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Edra e Valentim falham Taça das Regiões

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Ter, 05/12/2017 - 14:41


Na equipa brigantina, o central Edra e o médio Velentim vão falhar o torneio. Trata-se de dois elementos importantes na selecção treinada por Nuno Lima. Edra (G.D. Sendim) lesionou-se no jogo de treino com o GDB e Valentim está condicionado. No entanto, no caso do médio do G.D.

CAB conquista segundo lugar em Espanha

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Ter, 05/12/2017 - 14:29


Terminou em grande a participação dos sub-17 do CAB no Torneio Eixo Atlântico em representação do município de Bragança. Os brigantinos conseguiram um excelente segundo lugar, naquela que foi a estreia da cidade na modalidade de hóquei patins nas provas da Associação do Eixo Atlântico. 

Memória coletiva em A Magia das Máscaras Portuguesas, de António Tiza

Um pecado ritual interrompeu a comunicação entre o céu e a terra,
e os deuses retiraram-se para céus mais elevados. Desde então,
os homens têm de trabalhar para comer e já não são imortais.

(Mircea Eliade, 2000: 106)

 

1. Enquadramento teórico-temático

Segundo Victor Jabouille, na introdução ao Dicionário de Mitologia Grega e Romana, é possível agrupar em três grandes tipos as teorias interpretativas dos mitos/ritos, a saber: funcionalistas, simbolistas e estruturalistas.
Para os funcionalistas, o mito fundamenta os usos e as normas primárias do convívio entre os elementos de uma comunidade. Assim sendo, os ritos cumprem funções essenciais, tais como: expressar e acentuar a crença, proteger e reforçar a moral e a ética, assumindo-se, desta forma, como um ingrediente vital da civilização humana.
O mito, na perspetiva simbolista, é encarado como uma forma diferente de expressar o pensamento, a cultura e a maneira de observar o mundo de uma determinada comunidade. Deste modo, o mito dirige-se não apenas para a intelecto, mas, sobretudo, para a fantasia e a realidade. Por isso, se institui na energia positiva da representação e da imaginação, criando significado. Neste sentido, o mito é o resultado da aprendizagem que o homem faz da divindade, e o culto mais não é do que a adaptação à diferença entre o humano e o divino. Se em termos psicanalíticos o sonho se explica pela libido pessoal, o mito/rito - sonho de um povo – explica-se pela libido coletiva. Isto leva-nos aos arquétipos de Jung, desenvolvidos por Freud para a noção de inconsciente coletivo. O mito é, pois, a projeção desse inconsciente coletivo transformado numa força - geradora de comportamentos - que irrompe de um desígnio real, concretizando-se na representação. Para Mircea Eliade, citado abundantemente pelo autor, o herói repete um gesto arquétipo que o homem, ao longo dos séculos, integrado na sociedade suportou sem cair no desespero ou na esterilidade espiritual.
Na sémita da Escola de Praga, Claude Lévi-Strauss, o grande investigador do estruturalismo, declara que se podem distinguir dois sentidos no mito, aquele que é percetível a partir da narração/representação do mito/rito; e outro latente que não é consciente. Partindo do princípio de que os ritos são um conjunto ordenado e sincrónico, constituindo um espaço semântico, a partir do qual se produz uma narrativa, é, sem dúvida, este o sentido que o etnólogo pretende em última análise decifrar. 
Sintetizando, o que são, afinal, estes mitos/ritos, que ao longo dos séculos se eternizaram no Nordeste Transmontano e nas outras localidades mencionadas nesta obra? Serão a forma de o homem, na esteira de Sócrates, se conhecer a si mesmo ou, no encalço de Pessoa, apenas “o nada que é tudo”.

2. Conteúdo da obra
Esta obra, circunscrita em termos geográficos ao Norte e ao Centro de Portugal, está estruturada em sete capítulo, organizados de forma diacrónica. O livro escora-se na seguinte metodologia: em primeiro lugar, apresenta-se uma sucinta informação histórico-geográfica da localidade; segue-se a descrição da celebração, no geral, e de alguns ritos, em particular; por último, explana-se a simbologia dos ritos. Este esquema, com algumas nuances, é, em nosso juízo, uma mais-valia para o leitor que dispõe de uma sinopse bastante concreta sobre a localidade e o ritual, sendo estimulado a prosseguir e a aprofundar o seu conhecimento.  

