Falando de … Quando as mães saíram à rua…uma ficção em Bragança

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Portugal ganhou. Semana do nosso contentamento, dirão muitos portugueses, pobres e ricos, cultos e incultos, onde a irracionalidade despertada pelo futebol nega tudo o que é culturalmente adquirido, até a própria linguagem. Retiro a imagem de uma revista e transporto-a para as páginas deste semanário.
Semana rica de acontecimentos. Mais pobre a União Europeia, não irá esquecer tão depressa David Cameron, primeiro-ministro britânico, promotor do referendo que projectou o ex-jornalista e ex-mayor de Londres, Boris Johnson, de penteado à Donald Trump e Nigel Farage para as primeiras páginas dos jornais. Portugueses preocupados com o seu futuro e  ingleses, expatriados, receando pela sua existência, congeminam uma dupla nacionalidade neste Portugal que tão bem os acolhe e cujo sol é matéria de exportação.
Questões de emigração/imigração. E o Reino Unido divorciado da Europa, não esquecendo que é o mais velho aliado de Portugal, com Babe a mostrar quanto vale em matéria de aliança luso-inglesa.
Bragança, terra de emigrantes, tal como tantas outras cidades flageladas pelas circunstâncias. Para França e Alemanha muitos partiram. Os tempos mudaram em épocas que à memória não escapam. Portugal recebeu outros que tentaram a sua sorte. Ucranianos, brasileiros, brasileiras e tantos mais… Bragança terra de brasileiras que inquietaram pacatos cidadãos de bolsos mais ou menos fartos.
Brasileiras que foram notícia nos jornais. Na revista Time. E Bragança correu mundo. Mulheres de alma angustiada, de espírito perturbado, de lar quase desfeito, vieram à rua e reclamaram. E as brasileiras, alimento de cafés, cabeleireiros, padarias, lojas, enfim do comércio em geral, saíram. Todo o mundo português soube. Bragança não era o que se publicitava. Era terra de bons costumes. E Fernando Calado ficcionou. Acrescentou. Alterou. Investigou. Documentou-se para que nada fosse ao acaso. Mostrou do que falava e escreveu.
Duzentas e trinta e nove páginas de trinta e três capítulos de uma narrativa, onde a ficção aparece contaminada de uma realidade que conhecemos, e de uma outra realidade com laivos de veracidade e verosimilhança. Livro ousado, de um homem que à sua terra tece loas, com uma linguagem onde o termo licencioso em abundância aparece ao lado de expressões latinas, devidamente traduzidas, com citações religiosas de permeio. Texto de língua portuguesa valorizada, diversa, de regionalismos transmontanos oportunos.
Bragança dos anos sessenta à actualidade. A alegria da escrita a extravasar e a convidar-nos ao entusiasmo de uma existência que não queremos, num retrato de angústia por muitos experimentado.
Um livro que nos conduz à reflexão, a tomar partido, a odiar ou aderir, num quadro de um passado não muito remoto em que o proxenetismo, a corrupção, o baixo-mundo aparecem retratados, como se Bragança fosse um caso isolado do vício, do incumprimento, do ilícito ou da vingança.
Talvez os mais puritanos se sintam deslocados na narrativa. A ficção nem sempre é boa companheira. Um livro de final feliz a marcar comportamentos exemplares e amores duradouros, numa sintagmática em que os afectos são definidos pela precariedade.
A ler. Nada nos é indiferente. Lido de um fôlego, percorrendo espaços conhecidos, de nomes que fizeram história, num tempo que vai pertencendo à história de uma terra onde pouco acontece e abundam os brandos costumes, hoje não distantes dos hábitos das grandes metrópoles. É assim a globalização.
 
                                                                                                                                    Por   João Cabrita

Não foi adoptado o Novo Acordo Ortográfico