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Política da mão-fechada, da mão-rota e da mão estendida

A actual situação portuguesa é por demais deprimente. Tal não tem só a ver com a pandemia muito embora seja esta a razão principal. É deprimente porque os portugueses temem que Portugal esteja a caminhar para o abismo, com a democracia refém da dita esquerda, estrangulada pela mão-fechada do PS, manancial de nepotismo e corrupção, pelas mãos-rotas demagógicas do BE e do PCP, que acenam freneticamente a Cuba e à Venezuela, para não ir mais longe, e a mãozinha do PAN que esbraceja tentando não se afogar. Com a desdita direita, mais precisamente PSD e CDS, de mãos atadas, e os proscritos Chega e IL de dedos em riste a apontar não se sabe bem para onde. Não é de estranhar, por isso, que cada dia haja mais portugueses de mão estendida a pedir socorro e que um número muito significativo já não hesite em estender o braço direito. A situação é deprimente porque o Presidente da República se converteu num professor e comentador político arvorado em ministro de estado da propaganda, alienando o fundamental da sua missão. Presidente da República que é um engano porque o povo se enganou quando nele votou, como o próprio povo o testemunha nas redes sociais, de forma massiva, espontânea e livre. É deprimente porque o primeiro-ministro, que anda em campanha eleitoral permanente, mais uma vez dá mostras de não ser capaz de coordenar devidamente o Governo, como aconteceu nos trágicos incêndios florestais de 2017. É deprimente porque os cofres do Estado sangram abundantemente por força de sorvedouros como o Novo Banco e a TAP, outros virão, que os políticos não sabem ou não querem estancar, enquanto a Administração Pública cada vez mais se enreda nas teias da mais insidiosa corrupção. É deprimente porque a União Europeia se mostra perigosamente desunida e descoordenada perante ameaças fatais como a pandemia e o fundamentalismo islâmico, sendo este o problema fulcral da imigração. Imagine-se o que seria se um conflito militar generalizado eclodisse. É deprimente porque o que se conhece do Plano de Recuperação da Economia indicia que a hegemonia asfixiante de Lisboa & Monopólios prevalece e as potencialidades agropecuárias, hídricas, ecológicas e turísticas do Interior em geral e de Trás-os- -Montes em particular irão continuar deprimidas. Deprimente é o ambíguo distanciamento, dito social, que não deveria ser social nem colectivo, mas antes individual e pessoal, devendo as colectividades, as escolas e as empresas continuar operativas, produtivas e solidárias. As pessoas é que que devem ser protegidas individualmente, por quem de direito, e se devem proteger mutuamente. Com este sinistro distanciamento social mais os políticos se distanciam do povo, os trabalhadores das empresas, os alunos das escolas, os pobres dos ricos e as famílias dos seus membros. Talvez seja isso mesmo que pretendem os ideólogos do distanciamento social ainda que o não confessem. Deprimente, sobretudo, é perceber que os políticos continuam a tomar os portugueses por estúpidos e carneiros, por labregos que comem tudo que lhes põem no prato. Uma coisa é certa: Portugal apenas sobreviverá com verdade, democracia verdadeira, muito patriotismo e justiça exemplar. O que implica políticos patriotas, honestos e competentes.

