De Bragança a Lagarelhos

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A pretexto de prestar justa homenagem a Graça Morais, a propósito dos dez anos do Centro de Arte Contemporânea a que por rigorosa justiça de reconhecimento, a Câmara Municipal de Bragança, deu o seu nome.

A menina muito bela, de cabelos louros, precocemente admirada pela perfeição dos seus desenhos, que ao tempo ia oferecendo à legião de admiradores, deu lugar à artista universal salientando as hierofanias do terrunho onde nasceu e viveu, na sua radiante evidência nos rostos, nos corpos, nos recônditos pormenores, a exigirem conhecimentos simbólicos a fim de pensarmos o pensamento da pintora desde a figura tutelar da Mãe, até à suavidade do encantamento maternal por um lado, musical por outro. O sofisticado Ludovico Dolce gostaria de contemplar quadros da aluna do Liceu Nacional de Bragança (Emídio Garcia), interna na Casa do Arco, atenta ouvinte do Doutor Francisco Videira Pires, nascida no Vieiro, aldeia do concelho de Vila Flor.

A Graça, como habitualmente fez o favor de me enviar um e-mail a dar conta da substanciosa efeméride, passei a mensagem ao meu Amigo Bártolo Paiva Campos e a Mulher Anne-Marie, os dois reputados psicólogos amantes e atentos observadores das Artes, por isso vieram a Bragança. Chegaram antes do Presidente da República, por isso mesmo ao entrarem no Centro disseram-lhe estar o Templo das Musas reservado ao Supremo Magistrado da Nação, tinham saído cedo do Porto, a hospitalidade bragançana torneou o protocolo, lavaram os olhos, aguardaram pela minha chegada, convidaram-me a partilhar mesa no restaurante Dom Roberto, onde degustámos várias especialidades de charcutaria de fabrico próprio, ainda leitão assado segundo o cânone transmontano. O sempre amável e prazenteiro Sr. Alberto Fernandes, Alberto para amigos e conhecidos, explicou a génese do leitão bísaro, o bacorinho foi ao fogo e recebeu-o tal como deve ser a religião – nem demais, nem de menos – assegurava um ladino liberal Bispo de Viseu, nos idos do século XIX, comparando o credo religioso ao sal.

A forma que encontrei de acrescentar valor (para lá da economia dos economistas) ao pós prandial levou-me a sugerir visitarmos Lagarelhos, terra dos prodígios, onde possuo uma casa herdada pela via maternal, cujo restauro e protecção o meu parente Teófilo Fernandes faz o favor de assegurar, alargando a tarefa à Cândida, sua mulher, e à filha Rita prestes a elevar o Teófilo à condição de avô.

Logo na saída de Bragança para Lagarelhos sobressaía uma paisagem pontilhada de verdes, exuberantes, o Inverno tardio praticou esplendorosa acção, aqueles verdes, fatalmente, teriam de impressionar os pintores impressionistas que adoravam o movimento e a luz, deixando-nos obras-primas debaixo dessas determinantes, na globalidade de Ver. Ver o Mundo tal como ele se apresenta é apontado nos manuais inseridos na Internet; ver os bosques, as matas, os renques de árvores que vão das bermas da estrada ao cocuruto dos montes é vibrante produção de beleza, inolvidável beleza. E os castelos verdes e amarelos?

Tais castelos – castanheiros – pujantes de floração produzem visível/ver/conflitual porque acresce a majestade de tais monumentos naturais, provocando sucessivas visualizações ou vibrações cuja matricialidade está no vento, ora brisa, ora ventania, ora quietude, lendo-nos a ressuscitar a dualidade do bem e do mal, as virtudes da soledade, as interrogações ante o futuro, o desgosto e angústia consequência da perda dos entes queridos, as restrições na saúde, as memórias da memória. Os castanheiros mostram-se nos matizes verdes e amarelos, impantes, aconchegadas nos ouriços- uterinos as minúsculas castanhas têm de sorver húmus de chuva bem caída, até pingarem demora a sua gestação, os frutos lisos, luzidios, outrora, amainaram a fome de humilhados, ofendidos e pobres de pedir, agora florescem os ancestrais, espalham perfume, o orvalho madrugador retempera a terra em volta.

Aqueles resplandecentes castanheiros da Terra Fria, perenes e tranquilizadores, seculares, atestam a vitalidade daquelas terras que povoam crónicas como esta, no entanto, no quotidiano, a real/realidade da dita vitalidade já foi imprescindível na criação e defesa da Pátria, sou patriota, não sou patrioteiro. Os castanheiros firmam e reafirmam a alma transmontana, como os carvalhos de Guernica simbolizavam a liberdade, arrasados pela besta nazi.

A Maria do Loreto Monteiro pode fazer-me o favor de levar as amigas, também as do sofá, a espraiarem os olhos nos soutos. Após a virtuosa viagem acredito no sem encantamento levando-as a iniciar um movimento destinado a declarar o castanheiro árvore totémica do concelho de Bragança. É pedir muito?

Armando Fernandes