O cerco a Rui Rio

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O filósofo Álvaro Ribeiro escreveu Razão Anima que desde há largos anos me auxilia a entender as indignidades humanas e as virtudes de O Homem Sem Qualidades (fundamental obra de Robert Musil), no paradoxo de o Homem é o homem e suas circunstâncias, explicou o filósofo madrileno Ortega y Gasset.

Inicio a crónica amparado na proficiência no esventramento da ânima humana de três grandes vultos da cultura, primeiro porque a todo o tempo me ensinam, a todo o transe me indicam caminhos e veredas no sentido de melhor levar a água ao meu moinho – o porquê de causas e efeitos – do nosso viver em sociedade dita civilizada, todavia recheada de vilezas, traições, vanidades e torções de carácter.

Sempre que entendo por azado recorro à benevolência de filósofos e ensaístas no intuito de serem traves sustentadoras das asserções que formulo, podia recorrer ao seu anonimato não o faço na convicção de um ou outro leitor levar a sua curiosidade ao ponto de ler algum livro de tais autores revalidando a certeza de os jornais serem educadores forma da escola funcional, sim da Escola Formal como a concebiam os pensadores do círculo do autor da acima referida Razão Animada. O Nordeste forma e informa para enlevo e prazer cultural dos seus leitores.

Todos sabemos quão monstruosa é a vivência dos grandes partidos quando arredados da arca do poder pois as manjedouras ficam sem erva e feno e as bornais desprovidos de buchas suculentas e as mesas de manjares substanciosos a obrigarem à utilização de colher, faca e garfo. As clientelas barafustam, intrigam, chega-se a atingir a fase de balbúrdia no Oeste. O PSD vive tais ciclos ao modo de irmãos desavindos, o provérbio ensina – são mais que inimigos, são irmãos – entusiasmando-se a ponto de as cicatrizes não sararem, de se atingir a pulsão do ódio velho não cansa.

Há anos Manuela Ferreira Leite tentou «endireitar» o Partido e dizer verdades sem adornos os luvas acetinadas. Tramou-se. Os rapazes glutões guiados pela mãozinha (entenda-se Miguel Relvas) colocaram-lhe armadilhas de toda a espécie escorados em mensageiros jornalistas treinados como as galinhas poedeiras causando-lhe graves prejuízos de afirmação política a culminar na derrota no prélio eleitoral. Na altura o rapaz Pedro Pinto muito se esforçou ou não fosse grande amigo da mãozinha seu companheiro de estúrdia na escola de quadros da Jota, volta a estar na crista da onda contestária a Rio. Pergunto: alguém conhece uma ideia para o governo do País ao Senhor Pedro? Ninguém conhece, conhecemos isso sim apartes, jogadas no aparelho partidário e mais não digo. Na meninice passava dias na casa do seu parente Alberto Rodrigues, conceituado comerciante brigantino, benfiquista assumido, proprietário da Sapataria da Moda e do Café Central. O Senhor Pinto principiou a sentar-se nos bancos do Parlamento no início da longínqua década de oitenta do século passado. Façam as contas.

O portuense Rio lutou e venceu o portismo clientelar de Pinto da Costa, recebeu votos, o grupo de inimigos aumentou, três mandatos na Câmara do Porto, contas equilibradas, as suas atitudes valeram-lhe esperança em variados sectores do PSD, o feitio teimoso granjeou-lhe animosidade na classe jornalística e dos elitistas bem pensantes do Porto. Não por acaso o amigo de facilidades refere os pacóvios suburbanos na carta de despedida do PSD (recordem-se da cunha a favor da filha), estou a referir-me a Martins da Cruz militante há sete anos sempre atento às vantagens do usufruto do poder.

O homem da mãozinha é o líder do cerco a Rio, dispõe de vários peões de brega em linguagem ribatejana, ouve muito Marques Mendes (no Comilão, Vela Latina e adjacências), consulta Dias Loureiro e está determinado em atirar borda fora o economista de contas escrutinadas. Os ruídos na imprensa são cuidadosamente planeados, os deslizes dos elementos aliados de Rio conseguem enorme projecção, a procissão está a sair do adro. A procissão só não será de defuntos – Rio e apoiantes – se os militantes de base, intermédios nas diversas estruturas do poder a começar pelo autárquico derem um safanão e consigam colocar os intriguistas do grupo parlamentar e afins a falarem para eles próprios destapando-lhe a cortina do fingimento levando os meninos a imitarem outro menino que disse: o rei vai nu.

Foi Telmo Moreno (não esqueço o seu desempenho na pacificação do PSD na época do consulado socialista na Câmara de Bragança a possibilitar a sua recuperação laranjinha) quem me apresentou Rui Rio numa noite bucólica numa casa de bebidas sita nas proximidades do Castelo. Agradou-me a sua franqueza e simplicidade, posteriormente falámos mais duas ou três vezes, o tom de aprumo e vontade de exercer o munús político sem demagogia reforçou a minha crença no ser possível «regenerar-se» o PSD libertando-o dos elementos postiços que no antecedente tanto trabalho custaram a Telmo Moreno.

Os dados estão lançados. Desejo a Rui Rio destreza na sua movimentação e golpe de vista apurado.

Armando Fernandes