Haja ventura

Escrever para um jornal é ter a dita de partilhar pontos de vista sem outra pretensão que não seja o questionamento da realidade, pese embora se esteja sujeito ao escrutínio público e ao respeito pelos valores da liberdade de expressão por parte de quem nos lê. Por este facto, e tendo já ultrapassado em larga medida a meia centena de textos publicados neste jornal, aproveito este parágrafo para demonstrar o meu reconhecimento, à gerência do NORDESTE, ao seu diretor e aos leitores que me leem, sobretudo, aos que manifestam o seu ponto de vista da forma que mais lhe apraz. Nos dias que correm, que mais poderiam ser chamados dias do avesso, qualquer cidadão se confronta com a necessidade de fazer opções na sua economia diária já que o orçamento familiar tem de ser gerido de acordo com os objetivos e as finalidades que se pretende atingir. No entender de quem não é economista, o mesmo princípio deveria ser aplicado à gestão da coisa pública, sendo que, sistematicamente, se verifica o contrário, dando a impressão de que o Estado passou a ser governado por privados que, em tempo de vacas gordas o hostilizam e em época de vacas magras se agarram obstinadamente às protuberâncias que os alimentam. Está a ser assim com o Novo Banco, já o foi em 2008 com o BPN e já se prepara um novo sorvedouro de fundos públicos com o apoio à TAP. Neste caso, penso que a opinião pública deveria ser esclarecida sobre as razões que levam o executivo a querer manter uma companhia de bandeira que não deu lucros enquanto estatal e continuou a dar prejuízo quando privatizada. Dos especialistas já se ouviram comentários que apontam para a necessidade de haver uma companhia área nacional porque deste modo se podem definir as rotas que estão em linha com os interesses estratégicos do país. Até a necessidade de salvar postos de trabalho diretos já foi referida. Independentemente dos motivos evocados, nas últimas décadas somos confrontados com a necessidade de capitalizar empresas e bancos, colocando sobre o estado uma pressão financeira que não lhe permite continuar a suprimir as necessidades efetivas não de um sector mas de uma nação. Se se considerar que um estado democrático tem o dever de zelar pelo bem-estar de todos em áreas fundamentais como a saúde e a educação não vai ser possível dar resposta aos desafios quando se observam desvios de fundo para áreas que não sendo fundamentais passaram a ser consideradas essenciais, sabe-se lá porquê. Nesta conjuntura onde o cidadão comum está longe de entender os critérios que ditam determinadas opções que de pontuais se tornam sistemáticas, é compreensível que cinco cidadãos, dois deles ex-candidatos à presidência da República e um presidente da Associação Transparência e Integridade, tenham endereçado uma carta ao presidente da Assembleia da República no sentido de se analisarem os conflitos de interesse que subjazem ao exercício do cargo de deputado. De acordo com a missiva, quem consultar o site do parlamento, constata que o conflito de interesses real, potencial ou, pelo menos, aparente é uma realidade tanto nesta como em outras legislaturas. Os subscritores elencam uma série de exemplos, concluindo que na dupla condição de deputados e empresários, os parlamentares não só têm acesso a informação privilegiada, como estão em condições de condicionar a legislação em função de interesses pessoais. Ora, a não satisfação das necessidades básicas da população por falta de liquidez conduz, inevitavelmente, ao aumento de impostos até ao limite das possibilidades. A exploração mediática destas situações pouco claras, por sectores mais radicais, abre caminho ao populismo e à emergência de lideranças que se apresentam acima de qualquer suspeita. Por isso não é de estranhar que o partido liderado por André Ventura tenha atingido os índices de popularidade já que nas suas medidas parece querer combater aqui que para outros são apenas males da democracia. Seria de todo conveniente que este partido com assento parlamentar conseguisse implementar uma das medidas que propõe: “a obrigatoriedade da exclusividade no exercício do mandato de deputado.” Contudo, tal como no PAN que combatia os recibos verdes quando também ele tinha funcionários nessas condições, também o CHEGA tem uma liderança que integra a Comissão de Orçamento e Finanças e, ao mesmo tempo, trabalha para a consultora Finparten, subsidiária de um grupo da área do planeamento fiscal – que, segundo Paulo Batalha, aos microfones da TSF se dedica a ensinar aos seus clientes como fugir do radar das finanças. Face ao exposto, e vendo os caminhos da nossa democracia, resta exclamar: “Haja ventura!”.

