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Vendavais Obesidade mental

Sabemos bem que a obesidade, tão falada nos últimos tempos e olhada como causa de variadas doenças é excesso de gordura física devida a uma alimentação desregrada, mas não só. Há outros tipos de excessos que conduzem aos excessos físicos.

As notícias que hoje circulam tão rapidamente, alertam-nos para os perigos da obesidade, contudo, as próprias notícias são, por si só, tantas e tão alarmantes que são o exemplo da própria obesidade informativa.

É altura de notarmos que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que os decorrentes da obesidade física. A nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares comuns que de hidratos de carbono.

As pessoas viciam-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos e condenações precipitadas, de tal modo que todos têm opinião sobre tudo, mas conhecem pouco ou nada sobre as coisas. E isso parece não interessar muito. A opinião é livre.

Os jornalistas são hoje os “cozinheiros” da “fast food” intelectual e, os comentadores, editores e filósofos contribuem para isso. Dizia alguém, com prioridade, que os telejornais e as telenovelas são os hambúrgueres do espírito e as revistas os donuts da imaginação. Cada vez é mais verdade. Uns pela informação doentia e outros pela informação viciante.

Embora se queira escamotear a situação e dar outras justificações para tudo, o problema central de toda esta panóplia calamitosa está na família e na escola. A verdade é que qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem só doces e chocolates! Engordarão imenso se comerem só hambúrguers. É pois urgente que se informem sobre o que não se deve comer, ou sobre o que não se deve fazer. A sociedade é um palco enorme e complexo, tão mais complexo pela diversidade e quantidade de pessoas que nele contracenam. Então não se entende como é que tantos educadores aceitem que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas para não falar do uso excessivo do telemóvel. Com uma alimentação intelectual tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, como é que os jovens vão conseguir uma vida saudável e equilibrada?

Quando nas escolas se mencionam disciplinas curriculares como Educação para a Cidadania, leva-nos a equacionar o porquê de querer transmitir aos jovens como comportarem-se na sociedade, quando ao lado, mesmo os pais, lhes deixam espaço para a controvérsia comportamental.

A informação que se transmite tem que ser racionada, no bom sentido, no sentido positivo da realidade. Ora os jornalistas alimentam-se quase só de detritos de escândalos e de restos mortais das realizações humanas. A imprensa não informa, seduz, agride e manipula. Só a parte morta e apodrecida da realidade, chega aos jornais ou são por eles transmitidas. O importante, o cerne das questões, não interessa. Todos sabem que J.F. Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi ele; todos sabem que a capela Sistina tem um teto lindíssimo, mas não sabem para que é que ele serve; todos acham que Saddam Hussein foi mau e que Mandela era bom, mas nem desconfiam porquê; todos ouviram falar de Pitágoras e do seu célebre Teorema, mas ignoram o que é um cateto. Ou seja, as realizações do espírito humano estão em decadência. Perdem importância.

De tudo isto resulta o quê? É simples. A família é contestada, a tradição é esquecida, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda e a arte é fútil e paradoxal. Em contraponto, floresce a pornografia, a imitação e o egoísmo. O âmago de todas as questões, não interessa. O que importa é a superficialidade das coisas. Interessa o quê e não o porquê. É quase uma falsidade compulsiva o que nos chega todos os dias, quer como informação, quer como saber.

É tudo uma questão de obesidade. E não é física. É mental.

O homem moderno está adiposo no raciocínio, nos gostos e nos sentimentos. O mundo precisa de uma dieta mental urgente.

Dos livros e dos escritores transmontanos

Nunca se escreveram tantos livros e nunca se leu tão pouco como atualmente. Esta é a minha convicção, sem nenhum rigor de análise, somente pela observação do que se passa à minha volta. A oferta de livros é imensa, a compra reduzida. Há os que compram livros por que gostam de ler, de se informar, pela paixão, pelo romance, pela beleza do poema, pela curiosidade de descobrir o mistério que envolve as palavras na ficção, ou no rigor científico. Há os que compram livros na esperança que um dia vão ter tempo de os ler, ou então, pelo prazer bizarro de enfeitar a estante para dar um ar de intelectual e de interesse pela cultura. Infelizmente o Espírito Santo já não desce do Céu em línguas de fogo, portador do conhecimento e do dom de falar todas as línguas e os livros permanecem na estante adiados, inúteis, acumulando pó e traças nocivas.

