de saneamento em direcção a uma hipotética “Central de Tratamento de Águas Residuais”. Nada foi explicado.
E ali ficou aquele aderente objecto “inclassificável”.
Não havia outro local, para atravessamento da tubagem, outro disfarce, outra inclusão no leito do rio?
Que fazer então? Vamos assistir à degradação final de uma obra tão bela para a nossa aldeia, oferecida com amor e carinho à nossa aldeia, por ser tão serena e lírica e ao mesmo tempo majestosa?
Não vejo que alguém se preocupe! Há dinheiro na Autarquia Brigantina para tanta obra de luxo, projectos tão megalómanos e não há uns milhares de euros para embelezar a nossa Ponte que foi tão carismática há 60 anos?
Será a ambivalência das opções? Será melhor destruir? Será melhor alargar o pavimento da travessia? Estarão os pilares ainda resistentes? (Parecem estar.)
O ideal seria respeitar o traçado, é uma obra harmoniosa, sóbria e digna. Tão perfeitamente encaixada na paisagem inigualável.
Não seria talvez uma enorme dificuldade alargar o tabuleiro, um pouco, e refazer os parapeitos tão arruinados. E dar a tudo a brancura inicial, a límpida cor branca que tão bem realçava o verde das folhagens circundantes.
Virão finalmente os argumentos das verbas, das competências, dos poderes, de quem manda, de quem obedece, de quem sobressai, ou de quem quer sobressair.
Faça-se um restauro bonito, uma obra digna.
É o que eu peço. Em nome das nossas raízes, dos nossos maiores, dos que quiseram mais uma ponte bonita para a nossa aldeia de Gimonde.
Arminda Cepeda