Um disperso de Pascoaes

No VI volume das Obras Completas de Teixeira de Pascoaes. Poesia, editadas por Jacinto do Prado Coelho (Amadora, Livraria Bertrand, s. d.), a escolha final de Dispersos assenta nos que «pareceram mais significativos da arte de Pascoaes e de algumas suas preocupações de circunstância, como as provocadas pela guerra de 1914-18» (p. 169). Ora, sobre a Primeira Guerra só vemos quatro, de 1915 e 1916; porque não representar o ano de 1917, quando a nossa presença é diariamente noticiada, por causa de, ou interpostos, vultos da escrita, combatendo no centro da Europa? Um desses nomes fora celebrado por Pascoaes no “Inquérito literário” de Boavida Portugal (1912), de cuja reprodução em livro cito: «Nem quero mesmo referir-me aos dois maiores poetas europeus – Guerra Junqueiro e Gomes Leal. // Basta-me falar de António Correia de Oliveira, Jaime Cortesão, Afonso Lopes Vieira, Mário Beirão, Augusto Casimiro, Afonso Duarte, e, depois destes, dos novíssimos poetas, Carlos de Oliveira, Augusto Santa Rita, Afonso Mota Guedes. Eis uma vasta seara espiritual dadivosa e prometedora dos mais belos frutos. Estes poetas criaram em Portugal uma poesia profundamente portuguesa e original. Eles bebem a sua inspiração no mais intimo veio religioso da alma lusitana, criadora da Saudade, a Virgem do Desejo e da Lembrança, nascida do casamento do Paganismo com o Cristianismo.» (1915: 30-31) Descobre o leitor quem, assinalado como poeta, é, em tempo de guerra, dedicatário de um inédito de Pascoaes, que devera ter entrado nos Dispersos? Em 25 de Abril de 1917, o ‘diário republicano da noite’ A Capital dava, a meio da primeira página, “Canção heroica”, que, a não entrar além, pudera comparecer em reedição de Terra Prometida, onde constam as mais variadas canções: Canção crepuscular, Canção triste, Canção da minha sombra, etc., num total de 16 canções. “Canção heroica” é dedicada «(A Augusto Casimiro – Ao Poeta e ao Soldado)», um tenente das relações, também, do militar Raul Brandão, citado em O Pão não Cai do Céu, de Miguéis, e nome a redescobrir. Transcrevo oitava e décima dentro de quadra-refrão: «Já por milagre de Deus, /Aurea canção repentina / A negra noite ilumina / E os negros céus! // E o vulto da nossa imagem / Das penumbras da paisagem / Ergue-se, emfim, com firmeza / Revivendo, / Avultando em alegria, / Sendo elle, combatendo / Contra o medo, a cobardia, / A vil tristeza! // Eil-o a santa Heroicidade! / Esta divina vontade, / Suprema força de ser! / Este desejo infinito / De em bronze eterno e granito, / Além da morte, viver! / Esta offerta sublimada / Da nossa vida exaltada / A outra vida mais perfeita: / A Patria eleita!... // Já por milagre de Deus, / Aurea canção repentina / A negra noite ilumina / E os negros céus!»