Longe vai o tempo em que publicar um livro era uma epopeia. Ou se recorria à edição de autor, pagando este o custo da edição e fazendo a divulgação e venda do mesmo, ou então esperava tempos infindos que uma editora se desse ao trabalho de apreciar a obra e na maior parte das vezes não mostrar qualquer interesse pela sua publicação.

Felizmente ainda existem algumas editoras que perseguindo o lucro, o que é normal, se interessam também pela promoção da cultura. E há mesmo editoras que privilegiam os autores transmontanos, sendo já um mercado interessante.

Mas hoje surgiu um novo conceito de editora, ou melhor de comércio do livro, sem as ditas editoras correrem qualquer risco na edição que é o mesmo que dizer, é tudo lucro.

O autor manda o seu original para as referidas editoras. Passados, não mais de dez dias, recebe uma carta informando que a sua obra foi considerada de interesse e mérito e se insere na linha editorial. O autor rejubila, pois finalmente a sua criação literária foi reconhecida. Honra ao mérito! Só que passado mais algum tempo recebe outra carta informando que afinal, para a sua obra ser editada, tem que comprar um número significativo de exemplares. Resumindo, o autor com a compra que efetua, paga a edição do livro e a editora recebe o lucro sem qualquer risco. Consumado o negócio a editora manda imprimir os livros que o autor irá comprar e presumivelmente mais alguns para a distribuição sem se saber bem a que livrarias chegam.  

Por outro lado, salvo raras exceções, cada vez se torna mais difícil a um autor do interior do país, conseguir colocar os seus livros nas grandes livrarias, ou nas grandes superfícies, mesmo à consignação, porque o espaço custa dinheiro. No caso de Bragança, só em duas, ou três livrarias tradicionais se encontram os livros de muitos autores transmontanos. Então nos CTT que também vendem livros, nem pensar encontrar um livro dos escritores da região. O curioso é que os CTT e as grandes superfícies arrecadam as divisas dos transmontanos, mas pouco contribuem para a divulgação e promoção da cultura regional.

O mesmo se passa com as televisões. Nos programas mais populares da manhã, ou da tarde, com frequência aparecem escritoras e escritores, muitas vezes da “linha de Cascais” que é o mesmo que dizer, os conhecidos doutras águas, a apresentar o seu livrinho de autoajuda, ou biografia, com grande divulgação e com a promessa de voltarem em breve a falar do sucesso editorial. E verificamos, com desagrado, que raramente aparece um escritor transmontano no pequeno ecrã, embora felizmente haja tanta gente a escrever muito bem. E assim vai a coesão do país em que o interior profundo morre paulatinamente afagando promessas. O ministro e o secretário de estado, como lhe compete, visitam a região, apreciam a gastronomia, a cultura, a hospitalidade transmontana, os recursos endógenos e deixam promessas de combate às assimetrias regionais. E nós, pacientemente, esperamos que assim seja. Estamos cansados de ouvir alguns pseudointelectuais da capital e arredores referirem-se à província, com um sorriso palerma, como se fosse o lugar do fim do mundo, onde o homem das cavernas, timidamente, começa a ver a luz da civilização, argumentando que a falta de população não justifica o investimento. Coitados! A ignorância é atrevida. Como diz Fernando Pessoa: “É a hora!”. Transmontanos, é a hora!

De Bragança a Lagarelhos

A pretexto de prestar justa homenagem a Graça Morais, a propósito dos dez anos do Centro de Arte Contemporânea a que por rigorosa justiça de reconhecimento, a Câmara Municipal de Bragança, deu o seu nome.

