Seg, 10/02/2020 - 23:36
A democracia representativa, sistema de organização política que se consolidou nos últimos dois séculos e meio, já deu provas inequívocas de constituir cimento fundamental para garantir um presente e um futuro de dignidade para as comunidades neste mundo de esperanças, mas também de desilusões demolidoras.
Quando se atingiu o paradigma da polis, na velha Grécia, importado depois pelos romanos com a designação de civitas, alcançou-se um patamar de desenvolvimento que ainda não ultrapassámos, mas deixámos degradar durante séculos, quase arriscando o retorno ao inferno do caos primordial, com efeitos que deixaram marcas penosas na história global, quando a Europa abriu as portas da participação no seu drama aos restantes continentes. Drama empolgante que, mesmo quando despertou raivas ou derramou sangue, conheceu as venturas da fraternidade, referência definitiva no destino da humanidade.
Há dois milénios foram tempos da democracia directa que, naturalmente, não era solução para configurações recentes, num mundo muito diferente, hoje destino comum, para o bem e para os males em que continuamos a tropeçar a cada passo.
Os sistemas de representação política requerem consciência da necessidade de adaptação à realidade, para que não se produzam distorções que ponham em causa os princípios da equidade, que não resulta de aritméticas simplórias, traduzidas na composição que conhecemos do órgão do poder legislativo que é a Assembleia da República.
Aparentemente a representação proporcional, que tem como referência o número de cidadãos eleitores em cada círculo, seria expressão verosímil das vontades. No entanto, a definição dos círculos eleitorais e o número de mandatos de deputados que deles resulta, tem vindo a revelar-se injusta, porque sobrevaloriza a expressão política das maiores concentrações populacionais, desprezando as restantes, num processo acelerado que ameaça deixar-nos sem voz em S. Bento.
Não se conhecem propostas para afinar o modelo de representação, de modo a que as regiões do interior possam recuperar capacidade de influenciar as decisões, que tendem a ser tomadas em função dos interesses imediatos de quem vive no litoral, apesar dos protestos de preocupação com o resto do país.
No último fim-de-semana foi a vez de Rui Rio clamar pelo interior, no mesmo tom de carpideira avençada a que nos habituaram outros sermões. Ao mesmo tempo que falava do mito urbano da qualidade de vida na província, que já ninguém leva a sério, porque se não já se tinham invertido tendências de mobilidade e o interior despovoado não continuaria a alastrar no mapa, propunha uma redução “moderada” do número de deputados. Mantendo-se o modelo, já todos sabemos quem vai ficar a perder, consumando-se a sorte macaca dos territórios e das gentes que insistiram na tentativa de manter a essência do país.
Se não houver coragem para desenhar um modelo de representação política que vá além do individualismo cego, estaremos, em breve, perante o fim anunciado de Portugal, sem esperança de ressurreição.