Esta língua faz magia

Boas tardes, boa gente. Espero que se estas palavras vos encontrem bem de saúde. Há alguns meses celebrou- -se o primeiro dia mundial da língua portuguesa decretado pela UNESCO, um acontecimento com a dimensão e com o destaque possível nestes tempos em que andámos entregados ao domicílio, mas um motivo de reconhecimento da grandiosidade deste bem que o mundo partilha e através do qual pensamos e comunicamos. É a diversidade que vive dentro desta língua - parece que agora se recuperou o termo “mestiçagem” - a sua maior riqueza e um dos seus mais belos traços distintivos. As culturas e as nuances que a constroem e se espalham por quase todos os recantos do mundo. Um bem haja a esta língua que de longe até aqui chegou e tanto nos conta. Uma língua capaz de expressar e misturar de tudo um pouco, revelando desde os seus aposentos o clássico e o tropical, o mar e o deserto e gentes de toda a natureza. Uma língua que germinou outras e deixou prole, desde os crioulos do ocidente africano aos da Índia e do sudeste asiático, do patuá de Macau ao papiamento das antilhas caribenhas. Uma vez em Madrid conheci um pessoal da ilha de Curaçao, a norte da Venezuela, aquela malta toda loirinha e neerlandesa a falar um crioulo tão familiar e cheio de português pelo meio. Gente muito boa. Outra vez em Montenegro encontrei um sérvio que me dizia entender português se eu falasse devagar e a questão é que entendia mesmo, explicou- -me depois que era por causa de como nós ter crescido com as telenovelas brasileiras lá por casa. Incrível. Em Malaca, das profundezas da identidade dos povos uma senhora de sua bonita idade a trocar boas tardes num suave português dentro das ruínas de uma igreja com vista para o estreito. Em Lisboa um chinês com o genuíno português do Porto. Em Cantão um chinês com o autêntico português de Luanda. Em Xangai uma chinesa com o português mais paulista de São Paulo. Em Macau, por vezes ainda se apanha o patuá a andar pelas ruas, uma mistura de português com cantonês, mandarim e contributos de muitas outras línguas do sudeste asiático. A língua portuguesa tem tantos filhos, tantos mundos que nem nos passa pela cabeça. Até tem o “amazonês” que é quase a sinopse da própria língua portuguesa. Qualquer professor que ensine português fora recordará muitos motivos não tão evidentes que levam pessoas a estudar esta língua. Teria inúmeros para referir uma vez que aqui já trabalhei com público de muita natureza, desde trabalhadores de empresas em vias de ir para Angola, Moçambique ou Brasil, a crianças para se juntarem a familiares em Portugal, ávidos colecionadores de línguas, até a pessoal dos vistos dourados. Normalmente é pelo futuro profissional ou por razões familiares, mas por entre as motivações que trazem pessoas para a língua portuguesa menciono três: uma aluna que foi atrás do português porque tinha como ídolo o piloto brasileiro Rubens Barrichello (!); uma aluna que queria o português para ler Fernando Pessoa no original (não é das motivações mais inusitadas); um aluno atraído pela figura de Vasco da Gama (faz parte do currículo de história do ensino secundário chinês). Acrescento outra. Recentemente, procurou-me uma jovem que depois de acabar a universidade decidiu tirar um ano sabático para aprender português. Durante um ano tivemos aulas quase todos os fins de semana, ao fim do qual com enorme preseverança, até porque além desta família não tinha mais ninguém com quem praticar português, conseguiu a certificação que lhe permitiu aceder ao mestrado que agora frequenta em Lisboa. A motivação dela para tudo isto? Agir. A pancada que a ligou à língua portuguesa foi uma amiga lhe ter apresentado as músicas do Agir. Ficou tão apaixonada ou grudada nas músicas do Agir, mesmo sem entender as letras na altura, que acabaram por lhe desviar a vida para a língua portuguesa e depois para Portugal. Não é só por causa do valor económico e etc., muitas vezes a magia nasce do nada, de um acaso que como outros tornam os dias e as vidas tão mais únicas e saborosas. Lançando-me o desafio de escolher um de entre os insignes