A menina muito bela, de cabelos louros, precocemente admirada pela perfeição dos seus desenhos, que ao tempo ia oferecendo à legião de admiradores, deu lugar à artista universal salientando as hierofanias do terrunho onde nasceu e viveu, na sua radiante evidência nos rostos, nos corpos, nos recônditos pormenores, a exigirem conhecimentos simbólicos a fim de pensarmos o pensamento da pintora desde a figura tutelar da Mãe, até à suavidade do encantamento maternal por um lado, musical por outro. O sofisticado Ludovico Dolce gostaria de contemplar quadros da aluna do Liceu Nacional de Bragança (Emídio Garcia), interna na Casa do Arco, atenta ouvinte do Doutor Francisco Videira Pires, nascida no Vieiro, aldeia do concelho de Vila Flor.

A Graça, como habitualmente fez o favor de me enviar um e-mail a dar conta da substanciosa efeméride, passei a mensagem ao meu Amigo Bártolo Paiva Campos e a Mulher Anne-Marie, os dois reputados psicólogos amantes e atentos observadores das Artes, por isso vieram a Bragança. Chegaram antes do Presidente da República, por isso mesmo ao entrarem no Centro disseram-lhe estar o Templo das Musas reservado ao Supremo Magistrado da Nação, tinham saído cedo do Porto, a hospitalidade bragançana torneou o protocolo, lavaram os olhos, aguardaram pela minha chegada, convidaram-me a partilhar mesa no restaurante Dom Roberto, onde degustámos várias especialidades de charcutaria de fabrico próprio, ainda leitão assado segundo o cânone transmontano. O sempre amável e prazenteiro Sr. Alberto Fernandes, Alberto para amigos e conhecidos, explicou a génese do leitão bísaro, o bacorinho foi ao fogo e recebeu-o tal como deve ser a religião – nem demais, nem de menos – assegurava um ladino liberal Bispo de Viseu, nos idos do século XIX, comparando o credo religioso ao sal.

A forma que encontrei de acrescentar valor (para lá da economia dos economistas) ao pós prandial levou-me a sugerir visitarmos Lagarelhos, terra dos prodígios, onde possuo uma casa herdada pela via maternal, cujo restauro e protecção o meu parente Teófilo Fernandes faz o favor de assegurar, alargando a tarefa à Cândida, sua mulher, e à filha Rita prestes a elevar o Teófilo à condição de avô.

Logo na saída de Bragança para Lagarelhos sobressaía uma paisagem pontilhada de verdes, exuberantes, o Inverno tardio praticou esplendorosa acção, aqueles verdes, fatalmente, teriam de impressionar os pintores impressionistas que adoravam o movimento e a luz, deixando-nos obras-primas debaixo dessas determinantes, na globalidade de Ver. Ver o Mundo tal como ele se apresenta é apontado nos manuais inseridos na Internet; ver os bosques, as matas, os renques de árvores que vão das bermas da estrada ao cocuruto dos montes é vibrante produção de beleza, inolvidável beleza. E os castelos verdes e amarelos?

Tais castelos – castanheiros – pujantes de floração produzem visível/ver/conflitual porque acresce a majestade de tais monumentos naturais, provocando sucessivas visualizações ou vibrações cuja matricialidade está no vento, ora brisa, ora ventania, ora quietude, lendo-nos a ressuscitar a dualidade do bem e do mal, as virtudes da soledade, as interrogações ante o futuro, o desgosto e angústia consequência da perda dos entes queridos, as restrições na saúde, as memórias da memória. Os castanheiros mostram-se nos matizes verdes e amarelos, impantes, aconchegadas nos ouriços- uterinos as minúsculas castanhas têm de sorver húmus de chuva bem caída, até pingarem demora a sua gestação, os frutos lisos, luzidios, outrora, amainaram a fome de humilhados, ofendidos e pobres de pedir, agora florescem os ancestrais, espalham perfume, o orvalho madrugador retempera a terra em volta.

Aqueles resplandecentes castanheiros da Terra Fria, perenes e tranquilizadores, seculares, atestam a vitalidade daquelas terras que povoam crónicas como esta, no entanto, no quotidiano, a real/realidade da dita vitalidade já foi imprescindível na criação e defesa da Pátria, sou patriota, não sou patrioteiro. Os castanheiros firmam e reafirmam a alma transmontana, como os carvalhos de Guernica simbolizavam a liberdade, arrasados pela besta nazi.

