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Produtores de castanha dizem que estragos causados por javalis foram os piores dos últimos anos

Ter, 27/10/2020 - 11:21


Em Vila Boa de Carçãozinho, os produtores têm sofrido com os prejuízos causados por estes animais. Numa altura em que começa a cair a primeira castanha, os agricultores queixam-se de que muita é comida pelos javalis e que os estragos no terreno são evidentes.

Quo vadis Francisco?!

Enquanto cidadão e crente tenho o actual Papa em alta estima. Aprecio, sobretudo, a humildade e bonomia que lhe conferem a imagem de homem bom. Dificilmente o consigo imaginar como herege, muito menos como o anticristo que certos ficcionistas sugerem. Vejo, contudo, Jorge Bergoglio como o Papa dos equívocos doutrinários. Senão vejamos. A Humanidade vive tempos de mudança global dramáticos, particularmente visíveis nos domínios da ética e dos usos e costumes, e a Igreja Católica Romana, a maior organização que alguma vez operou sobre a Terra e por tempo tão dilatado, está no centro do furacão. O seu chefe supremo não tem, portanto, uma tarefa fácil. Bem pelo contrário: gestos, palavras e silêncios são inexoravelmente avaliados, contados, pesados e medidos, sempre havendo quem os aplauda e quem os condene. Cristo que é Cristo não agrada a toda gente! No coração da Igreja Católica que é a Santa Sé, instalada no Vaticano, a pequena cidade-estado a que Bergoglio preside, moram todos os vícios do mundo, ao que se diz. Não é de admirar que, se por um lado, Francisco cativa meio mundo com sua bondade, por outro lance a desunião e a animosidade entre as hostes católicas. Para gáudio dos inimigos da Igreja, já se vê. Ainda que na maior parte dos casos o discurso de Jorge Bergoglio, por regra circunstancial e pouco cuidado, seja mal interpretado ou mesmo maliciosamente deformado. Assim foi quando, numa celebre homilia proferida em Nova Iorque, afirmou, referindo-se a Jesus Cristo: “a sua vida, humanamente falando, acabou com um fracasso: o fracasso da cruz”. Mais pacífico e convincente teria sido, quanto a mim, se tivesse falado em sucesso. Ou quando promove o diálogo inter-religioso com os muçulmanos inimigos declarados de todas a religiões que não a deles. Ou quando estabelece acordos controversos com a China totalitária que, como é do domínio público, continua a perseguir e a martirizar os cristãos chineses. Ou quando discorre sobre a propriedade privada e não distingue o lar e a pequena horta do humilde cidadão dos empórios capitalistas que lançam tenebrosos sistemas de exploração sobre a Humanidade. Ou quando silencia as trágicas perseguições de comunidades cristãs em várias partes do planeta. Ou ainda quando, mais recentemente, promoveu as uniões homossexuais o que, para a maioria dos crentes e doutores da Igreja, indicia um claríssimo desvio doutrinal e promove o descrédito da castidade, a virtude maior de santos e mártires. Grande é a controvérsia que reina nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais sobre o que o Papa disse, não disse ou queria dizer. A verdade é que as organizações homossexuais exultaram de alegria enquanto muitos católicos se manifestaram escandalizados. Órgãos oficiais da Igreja, porém, apressaram-se a garantir não haver mudança da doutrina, nenhuma confusão com casamento entre homem e mulher e que, lamentavelmente, a imprensa não foi nada caridosa com o Papa mais uma vez. Saberá o Papa por onde anda, para onde vai e leva a Igreja? Será que Jorge Bergoglio privilegia o papel político de presidente do Estado Vaticano em detrimento do múnus espiritual? Quando menos espera, Jesus Cristo vai sair-lhe ao caminho como o fez com São Pedro, quando este abandonava Roma por via das perseguições e interpelá-lo: Quo vadis Francisco?! Qual será a resposta de Bergoglio? A seu tempo se verá.

