Fidel e os puros

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Ter, 29/11/2016 - 10:19


Aos 90 anos partiu Fidel Castro para a aventura, última quanto sabemos, da eternidade, o tudo ou nada da existência de cada um de nós.
Marcou mais de seis décadas da história recente, um perfil de profeta, com barba e tudo, a prometer, como sempre fazem os profetas, a salvação para lá do horizonte e a justiça implacável para os incréus, que seriam comidos pelas pragas que ele próprio lançava da sua praça em Havana.

A formação cristã do jovem Fidel, católica, em colégio jesuíta, certamente lhe alimentou a esperança e a sede de justiça. Terá reflectido, nos seus verdes anos sobre as proclamações atribuídas a Jesus no sermão da montanha: “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados” e “bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus”.
A sua condição material, de família abastada e próspera, não parecia calhá-lo para a revolução, mas arriscou a vida e o conforto, em nome de um ideal e não perdeu, depois da Sierra Maestra, onde terá ficado perto do Deus que veio a negar, saboreando os puros charutos, que o tornaram um ícone.
Puros provavelmente par-­
tilhados com um imitador de Cristo, Ernesto de seu nome, “Che” para milhões de românticos de barba e cabelo ao  vento, o argentino Guevara, que fez da revolução o seu único destino, até à morte humilhante, às mãos de um centurião pouco dado a misericórdias.
Aí, em 1967, na Bolívia, não  foram bem-aventurados os mansos, como no sermão fora dito. E Fidel também não imitou Gandhi, o pacifista que acabou assassinado. Fez como David, mas transmutou a funda e proclamou uma nova terra da promissão, por mais que não caísse lá o maná de todos os dias, que o céu se fosse tornando tenebroso e o espectro de Job povoasse os dias de gerações desiludidas.
Mas viu surgir herdeiros que lhe reclamam amor filial e prometem honrar-lhe a memória, da Nicarágua à Bolívia, de Angola à Venezuela, garantindo que o seu legado não será esquecido.
Dos actos destes “apóstolos” têm resultado tragédias de verdadeira perdição, com a instalação da anarquia, apesar dos raios e coriscos que lançam contra o mundo e os seus patrícios, no caso da Venezuela a morrerem à fome estendidos sobre uma cama de petróleo.
Francisco, um jesuíta que chegou a Papa, encontrou-se duas vezes com Fidel. Hão-de ter falado desse sermão da montanha e da pureza de coração, que os puros Habanos já pesavam então no alento do envelhecido profeta.
Dificilmente se poderá dizer que Fidel era malevolente, ganancioso, corrupto e outros qualificativos adequados a alguns protagonistas da política. Dir-se-á, no entanto, com propriedade, que era senhor de um orgulho desmedido, um prosélito relutante a ouvir os outros, que não foi capaz da mansidão nem da serenidade, indispensáveis à solidez da coragem.
Talvez do outro lado encontre o “Che” a fumar um puro e possam pensar sobre os caminhos que romperam. Nós, os que ainda por cá estamos, temos também um bom tema para reflexão.

Por Teófilo Vaz