A Maria do Loreto Monteiro pode fazer-me o favor de levar as amigas, também as do sofá, a espraiarem os olhos nos soutos. Após a virtuosa viagem acredito no sem encantamento levando-as a iniciar um movimento destinado a declarar o castanheiro árvore totémica do concelho de Bragança. É pedir muito?

Nós trasmontanos, sefarditas e marranos - Branca Coutinho (n. Torre de Moncorvo, 1601)

Branca Coutinho foi uma das filhas de Pedro Henriques Julião e sua mulher Francisca Vaz. Casou com Manuel Henriques Pereira, proprietário agrícola, industrial de moagem de pão e rendeiro. Referindo-se à sua família e à de seu marido, Branca permitiu-se afirmar perante os inquisidores:

— São pessoas honradas e os principais da nação de todo este reino e o mesmo foram seus pais e avós, vivendo sempre honradamente.(1)

Corria-lhe nas veias o sangue de Pero Henriques, o Cavaleiro que acompanhou Sua Alteza Real nas jornadas de África. E mostrava-se também orgulhosa de saber ler e escrever, tal como as suas irmãs.

Para além dos moleiros e assalariados agrícolas que trabalhavam às ordens de seu marido, Branca tinha ao seu serviço, nas tarefas da casa, uma ama que viera de Castro Roupal, para ajudar na criação dos filhos, duas criadas e um criado, que dormia na loja da casa. A este cabia, entre outras tarefas, matar e preparar os cabritos, as galinhas, as perdizes, os porcos e outros animais que cozinhavam e comiam, bem como rachar a lenha, tratar do quintal anexo à casa e outros serviços semelhantes.

Chamava-se este criado Francisco Fernandes Preto, natural de Peredo dos Castelhanos, homem de 37 anos que estava habituado a servir e correr mundo, anualmente se internando por Castela, no verão, como segador.

Entrou ao serviço de Branca Coutinho no S. Pedro de 1636 e ali aguentou 3 anos. Como geralmente acontece, Francisco teria alguns desentendimentos com os patrões e não esteve com meias medidas. Meteu-se a caminho de Coimbra e, no dia 16.4.1639, apresentou-se no tribunal da inquisição dizendo que a patroa sempre lhe mandava degolar os animais que se matavam em casa e que deixasse o sangue correr para o chão. Somente quando matavam os porcos é que permitia que apanhassem o sangue e o comessem os criados. Disse que, em certa ocasião quis levar um filho de Branca chamado Henrique a uma matança ao lugar do Peredo, mas ela não deixou, por recear que lhe dessem sangue a comer. Contou que, em certa ocasião, a patroa se desentendeu com uma vizinha que lhe atirou à cara que eles não comiam sangue por serem judeus. Ao que ela terá respondido:

— Os que tal diziam e comiam sangue eram os cães.

O Preto acrescentou que seus amos guardavam os sábados, começando à sexta-feira a limpar a casa, mudar as camas, vestir roupa lavada e especialmente acendiam nessa noite um candeeiro especial de “3 lumes” a que metiam torcidas novas e azeite limpo, candeeiro que ficava aceso toda a noite até se extinguir por si. Disse que também mandava os criados descansar ao sábado, mas que ao domingo os fazia trabalhar. Em prova de que falava verdade, apresentou como testemunhas as duas criadas da casa: Catarina e Apolónia Luís.

Obviamente que logo seguiram ordens para o comissário da inquisição em Torre de Moncorvo ouvir em declarações as duas criadas que, curiosamente, já não estavam ao serviço de Branca. Catarina deixara Moncorvo e fora-se para a sua terra, em Quintela de Lampaças. Apolónia, vivia casada com um pastor, à Fonte do Concelho, em Moncorvo. O comissário chamava-se Castelino de Freitas, era um novato, desejoso de mostrar serviço e fazer carreira, como efetivamente fez, logo subindo a inquisidor.