Juris_ prudência (O dever e o temor)

A Associação de Municípios do Douro Superior (AMDS) não tem nenhum jurista nos seus quadros. Invocou, a “ausência de recursos próprios” para entregar 74.500 euros à sociedade de advogados, AAMM, de Lisboa, em 6 de julho de 2017, para ser juridicamente assessorada e aconselhada. Invoca como justificação da opção pelo ajuste direto, a alínea a) do n.º 1 do art.º 20º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que, estranhamente, versa sobre o Concurso Público e o Concurso Limitado por prévia qualificação. Daqui se depreende a necessidade de aconselhamento. E que aconselhamento é este? O contrato diz apenas que é “geral”. Perante um caso concreto, logo se vê. Pode ser, por exemplo: “Contrate um bom escritório de advogados!” É bem provável que tenha sido, exactamente essa a recomendação, pois o Presidente da AMDS, que é também Presidente da Câmara de Moncorvo, obediente e diligentemente, tratou de, nesse mesmo dia, entregar mais 74.500 euros ao mesmo escritório de advogados, para representar a AMDS no processo 181/16.1BEMDL, o que quer que isso seja! Convém notar que qualquer um dos dois contratos foi celebrado por doze meses e com renovação automática, até ao limite de duas vezes! Com uma interessante particularidade: feito em julho, era válido a partir de janeiro do mesmo ano! Ou seja, ao colocar a assinatura, e sem mais nada fazer, o escritório alfacinha ficou, imediatamente, credor de metade do montante contratualizado!!!! Satisfeitos, em 2019 entregaram, de novo à AAMM, mais um cheque de 90.000 euros para continuarem a usufruir da assessoria jurídica geral! O Presidente da Câmara de Municipal de Moncorvo (CMM) aproveitando o sucesso desta contratualização, conseguiu arrancar-lhes um generoso desconto: ainda em 2017, a mesma consultoria genérica, igualmente por um ano, custou à CMM, apenas 74.000 euros! É obra! Apesar de haver no quadro um licenciado em Direito e de ser jurista o autarca, a justificação continuou a ser a ausência de recursos próprios! Obviamente que ninguém deve substituir-se à liderança autárquica eleita, e é a ela que compete avaliar as necessidades correntes do município. Mas não é fácil fazer entender, ao comum dos contribuintes (que são eles, em última análise, quem paga a fatura) que os recursos próprios existentes necessitem de tamanho reforço para fazer face à reconhecida baixa conflitualidade e litigância. Tanto assim que o próprio autarca, aceitando a justeza de tal juízo, apesar da prevista renovação, deixou terminar o contrato, sem o renovar! É assim mesmo! Porém, em meados de agosto, deste ano, alegando, de novo, a ausência de recursos próprios, foi celebrado com a AAMM um contrato de assessoria por um ano, no valor de 149.000 euros!!!! A justificação para o ajuste direto advém da impossibilidade de se poderem precisar as especificações contratuais. Ou seja, quem contrata não sabe, com exactidão, o que pretende. Deve ser algo grande e grave, a avaliar pelo valor envolvido. Não é crível que seja por causa da trasladação do busto do Campos Monteiro, porque apesar do alarido feito por “meia dúzia de agitadores”, o Presidente já garantiu ter agido na total e integral observância da Lei. Quem não deve, não teme!