operários da língua portuguesa para assinalar a data e estando eu a lançar frases para um jornal, faço referência à figura do multi-facetado Millôr Fernandes, prolífico cronista brasileiro, mas também ilustrador e dramaturgo, sendo acima de tudo um dos grandes buriladores das palavras da língua portuguesa para a qual contribuiu com a sua genuína mordacidade com uma série de tiradas antológicas. Relembrei-o um dia destes ao cruzar-me com a frase “viver é desenhar sem borracha”; e outras acabei por ir pesquisar como “família é um grupo de pessoas que tem a chave da mesma casa”; “com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado.” O cardápio de inspiração e humor perspicaz é abundante. Nesta língua cabe Millôr e cabemos todos porque todos, consagrados e deslembrados, a produzimos e transformamos. Saúde para a língua portuguesa, para os que a falamos e para os que a ela se virão juntar!

Lembranças com cheirinho a fruta e flores da moda

Há coisas que, com o tempo, começam a parecer-nos como aquelas embalagens de óleo corporal de usar no banho - com o uso, o rótulo começa a encaracolar nas pontas, o que nos leva a desconfiar da integridade do conteúdo. Temos sempre a opção de retirar o rótulo. Arrancar tudo de uma vez. Mas depois fica a dúvida. Será que deixarmos de ver o rótulo nos vamos esquecer do que está dentro do frasco? Que vamos deixar de saber que se deve usar com a pele molhada? Então optamos por deixar tudo como está, até que, eventualmente, acabe por cair sozinho. E aí não sentiremos qualquer culpa, porque não tivemos responsabilidade no que aconteceu. Obviamente que algumas coisas são mais do que um frasco de loção para o corpo. Quando muito, seriam uma loção para alma. E mesmo que ficassem desbotadas e não tão bonitas como no início, certamente não seria motivo para descartar. O que é certo é que o tempo tem o poder de apagar, ou pelo menos, acalmar. Tudo. O tempo dissolve as coisas. O que dói fica só a ser um sentimento pequenino de incómodo, como uma cicatriz de uma ferida em que tivemos que levar pontos. O que era uma euforia transforma-se num sorriso agradável de uma lembrança boa. O que não teve importância fica difuso ou omitido. As dores, os desejos, as alegrias. Tudo começa por ser um frasco de loção muito bonito, com óptimas características. Até que a água quente dos banhos vai transformando, em algo que, apesar de ter a forma inicial, já não é o mesmo. Mas há coisas que a memória teima em guardar. Como aqueles sabonetes especiais que nos dão nos anos e que ficam para uma ocasião especial, que nunca chega. Mas ficam lá. Intactos. Vamos limpando o pó, colocando num sítio mais à vista, não vá surgir uma oportunidade de finalmente usar. Já outras memórias são como um incêndios de grandes dimensões que precisasse de vigilância constante. Porque basta uma faúlha para tudo voltar a arder, e às vezes até com mais intensidade. O que não esquecemos é aquilo que nos marca, às vezes sem o sabermos. Porque, de algum modo, prende as nossas energias. Para o bem e para o mal. Pensei em tudo há uns dias enquanto fazia mira ao meu óleo corporal com cheirinho a fruta e a umas flores da moda. Está a mais de meio, e começa a descascar. Depois, quando acabar, gosto tanto que vou comprar uma embalagem novinha em folha. E vou esquecer-me de quantas embalagens tive daqui a algum tempo. As memórias também ficam em tantas embalagens que deixamos de nos lembrar delas. A forma, do tamanho. Mas elas estão ali. Não sabemos quantas são. Todos os dias vão crescendo e acumulando. E vamos armazenando. Vão mudando de forma, de feito, até de cor. Mas, um dia, esses frascos vão começar a cair das prateleiras. Vão começar a partir-se à nossa frente e a libertar o seu conteúdo. Algumas poderão ser deliciosas. Outras dolorosas. Outras, uma surpresa. E se as memórias não param de nos assaltar, podemos dar-lhe uma nova forma, como a embalagem sem rótulo mas totalmente funcional. Ou podemos ir mais longe e criar novas memórias ligadas às memórias que já temos. Porque, afinal, se que nos continua a assaltar o pensamento é porque não pertencem ao passado.