O itinerário da Magia das Máscaras Portuguesas começa com os ritos do Ano Novo Celta, festejados em Cidões, Vinhais, durante a festa da Cabra e do Canhoto, comemorada no dia 31 de outubro. Esta celebração milenar foi cristianizada na Idade Média, com a instituição da festa de Todos os Santos, continuando, todavia, a manter o cunho da Shamhaine celta, ou seja, a comunicação entre os vivos e os mortos. Infelizmente, esta tradição autóctone tende a ser suplantada pelo Halloween, o que configura uma importação acrítica e um desrespeito pela cultura e valores seculares, pois substituímos o culto e a veneração dos entes queridos, pelas nocivas, em termos culturais, travessuras das bruxas. 

Escoltando o carro de Apolo, encontramos o rito do Velho e a Galdrapa, celebrado a 13 de dezembro, na aldeia de Silva (Miranda do Douro) no limiar do advento do solstício de inverno. Em termos alegóricos, o “casal” constituído pela Galdrapa e pelo Velho encerra a essência da fertilidade da espécie humana e, por extensão, da natureza.

Seguem-se, no terceiro capítulo, as várias festividades realizadas durante o ciclo dos doze dias, que começava a 17 de dezembro com as Saturnais em honra de Saturno deus da agricultura. No dia 24 de dezembro tinha lugar a Juvenalia, isto é, a festa dos jovens, sobre a qual a Igreja estabeleceu a festa de Santo Estêvão, primeiro mártir, comemorada no dia 26 de dezembro no ocidente e 27 no oriente (ortodoxos). No dia 25 celebrava-se a grande festa do sol (Natalis Solis Invicti) ao qual, mais tarde, a Igreja associou o nascimento de Cristo, o novo sol. Convém, no entanto, referir que estas comemorações/tradições já veem do tempo em que os povos Celtas habitaram esta região, séculos VI a II a. C.
Neste apartado são escalpelizados os ritos de quinze localidades transmontanas, não se percebendo, em rigor, qual o critério de organização, uma vez que as descrições dos rituais dos Reis surgem intercaladas entre as do Natal e as de Santo Estevão, perdendo-se, desta forma, a sequência diacrónica a que se subordina a estrutura global do livro. Digno de registo são as belas quadras, em redondilha maior, declamadas pelos jovens, protagonistas destas celebrações, que lembram, em termos estilísticos, o paralelismo e o leixa-prem das cantigas de amigo.  Estes rituais desenrolam uma vasta e corrosiva crítica social, onde se detetam ressonâncias das cantigas de escárnio e maldizer do século XIII. Aristóteles definiu o homem como um animal que ri. Nietzsche, no século XIX, afirmou: “esta coroa de rosas é a coroa do homem que ri” (1988: 30). Estas sentenças levam-nos a asseverar, sem dissídios nem ambages, que o riso é porventura a forma mais impiedosa de sátira social.

O quarto capítulo narra os ritos celebrados em sete aldeias do planalto mirandês. A origem destes rituais perde-se nos umbrais da memória, associados aos povos Celtas, Gregos e Romanos. Cabe, aqui, sucinta referência ao ciclo de Deméter que simboliza a germinação, o crescimento e a maturação do trigo, e se desenvolveu nos mistérios de Elêusis, sustentado por um ritual complexo. Nestes sete ritos encontramos, com frequência, a luta dos opostos. O triunfo do bem é um prenúncio para a fertilidade da natureza, garante de paz e de harmonia entre os membros da comunidade.

No próximo apeadeiro, o leitor pode comprazer-se com a descrição dos ritos de Carnaval de oito localidades: Lazarim (Lamego), Podence (Macedo de Cavaleiros), Vila Boa de Ousilhão (Vinhais), Santulhão (Vimioso), Sambade e Alfandega da Fé, Aldeia do Xisto de Góis (Pinhel), Lagoa (Mira) e Vale do Ílhavo (Aveiro). Estes desfiles, uns mais rituais do que outros, uma vez que em muitos se sentem, segundo o autor, os efeitos da “turistificação”, estão carregados de sátira social, brotando da torrencial verborreia que sai da boca dos “testamenteiros”, numa clara reminiscência das cantigas de maldizer. Estes ritos conservam ainda alguns resquícios dos primórdios, associados à purificação da comunidade e à renovação da natureza, no momento em que se anuncia e celebra a chegada da primavera e se abandona a estação escura. O fogo, que queima o entrudo, tem o condão de consumir, também, os faltas dos populares que, desta forma, se sentem purificados para enfrentar com ânimo mais um novo ciclo.