Rotinas de um gato cor de laranja

Ao final da tarde, tenho reparado que há um gato cor de laranja que vai dormir nas escadas de uma casa desabitada, aqui em frente ao prédio. Esperto, depois de o sol ter aquecido durante todo o dia os degraus de cimento. Penso que não tem dono, e ser um gato abandonado deve ser muito stressante, porque, além do mais, os felinos são animais assustadiços. E na rua há perigos constantes. No caso do gato cor de laranja, acho que encontrou um local onde se sente realmente seguro. Em frente às escadas há um muro também de cimento, inteiro. Há um portão de acesso, que está aberto, mas cresceu muita vegetação que ninguém corta, como silvas. Fica tudo no caminho até chegar ao degrau preferido do bichano. Além disso, as escadas têm um corrimão no mesmo cimento, que o deixa invisível do passeio. Ou seja, é praticamente impossível aceder àquele trono improvisado sem ser detectado. Se calhar é por isso que se sente tão seguro. Porque avaliou todos os riscos antes de criar esta rotina de aproveitar os finais de tarde para dormir numa escada quente pelo sol. Ao mesmo tempo, um dos meus gatos veio miar-me junto às pernas, altivo, como sempre, para me lembrar que tinha fome. Também já esteve na rua, mas era muito pequenino quando foi recolhido, e por isso está habituado a ter comida, casa, carinho e muita margem para fazer asneiras. São rotinas completamente diferentes, e nenhuma estará necessariamente errada. Rotinas são hábitos, não é? Coisas que nos habituamos a fazer em loop, de forma quase mecânica, onde já sabemos como vai começar, o que vai acontecer a seguir e qual o desfecho. Basta falhar um dente desta roda para arruinar o dia. Atira-nos para fora da nossa zona de conforto. Criar hábitos não é mau, de todo. Faz parte da vida, parece-me. É também isso que nos permite, tal como o gato que dorme no degrau quente pelo sol, estar em alguns momentos mais tranquilos, sem estar em constante sobressalto. Ainda que o factor surpresa faça falta, para nos sacudir e colocar alerta, também é reconfortante poder planear a curto prazo. Muito curto. Tendemos muitas vezes, por outro lado, a criar hábitos menos saudáveis. Ficamos presos a algumas rotinas que nada auguram de bom. O ser humano é um animal de hábitos, como os gatos. Mas o que no início pode ser desafiante, num instante pode tornar-se desgastante. E ficamos presos porque achamos que não podemos nem sabemos fazer de outra maneira. É como aquela célebre frase que afirma que não podemos fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. E nós bem sabemos que nada vai ser diferente. Só que teimamos em insistir. Resumindo numa expressão que adoro: “dar murros em ponta de faca”. Acho que é bastante descritiva. No fundo, as boas rotinas serão aquelas que facilitam o nosso dia-a-dia. As más são aquelas que nos fazem cair sempre no mesmo dia-a-dia. Acho que durante largo tempo irei ver o gato cor de laranja a dormir ao final da tarde no seu degrau preferido de cimento, quente pelo sol. Contudo, aposto que quando chegar o rigor do Inverno, ele vai arranjar outro sítio para as sestas, porque ali vai deixar de ser bom. Sejamos todos como o gato cor de laranja.

Ir com os tempos

Há quem continue a recusar a nova ortografia, que já tem trinta anos. Não é de agora este tipo de birra, muito boa gente, inclusive o grande fernando pessoa, tinha feito o mesmo com a de mil novecentos e onze, a anterior. Por um lado, a nossa relação com a língua é de posse, portanto de afeto, o que fica claro pelo simples facto de lhe chamarmos materna. Daí opormo-nos a que toquem nela, ainda por cima sem nos dizerem água-vai. É como quando alguém nos invade uma propriedade, muda de sítio, usa, estraga objetos pessoais. Depois, também somos conservadores no sentido em