Mandou chamar Apolónia mas… o seu testemunho seria uma desilusão. Disse que, na verdade, nunca vira os amos comer sangue, e os animais eram sempre degolados, exceto os porcos cujo sangue era aproveitado para os criados comerem. Porém que o candeeiro da sala todos os dias se acendia da mesma forma, que a patroa nunca a mandou descansar ao sábado nem trabalhar aos domingos e dias santos e “sempre lhe viu comer toucinho e nunca lhe mandou tirar a gordura da carne”.

Para autuar as declarações de Catarina, que entretanto se tinha ido a servir para a vila de Cortiços, foi encarregado o comissário Paulo Peixoto de Sá, abade de Quintela. Catarina, para além de confirmar as denúncias feitas por Francisco Preto, acrescentou que, em dezembro de 1637, quando o inquisidor Diogo de Sousa esteve de visita a Moncorvo, seus amos pressionaram a ela e aos outros empregados para que os não fossem denunciar.

Claro que tudo isto soava como música aos ouvidos do comissário Castelino de Freitas que encontrou mais dois denunciantes. Um deles foi Francisco Durão, de Maçores, que estivera 5 meses servindo em casa de Branca Coutinho que confirmou as denúncias citadas e acrescentou que seus amos, ao anoitecer, se iam para uma varanda interior fazer rezas judaicas. Em sua defesa, diria Isabel que Francisco Durão era parente muito chegado de Francisco Preto, que o terá induzido também.

A outra testemunha foi Mateus de Sá Pereira,(2) escrivão da câmara, o qual declarou que Manuel Pereira e Branca Coutinho e seus familiares guardavam o sábado, não trabalhando e vestindo os “fatos domingueiros”. E isso o sabia porque de sua casa via as portas e janelas dos denunciados.

A grande preocupação do comissário Castelino era que os denunciados fugissem, tal como acontecera em Lampaças, onde Manuel Henriques Pereira tinha uma irmã casada com Manuel Almeida Castro. Por isso escrevia para Coimbra, pedindo a prisão de Manuel e Branca e outros mais, servindo-se do exemplo de Quintela:

— Dos penitenciados que saíram neste último auto, naturais do lugar de Quintela, não assiste ali mais do que António Henriques Raba e sua mulher e estes aos dias santos vão às igrejas com seus hábitos umas vezes mais às claras, outras vezes mais cobertos, com mantilha ela e ele mais contente atrás (…) E se a VM lhes parecer que com isso se há-de fazer obra, que seja com muita pressa, que todos os parentes de Manuel Henriques Pereira estão com o pé no estribo (para fugir) e também aviso que esse homem é irmão da mulher de Manuel de Almeida…

Obviamente que por Moncorvo corriam boatos e Manuel e Branca iam tratando em defender-se, pressionando ou tentando cativar testemunhas. E aconteceu mesmo que Francisco Fernandes Preto, depois de vir de Coimbra, se terá dirigido a casa de seus amos a pedir perdão, dizendo que, num momento de raiva, denunciara falsamente a sua ama quando se foi confessar a um frade do convento de S. Francisco e este o obrigara a ir a Coimbra fazer a dita denúncia na inquisição.

Seria? Facto é que, em Abril de 1641, foi recebida na inquisição de Coimbra uma carta, assinada por Manuel e Branca acusando Francisco Fernandes Preto de falsário e de ter induzido as outras criadas a mentir. Pediam, por isso, que, como falsário, fosse preso e condenado às galés.

Na verdade Francisco foi chamado a esclarecer os senhores inquisidores que, ao início de julho de 1641, mandaram prender Branca Coutinho e o marido.

Por 3 anos, Branca Coutinho suportou os horrores da cadeia, sempre negando as práticas judaicas e não denunciando ninguém. Foi posta a tormento, sendo-lhe dados dois tratos espertos, mantendo-se firme. 

Acabou por sair condenada em cárcere e hábito a arbítrio e ao pagamento de 100 cruzados, no auto da fé de 10.7.1644. Contava então 43 anos e, regressada a Moncorvo, não se ficou por ali a remoer mágoas. Com os filhos rumou a Madrid, certamente contando com o apoio dos parentes. Em 1650, juntamente com os dois filhos mais novos, Diogo e Isabel, abalou para Bayonne, França. O filho mais velho, Henrique, permaneceu em Madrid, trabalhando na Casa Montesinhos, no negócio da distribuição do sal.