No penúltimo capítulo são patenteados dois rituais celebrados na quarta-feira de cinzas: um em Vinhais - com a Morte e os Diabos à solta –, e outro em Bragança – com a tríade: a Morte, o Diabo e a Censura. Talvez, pelo facto de estes ritos se realizarem já em período quaresmal retire força à componente profana e acentue o cariz religioso dos mesmos. No entanto, as origens e a simbologia destes rituais são, no juízo do autor, as mesmas do Carnaval, pois provêm de rituais de fundo pagão, que consistiam na expulsão do inverno e na exaltação da fertilidade. Posteriormente, foi associada a ideia de purificação dos pecados da comunidade, em conformidade com os desígnios da religião católica propostos para o primeiro dia de Quaresma.

Na derradeira estação desta viagem pelos rituais com máscara de Portugal, tem o leitor oportunidade de se deleitar com o relato das festas de São João ou das Bugiadas de Sobrado (Valongo), em jeito de celebração do solstício de verão. Aqui se representa o “ciclo do pão” e o eterno combate entre o Bem e o Mal. A contenda termina com a derrota do Mal, representado pelo rei mouro, quiçá uma readaptação do rito/mito após as guerras da reconquista cristã.
Nos rituais com máscara dissecados por António Tiza, nesta obra, a alegoria, ao contrário do que sucedeu na antiguidade clássica cristalizando-se em logos, palavra, narrativa, manifesta-se em rito, dança, música, pantomina, elementos fundacionais da tragédia, na aceção Nietzscheana.

Sintetizando, o que se sublinha nestes rituais é a legitimação dos atos humanos através de protótipos extra-humanos, criados in illo tempore. É, sem dúvida, para essa época mítica fundacional que o ator/mascarado/careto, mal coloca a máscara, é transportado, abolindo, assim, o tempo cronológico. 
Estes ritos podem, lato sensu, reunir-se em dois grupos: no primeiro, a comunidade solicita o afastamento dos demónios e das doenças, pedindo, também, a remissão das culpas, através da ação renovadora e purificadora do fogo; no segundo, centrado nos rituais que precedem o Ano Novo, celebra-se a fertilidade e a prosperidade, tanto do homem/comunidade como da mãe natureza. Em síntese, todos estes ritos desejam a passagem do caos ao cosmos, que pela repetição cíclica (anual) configuram o eterno retorno, conferindo realidade aos acontecimentos.
A narração de António Tiza é analítica, permitindo intuir a sátira em que assentam os rituais, deixando, igualmente, espaço para o silêncio, visto que, como assevera Heidegger, o silêncio é o modo autêntico da palavra.
Os rituais, aqui descritos, criam solidariedade social, entrelaçam a moral divina e humana, fazendo com que a vida seja significativa para os membros dessas comunidades. Aceita-se, assim, recuperando a epígrafe inicial de Mircea Eliade, que o mascarado regresse, por instantes, aos céus, partilhando a imortalidade dos deuses.
Epilogando, esta obra ao auxiliar o leitor a pensar, dando-lhe a conhecer os ritos imemoriais, que ao longo das centúrias têm enformado a vida e a cultura dessas comunidades, contraria a sentença de Camus, lavrada na obra O Mito de Sísifo, “ganhamos o hábito de viver, antes de adquirirmos o de pensar” (2007: 19).
 

Bibliografia
Camus, Albert. O Mito de Sísifo. Trad. de Urbano Tavares Rodrigues, Lisboa, Livros do Brasil, 2007.
Eliade, Mircea. O Mito do Eterno Retorno, Trad. de Manuela Torres, Lisboa, Edições 70, 2000.
Grimal, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad. de Victor Jabouille, Lisboa, Difel, 1992.
Nietzsche, Frederico. A Origem da Tragédia. Trad. de Álvaro Ribeiro, Lisboa, Guimarães Editores, 1988.
 