que as novidades costumam deixar-nos inseguros. Instalados dentro das nossas zonas de conforto, como agora se diz, elas são incómodos que podem pôr-nos à defesa. Para outros, resistir prende-se ainda com vontade de afirmação, rebeldia, transgressão próprias de quem não gosta que lhe deem ordens. É mais disto que se trata, e não de racionalidade ou de um saber fundamentado. Como em tudo, nas línguas há factos de que as pessoas comuns não se apercebem. Para começar, existe a ilusão de que elas são lógicas. E de facto, em parte são. “Eu tenho sede” é uma frase que pode ser traduzida para qualquer outra língua por pertencer à parte lógica. Mas também estão cheias de anomalias, irregularidades, daquilo que sempre se disse ou escreveu sem que haja justificação racional para isso. É o que acontece com as expressões fixas e idiomáticas, os usos figurados, os provérbios, os aforismos, etc. São de tradução difícil, ou mesmo impossível. Como se pode traduzir “dar à sola” ou “arrear o calhau” sem que se perca quase tudo? Não pode. É por acreditar na coincidência entre língua e lógica que há quem faça questão de pedir “um copo com água”, não vá o interlocutor achar que lhe estão a pedir um copo fabricado com esse líquido se disser “um copo de água”. Ou declarar que vai “desfazer a barba” para que não se julgue que vai plantar pelos na cara se afirmar que a vai fazer. Mas não há que rir, todos nós usamos a toda a hora inúmeras incoerências destas: falamos de algo que correu os “quatro cantos do mundo” mesmo sabendo que o mundo não os tem, ou adiamos um serviço para “de hoje a oito dias”, quando nesse período nunca contaremos mais que sete. Do mesmo modo, não há muito a noção de que a língua propriamente dita são os sons que deitamos pela boca e que a escrita é apenas uma representação deles. Como os sons vão mudando com o tempo, a escrita deve procurar acompanhá-los, mesmo de forma imperfeita. Quem resiste às mudanças vê na ortografia algo fixo que deseja conservar assim, mas basta ler um texto do século dezasseis para ver a enorme evolução da escrita desde então: para além de letras diferentes das de hoje, tanto maiúsculas como minúsculas, não havia acentos gráficos, as abreviaturas eram estranhas e mais que muitas, hesitava-se entre juntar as palavras umas às outras (como quando falamos) ou separá- -las, a pontuação quase não existia, a ligação das frases tinha muito pouco a ver com o que agora fazemos, uma palavra podia ser escrita de três maneiras diferentes na mesma página… Um conhecido humorista dizia que retirar o “c” de arquitectas resulta numa palavra feia porque o “c” serve para abrir a vogal anterior. Mas nós abrimos e fechamos vogais mesmo que nada lá nos diga para o fazer, como em “gelo” e “pedra”, “novo” e “novos”. Geralmente um som representa-se por uma certa letra, mas poderia sê-lo por outra qualquer. Ou por duas, como em aqui, acho, assim. Ou nenhuma, pois costumamos pronunciar sons que não escrevemos, como acontece com “saiem”, “muinto”, “treuze”. Representamos o mesmo som por letras diferentes: as sublinhadas em “gato” e “mau”, por um lado, e em bem e pães, por outro, têm os mesmos sons. Até escrevemos letras de sons que não existem, como em escada, hoje, vale. Os teimosos só não sabem que todas estas estranhezas lhes são impostas. Se o soubessem, iam resistir. Estranho é aquilo a que não estamos afeitos, o que se pode aplicar a quase tudo. Por acaso a mim ainda não me entrou bem que a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “parar” tenha passado a escrever-se “para”, por causa da confusão com a preposição “para”. Mas é uma questão de tempo. Por ora, depois de anos a praticar bastante (até por ser obrigado a isso), já consegui que me faça diferença ver escrito “actividade” ou “recepção”.