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos- Manuel Lopes, um judeu do tempo da inquisição - 11

Em 1700, depois de conseguir o contrato do tabaco na província de Salamanca, por qualquer razão que Luís não conseguiu explicar, o tio João Dias Pereira abandonou Castela e regressou a Portugal, com toda a sua família. Possivelmente foi o medo de ser preso pela inquisição de Castela, o que seria extremamente grave para Guiomar Lopes que, aos 15 anos, passara pelas celas da inquisição de Valhadolid. Na altura era ainda solteira, tal como a sua amiga e companheira de prisão, Ana Maria Vilhena, filha de António Ramires, a qual, quando cumpria a pena nos cárceres da penitência, casou com o também prisioneiro e penitente, Gabriel de Sola. (1) Aliás, a relações entre a família de João Dias Pereira e a dos Ramires ficou patente no casamento de Luís Lopes. Para além disso, chegou a ajustar-se o casamento de Manuel, filho de João e Guiomar, com Maria Rodrigues, filha de Josefa Ramires. E seria por ver prender novamente Ana Maria Vilhena e Gabriel Sola pela mesma inquisição, que Guiomar Lopes e João Dias Pereira se resolveram abandonar Castela e regressar a Portugal. Aliá, tempos depois, “os inquisidores de Lisboa mandaram executar os decretos de prisão que vieram da inquisição de Valhadolid, contra João Dias Pereira, sua mulher, Guiomar Lopes e seus filhos Manuel Dias Pereira e Pedro Dias Pereira”- como se lê no processo de Guiomar. Luís Lopes ficou então por sua conta e risco com o estanco de Benavente, acompanhado pela mulher. E também ele, em 31 de Dezembro de 1701, seria preso pela inquisição de Valhadolid. Depois, não sabemos o que lhe aconteceu. Do processo instaurado pela inquisição de Lisboa a Diogo Lopes Marques, consta parte do processo de Luís Lopes Penha, recebida de Valhadolid. Daquele processo retiramos a seguinte oração, que Diogo e Luís rezavam pela manhã, ao levantar: - Bemdita la lux del dia e el Senhor que nos la imbía para nos dar pax e alegria e saber e entender para depues de morirmos bolbermos a aparecer neste mundo de claridade. Amen. (2) E uma outra, que rezava a qualquer hora do dia: Ó alto Diós grande Senhor creador del universo; Senhor a Ti me confesso por muy grande pecador; en errar perdon Te pido, no me des lo que yo meresco, dademe ajuda Y favor que promittiste a Daniel: la venida del Messias cumprase en nuestros dias; mandadenos el mensageiro que nos saque del captiveiro e yo e toda a gente viva en gloria del Senhor. Amen. (3) Voltemos então a Bragança aos anos de 1696, ao encontro de Manuel Lopes, que morava com o irmão João Ventura, tecelão de sedas, ofício em que Manuel foi também metido a aprender, durante “coisa de ano e meio”. O mestre, muito provavelmente seria Manuel da Costa, sogro de seu irmão Luís Lopes. Sobre aquele mestre, que depois se mudou para Lisboa, acrescentou Manuel Lopes: - O dito Manuel da Costa ensinava a tecer em Lisboa como tem declarado e foi em Lisboa seu mestre tecedor. (4) Estamos então perante um agregado familiar inteiramente dedicado à produção de fio e panos de sedas. Vejamos, a propósito dessa produção, e comércio dos produtos, em articulação com Lopo da Mesquita, o testemunho de Manuel Lopes: - Por muitas e repetidas vezes foi ele confessante a sua casa por seda para que a tecessem em diferentes telas os ditos João Ventura e Luís Lopes, seus irmãos, e Manuel da Costa, sogro de Luís Lopes. E, tecidas as telas, devolvia-as e entregava ao dito Lopo da Mesquita, homem rico. E entre as coisas que tratava era uma em seda de pelo para fazê-la tecer em diferentes ocasiões. (5) Cumpre dizer que o negócio das sedas de Lopo de Mesquita passava também pelo Porto, onde estava o seu irmão Salvador Pimentel que as vendia para diversas partes, no país e no estrangeiro. (6) Recordam-se de Pedro, um jovem de Bragança que andou em Lebução aprendendo o ofício de torcedor de seda com o mestre Jerónimo Álvares? Certamente que aquela não foi a única escola/oficina que frequentou, como diria Manuel Lopes: - Ouviu dizer que o dito Pedro que tinha aprendido o ofício de torcedor na cidade de Bragança, em casa de Lopo de Mesquita. (7) Também o Pedro tecia obra para Lopo da Mesquita e a ligação dos irmãos Lopes Pereira com ele era estreita e a razão não era apenas profissional mas também familiar. É que, a mulher de Pedro chamava-se Isabel e era “algo parente” de Manuel Lopes e seus irmãos. Com Pedro e Isabel vivia uma irmã desta e sobre a morte daquela, Manuel Lopes contou: - Depois de estar um ano em Bragança, morreu a dita Isabel e soube pela sua irmã e pelo dito João Ventura Lopes que estando perto da morte, pediu ao dito Pedro, seu marido, que envolvesse seu corpo em um lençol novo depois de morta e que assim havia feito, e ele confitente a viu defunta e lhe tinha posto o hábito de S. Francisco e debaixo o dito lençol novo, cerimónia que estilam (costumam) os judeus. (8) A propósito, Manuel aproveitou a oportunidade para falar dos ritos mortuários entre os judeus, contando aos inquisidores: - Quando esteve em Livorno, viu que os que morriam judeus os lavavam com água quente de rosas e outras ervas e lhe quebravam um ovo na cabeça e a limpavam e lavavam com a dita água e lhe cortavam as unhas e, envoltos em um lençol sem estrear e os metiam em uma caixa.(9) Ficando viúvo de Isabel, Pedro casou com a cunhada e foram-se para Itália, onde Manuel Lopes os encontrou, tendo já um filho de 4 anos “e o dito Pedro seu pai o ia levar à escola da sinagoga onde o viu muitas vezes”. Outros parentes mais afastados que Manuel Lopes conheceu em Bragança foram os irmãos Alexandre, Domingos e Manuel da Costa Miranda, primos segundos de Lopo Nunes Ferro, que o criou em Lebução. Mais tarde, quando Lopo Nunes e Isabel Cardosa, sua mulher, saíram da inquisição de Lerena e ali cumpriam a sua penitência, eram aqueles parentes de Bragança que lhe enviavam socorro para se sustentar. Estes 3 irmãos eram filhos de Isabel Nunes e Domingos da Costa. Manuel Lopes voltará a encontrá-los em Lisboa, onde serão presos pelo santo ofício, em 1703. (10) Como encontrará outros mais “judeus” que conhecera em Bragança.

Presidente do Sendim garante Forneiro para o comando técnico e critica o avançado Henrique Almeida

Seg, 20/07/2020 - 15:23


A informação foi avançada ao Nordeste por André Xavier, presidente do clube do concelho de Miranda do Douro, que considera ser uma boa aposta. “É um treinador que eu, pessoalmente, não conhecia, mas vejo nele uma pessoa com a qual toda a gente gostaria de trabalhar”, disse.