NÓS, TRASMONTANOS, SEFARDITAS E MARRANOS - Diogo Fernandes Pato (Vila Real, 1567 – Coimbra, 1620)

Por 1620, na comunidade hebreia de Vila Real, destacava-se um grupo de médicos, advogados e grandes mercadores, ligados por laços familiares: Branca Dias, casada com Manuel Capadoce era irmã do advogado Manuel Dias Catela, pai do médico João Rodrigues Espinosa e de Joana Dias, mãe do advogado Diogo Fernandes Pato e este era irmão de outra Branca Dias, avó materna do diplomata Manuel Fernandes Vila Real.
Diogo Fernandes Pato, o nosso biografado, nasceu em Vila  Real, por 1567, sendo filho de Joana Dias e Pedro Fernandes, o Pato, de alcunha. Aos 15 anos, Diogo rumou a Salamanca, em cuja universidade se matriculou em 1582. Por uma década aparece o seu nome nos livros de matrícula da universidade, estudando Gramática e Leis e saindo advogado em 1592. (1)
Do lado paterno, Diogo teve uma tia, chamada Joana Fernandes, que casou e morou em Vila Real, e foi presa pela inquisição, em 1569 e 1589. (2) E certamente foi por causa disso que os seus filhos e netos abandonaram a terra e foram viver para a Galiza.
Do lado materno falou-se já do tio Manuel Dias Catela e da tia Branca Dias, casada com Manuel Dias Capadoce. Dos filhos destes, vem ao caso referir um Francisco Lopes Capadoce, casado com Helena Rodrigues e uma Violante Dias que casou com Francisco do Vale. Isto porque, em Março de 1518, falecendo a mulher de Francisco Lopes Capadoce, a amortalharam com “uma camisa nova de pano de linho que nunca servira e no mantéu e punhos tinha pontas de renda (…) uma touca boa e formosa (…) e um gibão de canequim e uma coifa e uma fita” e a embrulharam em “um lençol de pano de linho fino de quatro tramos e que não havia servido”…
Na execução desta e de outras cerimónias de amortalhar e prantear a defunta, notou-se a participação de Violante Dias, irmã de Francisco e uma filha desta chamada Leonor do Vale. Aliás, já um ano atrás se fez notado o papel de Violante no amortalhar de um menino de 6 ou 7, como contou uma cristã-velha, dizendo:
- Em uma peça de pano de linho novo e se cortou uma camisa muito comprida, com umas mangas muito compridas que pareciam de roupão (…) e logo se coseu a dita camisa (…) e dizendo ela denunciante à dita Violante Dias para que eram as mangas tão compridas, que seria bom cortar metade delas, que ainda ficavam mangas bastantes; ao que Violante Dias disse que não, que era o dote de menino; mostrando-se muito colérica contra ela denunciante; e logo na dita tarde morreu o menino e o amortalhou a dita Violante Dias na dita camisa nova e em um lençol grande e ela estranhou porque sabia que o dito menino tinha camisas novas e muito boas. (3)
Em Março de 1620, o inquisidor Sebastião Matos Noronha visitou Vila Real e estas e outras cerimónias e comportamentos judaicos foram-lhe denunciados, seguindo-se uma vaga de prisões. Francisco Lopes Capadoce, que ficara viúvo de Helena Rodrigues, não foi preso porque, entretanto fugiu para a Galiza. Violante Dias e a filha foram presas e os seus processos revelem uma atroz crueldade. A filha saiu cega da prisão. E Violante ficou “com chagas no corpo e entrevada e com sinal de lhe ter dado o ar, e em razão de uma enfermidade oculta provável, que por honestidade se não podia ver, e é certo que há muito tempo está desta maneira no dito cárcere, impossibilitada (…) de sair em auto, salvo se a levar em uma cadeira, sem a dita se levantar, e no cárcere se não pode curar, antes ali se acabará de consumir”.
Este foi o testemunho deixado pelos médicos da inquisição, que a observaram, confirmando, aliás, a informação dada pelo alcaide dos cárceres dizendo:
- Depois que veio para estes cárceres está chagada e com muita enfermidade, que faz asco dizer…
Acabaram os inquisidores por deixá-la sair, com fiança abonada para pagar as despesas de alimentação e custas da cadeia, fiança dada pelo mercador Francisco Fernandes Vila Real, pai do citado Manuel Fernandes.