Beirute

L íbano é um País do médio oriente. Pertence, portanto, a esse interface cultural, económico, religioso, berço de civilizações, de religiões mas que é ao mesmo tempo placa giratória de interesses económicos, militares, geoestratégicos e políticos, zona em permanente tensão, sempre com disputas, conflitos e até guerras. Além disso, o Líbano teve também uma guerra civil de 15 anos que deixou o país completamente devastado. Beirute, cidade capital do Líbano, outrora conhecida como a “Paris do médio Oriente”, alternava a reconstrução com a ruína. Nos últimos anos tem experimentado alguma paz, tensa, que o Governo, um triunvirato religioso, não deixa ninguém descansado. Pois, agora que tinha alguma paz foi subitamente sacudida por uma explosão gigantesca. 200 mortos, 5000 feridos e 300 desaparecidos foram os números avançados pelos serviços oficiais. Foi de tal ordem o grau de destruição que Marwan Abboud, governador de Beirute, homem temperado naquele “caldo de cultura de violência”, que já sofreu dores de todo o tipo, não conseguiu evitar o choro quando viu o cenário de destruição. A princípio pensou-se que era a abertura de novas hostilidades, mas não. O responsável por esta deflagração tinha sido um carregamento de 2750 toneladas de nitrato de amónia. O nitrato de amónia é um fertilizante muito comum e também é explosivo, aliás muito usado por ser barato e não ter controle. Esse nitrato de amónia tinha sido confiscado a um carregueiro Moldavo e permanecia em armazém há 6 anos. Ficamos perplexos. O que é que leva a que não sejam suficientes 6 anos para decidir do futuro do material confiscado? Há de facto um “pauzinho na engrenagem”. A burocracia estourou com Beirute. Beirute está em todo lado. Também, nós, conhecemos essa burocracia que protela tudo até ao esquecimento. Ora falta uma certidão ora uma assinatura senão falta um despacho ou o requerimento não está de acordo com o modelo prescrito depois passou o prazo, em suma, desesperante. Tornou-se, a burocracia, uma máquina pesada, com inércias quase insuperáveis culpa de uma evolução perversa dos seus pressupostos. Assim: as normas e regulamentos passaram a ser absolutos e prioritários, quer dizer, de meios passaram paulatinamente a objectivos; a necessidade de documentar e formalizar todas as comunicações levou a excessos de formalismo com as consequentes demoras insuportáveis; os funcionários por força da repetição dos procedimentos tornam- -se executantes de rotinas e portanto encaram qualquer novidade como uma ameaça à sua segurança profissional; a despersonalização no relacionamento, que era uma pedra de toque da burocracia enquanto concepção pois encarava o utente sem atender ao estatuto social, passou a exibir tiques de autoridade criando assim dificuldades de atendimento ao público. O “manga de alpaca” tornou-se, assim, um homem temível porque, mesmo sem querer, é o rosto do nosso desconforto perante a máquina burocrática. Mas não era para ser assim quando três (claro que há mais mas estes serão os mais importantes) pensadores do séc. XIX, Karl Marx, Max Weber e Emile Durkheim, especulando sobre o positivismo de August Conte estabeleceram as bases de uma nova ciência, a Sociologia. Um deles, Max Weber, calvinista, que via o capitalismo como um ideal, depois de estudar as relações sociais e interacção social entre elementos de grandes grupos, como os empregados de grandes empresas, o Exército e depois o País, sugeriu a noção da administração como ciência, única forma capaz de promover o crescimento desse mesmo capitalismo. No fundo era organizar empresas que cresciam em tamanho e complexidade. A esse edifício organizativo a que chamou burocracia era no fundo o somatório de relações mecânicas entre gabinetes (bureaux, daí burocracia- o poder dos gabinetes) e tinha por objectivo a eficiência, a eficácia, garantindo rapidez, racionalidade, homogeneidade na interpretação das normas e padronização (decisões iguais para situações iguais). Ora, o que sobra, hoje, de tudo isto? Possivelmente muito pouco. É que Max Weber esqueceu- -se de uma coisa importante: o factor humano (como disse Brecht ao General: o carro de combate tem um homem). De qualquer forma é o que temos e vamos ter por muito tempo pois não há País que dispense a burocracia. Não pode! Mesmo aqueles que dizem que querem acabar com ela mais não querem dizer que corrigir vícios, desmandos, disfunções já seria óptimo. Retirar o mais possível a “mão humana” dos procedimentos o que aliás vem sendo feito por via da digitalização. Cumpre aqui homenagear dois “desburocratizadores”: Almeida Santos com a sua “guerra ao papel selado” e Maria Manuel Leitão Marques com o seu “simplex”. Toda esta conversa sobre burocracia vem a propósito dos milhões que Portugal vai receber da Europa. Se os projectos forem sujeitos aos procedimentos burocráticos normais evitamos a corrupção (nem toda) mas não fazemos nada em tempo útil. Se se agilizarem procedimentos, se forem dispensados alguns mecanismos de controle fazemos obra mas deixamos entrar a corrupção. Este é o dilema com que o governo se depara. Que fazer então? Achar um ponto de equilíbrio entre a obra necessária com corrupção mínima? (isto até parece uma negociação com a Mafia) Ou, numa política de responsabilização, confiar em homens providenciais aos quais dariam “carta branca”? Temos exemplos dos dois casos. O Plano de Povoamento Florestal foi uma obra burocratizada que correu bem. Pode discordar-se do Plano mas o que foi concebido foi bem realizado e nos prazos. Assim como a Expo ou o Europeu de Futebol que correram bastante do ponto de vista da execução. No caso de homens com “carta branca” para fazer, temos desde o Marquês de Pombal ao Fontes Pereira de Melo ao Duarte Pacheco e mais recentemente o Eng. Camilo de Mendonça. Já sei que o Eng. Camilo deixou as contas um bocado baralhadas mas na concepção e realização foi bastante bem sucedido. O descalabro financeiro podia ter sido evitado se tivesse sido monitorizado. Para um Luis XIV tem que haver um Colbert (podemos aprender com os erros, não?). Claro que chamar estes iluminados é correr riscos: 1º podem sair corruptos; 2º podem morrer a meio (Duarte Pacheco morreu e a obra ficou por ali, coisa que não acontece com a burocracia); 3º os iluminados podem não o ser, ou melhor, podem ser “iluminados não por Deus mas pela luz eléctrica” (O. Salazar).