Em 1660, depois que Fernando Montesinhos e outros membros da família de Manuel Almeida Castro foram processados pela inquisição de Espanha e se foram viver para a Flandres, também o Henrique foi com eles. E para junto deles, em Antuérpia, seguiram de Bayonne, a Branca e a filha Isabel. Esta acabou por casar com seu primo Francisco Lopes de Castro, enquanto o Henrique casou com Isabel de Barrios. Diogo, o filho de Branca, iria antes para Amesterdão onde trabalhou como escrivão de um negociante, regressando a Madrid onde seria também processado pela inquisição deToledo.(3)

Notas:

1 - ANTT, inq. Coimbra, pº 4801, de Branca Coutinho.

2 - IDEM, Desembargo do Paço, leitura de bacharéis, letra M, mç. 18, n.º 13, processo de leitura do bacharel Mateus Sá Pereira. Em sua defesa, Branca Coutinho disse que o bacharel Sá Pereira “lhe é muito suspeito porque, tendo um álamo na sua fazenda, que assombrava a quinta da mãe da ré, vindo o álamo a secar, se persuadiu o contraditado que fora ocasião disso um (escravo) negro de Filipa Henriques, irmã dela ré que o escavacara”.

3 - SCHREIBER, Markus – Marranen in Madrid 1600-1670, Estugarda, Franz Steiner Verlag, 1994, pp. 77 – 78.

Mãos que endireitam

Ter, 17/07/2018 - 09:58


Olá familiazinha!

Já só faltam cerca de três meses para eu completar 29 anos a animar a Família do Tio João e nunca me tinha acontecido, como na quarta-feira passada. Nesse dia trabalhei, das 6 às 8 da manhã, debaixo de uma grande trovoada, mas a emissão não foi abaixo, como tem acontecido sempre nestas situações.

Os nossos participantes iam relatando em directo o que se estava a passar nos locais de onde nos ligavam. Foi o caso da tia Fátima, de Viduedo (Bragança), que nos falou directamente da igreja matriz, onde tinha colocado o Menino Jesus à entrada da porta para afastar a trovoada. Também a tia Helena Romão e o tio Lita, de Caravela (Bragança), nos contaram, com lágrimas nos olhos, que a aldeia estava debaixo de uma chuva de pedras que durou cerca de 20 minutos, destruindo toda a produção agrícola e provocando inundações em muitas habitações.

Na sexta feira, dia 13, entrou a lua nova e troada. Será que vai estar 30 dias baralhada?

A tia Neves, de Nuzedo de Baixo (Vinhais), na sua participação, disse-me que andava engarrada com um exército e não sabia de onde diabo saíam tantos soldados!... Fiquei sem saber de que trabalho agrícola estaria ela a falar, até que me explicou que andava a arrancar as ervas daninhas, que são a maior produção agrícola deste ano.

No dia 11 faleceu o tio Carlos Frias, com 54 anos, um dos membros mais antigos da família, marido da nossa tia Barbarinha. Também o meu bairro ficou mais pobre com o falecimento da Antónia Campos, de 54 anos, vítima de doença. No espaço de um ano faleceu a sua mãe, o seu pai e agora ela, deixando um filho de 22 anos, entregue à vida. Paz às suas almas e os sentimentos às famílias enlutadas.

O casal Humberto Almeida e Vitória Romão festejaram as suas Bodas de Ouro Matrimoniais no passado sábado. Que continue o pão da boda.

Estiveram de parabéns Celeste Fidalgo (77), de Grijó (Bragança); Armindo Miraco (75), de Vinhais; Luís Rodrigues (42), de Viduedo (Bragança); tio Neca Gaiteiro (83), de Romariz (Vinhais); Paulo Coelho (31), de Castedo (Torre de Moncorvo); Regina Cordeiro (90), de Coelhoso (Bragança) e Rita (74), de Vale de Frades (Vimioso). Agora vamos conhecer melhor o meu tio “endireita”, António Lopes.