Seg, 09/03/2020 - 23:29
O medo nunca foi bom conselheiro e continua a demonstrar capacidade de instalar o caos nas comunidades humanas, trazendo à superfície muito do que nos mantém na condição mais instintiva do que racional, apesar de todas as aparências.
Desde que se vive a crise provocada pela irrupção do novíssimo vírus, temos assistido a uma sequência esperável de reacções que pouco contribuem para enfrentar a situação com as armas fundamentais da racionalidade, da organização social, do respeito por nós próprios e pelos outros, da solidariedade básica.
Como quase sempre, primeiro foram-se instalando medos difusos, à mistura com propensões desvalorizadoras, negacionistas, fruto da ansiedade que fabrica esperanças de que tudo isto não passe de um fenómeno com bem menos importância do que se diz ou, no pior dos casos, de que há mãozinha diabólica por trás do fenómeno, a que se acrescenta estar tudo nas mãos de meia dúzia de entidades capazes de um maquiavelismo sem nome.
Geralmente tal atitude descamba na displicência, na desvalorização dos riscos, traduzindo-se no incumprimento dos cuidados aconselhados pelas autoridades.
É compreensível que não se mudem hábitos da noite para o dia, muitas das atitudes são espontâneas, mas também se nota uma quase vertigem do precipício, como se estivéssemos num festival de desportos radicais, que contribuem para atitudes temerárias, egocentradas e cheias de fé na protecção das divindades, da genética, ou da simples sorte.
A forma como o assunto tem ocupado os espaços noticiosos, a privilegiar a novidade imediata, a contabilidade trágica e dando menos importância às informações de contexto, induz histerias, por vezes de muitos que imediatamente antes aparentavam indiferença e tranquilidade.
Por isso continuaram espirros sem controle, proximidades perigosas, gozos deliciados com os mais cuidadosos, o que pode contribuir para que a situação se torne objectivamente mais séria do que, eventualmente, poderia ser.
Não haverá muito a fazer porque, afinal, a sociedade da informação, com todas as suas virtudes, também comporta distorções e abre portas à legitimação de qualquer opinião, por mais que não passe de precipitação, enviesamento, preconceito, superstição, postura ideológica arrevesada, equiparadas à informação autêntica, verificada, legitimada pelo conhecimento cientificamente conduzido.
E da opinião à acção vai um passo curto, que nos coloca entre a verdade e a ficção, sem grande proveito para a segurança de cada um e de todos. A democracia também passa pelo reconhecimento da autoridade legítima e das instituições que têm dado provas de iluminar o caminho, mesmo quando, também elas, ao longo do tempo, puderam ter incorrido nalguns erros.
A não ser que aceitemos que a verdade é revelada a partir de uma fonte imaginária, não temos outro remédio senão partilhar, com coragem e serenidade, a procura de soluções, sabendo que pode haver o risco de nos enganarmos. Mesmo assim, com o tempo, outros aprenderão com a experiência que deixarmos.