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- OS LEDESMA - Família e Mobilidade: Gaspar Cardoso Monteiro

Voltemos ao patriarca António Ledesma e à sua segunda mulher, Maria Ferreira de Carvalho. É que, para além dos filhos que em Bragança viveram e usaram o sobrenome Ledesma, de que falamos, tiveram um outro filho que deu origem ao ramo familiar dos Monteiro Cardoso que viveram no Porto e se passaram a Lisboa, de onde fugiram para Londres. Vamos ver. João António Monteiro se chamou aquele filho de António Ledesma e Maria Ferreira Carvalho. Nascido no Porto, ali se criou, tornando-se um homem de negócio. Casou com Brites Ana, nascida no Porto, no seio de uma importante família originária de Torre de Moncorvo, que vamos apresentar. Gaspar Rodrigues e Ana Rodrigues, terão casado em Torre de Moncorvo, pelos anos de 1640. Tiveram uma filha que batizaram com o nome de Isabel Cardoso e que casou com Francisco Lopes, de Chacim. Na sequência de uma vaga de prisões da inquisição que assolou Moncorvo, o casal internou-se por Castela. Regressaram a Portugal, fixando residência em Freixo de Numão de onde passaram ao Porto, terra onde nasceu Brites Ana. Leonor Pereira foi outra filha de Gaspar e Ana Rodrigues, a qual foi casar em Almendra, terra de Ribacôa, com António Rodrigues Cardoso. Um filho deste casal chamou-se Luís Cardoso Pereira, (1) que, por 1685, casou com uma irmã de Brites Ana, chamada Isabel Cardoso, como a sua mãe, nascida em Málaga, por 1665. Josefa Micaela, uma filha de Luís Pereira e Isabel Cardoso, casaria com um filho de João Monteiro e Brites Ana, chamado Gaspar Cardoso Monteiro, que vamos acompanhar. Nascido na Invicta cidade, por 1695, Gaspar tornou-se mercador de feiras, ou mercador ambulante, comprando e vendendo o que lhe aparecia e que pudesse dar lucro, coisas tão diversas como: resmas de papel (fino e de embrulhar), fitas de cadarço, pentes de tabanica, tesouras com suas bainhas, meadas de retrós… Mas não hesitava em receber de uma freira um anel em penhora de 970 réis ou comprar uma carga de tecidos para vender em tenda sua, montada em qualquer feira. Sim, também se apresentava como profissional tendeiro e como homem que vivia de sua agência, ou de seu expediente. Repare-se que, na própria ordem de prisão, os inquisidores escreveram: - Gaspar, casado, que vendia algum dia fitas em caixas pelos conventos das freiras na cidade do Porto. (2) Era solteiro ainda, quando os pais se mudaram do Porto para Lisboa e o levaram a ele e aos irmãos. Mudança semelhante aconteceu com a família de Luís Cardoso Pereira e Isabel Cardoso, os sogros de Gaspar. De modo que o casamento deste com Josefa Micaela se realizou já em Lisboa. Para o casamento, Josefa levaria um dote de 150 mil réis que ficou de pagar um Fulano Miranda, médico, morador na Baía, que os devia ao pai da noiva, que no mesmo investiu, pagando-lhe o embarque e, possivelmente, mercadorias que levou para negociar no Brasil. Veja-se, a propósito como ele foi referenciado por Manuel Lopes, um judeu nascido em Torre de Moncorvo e circuncidado em Livorno, que o conheceu em Lisboa, por 1700: - Sinais de Luís Lopes Cardoso: alto, não muito gordo, seco, de cara larga e moreno, barba não muito farta, com brancas, olhos negros, cabelo negro com brancas, crespo e comprido, de 65 anos. E ouviu dizer que havia sido tratante muito rico e então estava pobre, que havia perdido tudo numa embarcação. (3) Falando do sogro e explicando a questão do dote, Gaspar disse que aquele “foi homem de grande negócio na cidade do Porto, onde quebrou e veio para esta de Lisboa”, no outono de 1698. E foi certamente já em Lisboa que nasceu Josefa Micaela, filha de Luís e Isabel, mulher de Gaspar Cardoso Pereira. Situemo-nos agora em Lisboa, ao findar do mês de Julho de 1725, quando a inquisição de Lisboa prendeu Gaspar Cardoso Monteiro, “por encobrir hereges”. Na verdade, os hereges em referência seriam os seus irmãos, (4) Rafael Cardoso (5) e Gabriel Lopes, e respetivas consortes, Micaela dos Anjos e Grácia Caetana, bem como a sua mulher Josefa Micaela e familiares desta, que todos tinham