Voltemos à visitação do inquisidor Noronha a Vila Real, em março de 1620. Perante ele apareceu um carpinteiro dizendo que, 10 anos atrás, fez uma obra de carpintaria em casa de Diogo Fernandes Pato. E nesses dias morreu lá em casa, uma cunhada do advogado, irmã de sua mulher, chamada Beatriz Dias, que com eles vivia, estando o marido, Gonçalo Dias Pato, emigrado na Galiza. E então, acrescentou o carpinteiro, notou que por espaço de 15 dias, naquela casa se não cozinhou senão peixe. E ele perguntou a uma criada porque ali se comia só peixe, respondendo esta que os amos não permitiam que se comesse carne por respeito da morte da dita cunhada. O carpinteiro contou ainda que em seguida à morte da mesma Beatriz, a mulher do advogado mandou lançar fora toda a água que havia nos cântaros.
Leonor Lopes, cristã-velha, apareceu também a testemunhar perante o inquisidor, dizendo:
- Havia 10 anos que, morrendo Beatriz Dias, cristã-nova (…) viu ela denunciante que a dita defunta foi enterrada em uma cova virgem no adro de S. Pedro, junto ao monturo, do que houve geral escândalo nesta vila (…) porque sendo a dita defunta rica se não enterrou dentro da dita igreja ou no mosteiro de S. Francisco, onde era fama pública nesta vila que os frades do mosteiro lhe ofereceram sepultura. E também foi pública voz e fama, no dito tempo, nesta vila, que por ordem do dito Diogo Fernandes Pato, foi a dita sua cunhada enterrada na dita sepultura virgem. (4)
A história foi confirmada pelo coveiro que acrescentou pormenores, dizendo que primeiro o mandaram abrir a cova no claustro de S. Francisco, o que ele fez. E que estando a cova aberta, recebeu ordens para a tapar e abrir outra “no adro da freguesia de S. Pedro, no meio de um caminho, em uma cova virgem, lugar onde se não costumava enterrar pessoas. E não quiseram que se enterrasse na cova que estava aberta no dito mosteiro, por não ir a dita defunta vestida com hábito de S. Francisco (como os frades exigiam), senão no lençol novo, como ela foi”.
Obviamente que a responsabilidade de tudo foi imputada ao advogado Diogo Fernandes, preso ao início de abril e que acabou por morrer 8 meses depois, em 9.12.1620, nos cárceres da inquisição de Coimbra.
Diogo morreu, mas o processo não parou e a sentença foi dada 18 anos depois, em 31.10.1638!!! E foi do teor seguinte:
-…Não sendo a prova bastante para condenação, o absolvem (…) e declaram que aos seus ossos se pode dar sepultura eclesiástica e fazer-se por sua alma sufrágios da igreja (…) os bens que lhe foram sequestrados, tiradas as custas dos autos, sejam restituídos a seus herdeiros.
Humor negro, certamente. Pois, onde estariam os bens, 18 anos depois?! E os herdeiros? Obviamente que tinham abandonado a terra que lhe foi madrasta e tinham ido dar vida a outros chãos. Dos 6 filhos que tinha, referência para o Luís Fernandes. Contava uns 4 anos quando o pai foi preso e ele foi levado para a Galiza onde vivia a maior parte da família. Em 1641 casou com Ana de Miranda Ayala, que morreu 3 anos depois. Casou segunda vez, em 1651 com uma filha de Francisco Lopes Capadoce, recebendo o fabuloso dote de 8 mil ducados de prata. A sua morada era então na cidade de Sevilha e o seu trato era a cobrança dos impostos das salinas da Andaluzia, que arrematou na Corte de Madrid. A propósito, diremos que na Espanha de então este sector de atividade era dominado pelo nosso advogado e pelo Fernando Montesinos, originário de Vila Flor.
Mas, os sonhos de Luís eram ainda maiores e, em 1657, liquidou o negócio do sal e foi a Madrid onde arrematou a “alcabala dos 3% de Córdoba”. Em 1663, porém, depois da sua mulher, sogro
e outros membros da família, o poderoso “hombre de negócios” Luís Fernandes Pato, foi preso pela inquisição de Castela. Ao cabo de 7 anos de cativeiro saiu absolvido! Tinha 54 anos.
Uma nota final: Os processos referenciados são deveras interessantes para o estudo do desenvolvimento urbano da cidade de Vila Real e moradas da gente cristã-nova.
Notas e Bibliografia:
1-DIOS, Angel Marcos de – Índice dos Portugueses en la Universidad de Salamanca, jn: Brigantia, vol. XII, nº 3, 1992.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 3705, de Joana Fernandes.
3-ANTT, inq. Lisboa, pº 6074, de Violante Dias.
4-ANTT, inq. Coimbra, pº 7374, de Diogo Fernandes Pato.
5-Francisco Lopes Capa doce nasceu em Vila Real em 1600 e morreu em Toledo em 16.12.1665.
ALMEIDA, A. A. Marques de – Dicionário dos sefarditas Portugueses Mercadores e Gente de Trato, Campo da Comunicação, Lisboa, 2009.
SCHREIBER, Marcus – Marranen in Madrid,  1600 – 1670, Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1904,  pp.  88- 95.