fugido para a Inglaterra, levando os filhos pequeninos. Metido no cárcere, logo na primeira sessão, Gaspar começou a contar que aos 15/16 anos, fora doutrinado na lei mosaica, por uma Leonor Soares que vivia no Porto, a S. João Novo e que a partir daí vivera como judeu, fazendo as cerimónias possíveis. Repetiu duas orações que Leonor Soares lhe ensinara e que são as seguintes: I - Desde onde nasce o sol Até onde se vai Bendito e louvado seja O nome do Senhor. II - Da boca de todo o nado Seja o Senhor bendito e louvado Da boca de todo o vivo Seja o Senhor engrandecido. (6) De suas confissões, transcrevemos apenas um extrato que nos refere a celebração do Kipur de 1716, em ajuntamento familiar: - Haverá 9 anos, em Lisboa, em casa de João António Monteiro, seu pai, viúvo de sua mãe, Brites Ana, natural do Porto e morador em Lisboa, onde faleceu, se achou com ele e com Micaela dos Anjos, casada com Rafael Cardoso, seu irmão dele confitente, natural do lugar de Mouta Velha, de onde se ausentou, não sabe para que terra; e com António Monteiro, irmão inteiro da dita Micaela dos Anjos, médico, que também se ausentou; e com seu irmão Gabriel Lopes; e com Brites, solteira, irmã inteira de Micaela dos Anjos; e com Josefa Micaela, mulher dele confitente, moradora em Lisboa, de onde, com a dita Brites, se ausentou deste reino (…) e estando todos 7, juntos fizeram o Kipur. (7) Como já se disse, logo que se viu preso, Gaspar começou a confessar suas culpas. Isso não impediu que fosse submetido a tormento, no decorrer do qual “gritou que Nossa Senhora lhe acudisse”. Saiu penitenciado em cárcere e hábito, no auto-da-fé celebrado na igreja de S. Domingos em 13.10.1726. Saído da inquisição, “granjeando a sua vida em vender algum papel por conventos”, com a mulher, o filho e quase todos os parentes estabelecidos em Inglaterra, naturalmente que Gaspar Cardoso apenas buscaria uma oportunidade para fugir também para aquele reino. Encontrou-a em uma terça- -feira de Maio de 1727, quando um castelhano, morador em Lisboa, chamado João Alonso, contactado por judeus portugueses estabelecidos em Londres para fazer embarcar familiares seus, de Portugal para Inglaterra, a partir de Lisboa, o meteu num barco, no porto de Santarém, com destino a um navio inglês que esperava no mar, fora da barra do Tejo. Entre os fugitivos, seguia a mulher e uma filha de Francisco de Campos, originárias de Vila Nova de Fozcôa. Vejam o relato feito pela filha, Violante Campos: - Passado algum tempo, he deu o dito castelhano parte de que se preparassem porque tinham navio pronto para Inglaterra; e lhe entregaram o seu fato, que o dito João Alonso fez embarcar no dito navio e na terça-feira seguinte se meteram em um barco, para dele se passarem ao dito navio; porém, por estar o mar muito bravo, o não puderam abordar, sem embargo de que foram até fora da barra no dito barco e nele voltaram para a dita cidade no dia seguinte e o dito navio se foi, levando-lhe o dito fato. E declara que no dito barco iam também para embarcarem no dito navio várias pessoas (…) outro chamado Gaspar e outro cujo nome não se lembra, Brites Lopes… (8) O Gaspar referido por Violante era o nosso homem que, preso em 5 de Junho seguinte na inquisição de Lisboa, por “tentar fugir para Inglaterra”, inventou uma desculpa bem esfarrapada. Vejamos: - Disse que quando embarcou, se persuadiu que as ditas pessoas iam fazer alguma galhofa ou romaria; e neste conceito esteve até que, com as mesmas, chegou a Porto Brandão aonde, perguntando ao dito João Alonso que galhofa era aquela e para onde iam, o mesmo lhe disse que aquelas pessoas iam para uns parentes, sem lhe declarar para que parte; o que ouvindo ele declarante, se queixou (…) e desejou achar barco para voltar logo para esta cidade… (9) Claro que os inquisidores não acreditaram, observando-lhe que certamente iria para junto da mulher e do filho. Aí ele respondeu que não, que “à dita sua mulher lhe faltara fé no matrimónio e por a dita culpa e mau procedimento fora para o dito reino, fugindo dele declarante (…) e de nenhuma sorte havia de ir para a sua companhia”.