“Vá, fica bem, sim?”, disse ela, já meio atirado por cima do ombro. “Vou tentar!”, respondeu ele com um tom de voz onde se ouviu gargalhar, mas que, na linguagem de bonecos amarelos, seria aquele emoji a sorrir com uma lágrima a escorrer pela cara. Resolvi olhar para aferir a quem se dirigiam os votos. Vi então um rapaz a ajeitar a mochila da escola com uma mão, para a manter nas costas, enquanto que com a outra segurava com veemência uma compressa contra a testa. Finalmente, pensei. Ali estava, com aplicação real e bem metida, a expressão “fica bem”. Claramente, o rapaz já viu dias melhores, ao menos sem remendos na cabeça. O que é este “fica bem”? Quase sempre vai com um tom de escárnio e como que a marcar o ponto final irrevogável no assunto em curso. Por cada vez que dizemos ou escrevemos “fica bem”, morrerá um golfinho algures. Porque, na verdade, e isto é polémico, não queremos que o receptor fique bem. Queremos é que vá para o raio que o parta. E lá deixamos aquela farpa mascarada de sensibilidade. Depois de um “fica bem” sabemos que não há mais nada a dizer. É o pináculo das despedidas. O que pode estar acima de um “fica bem”? Será que é permitido por lei voltar a entabular conversa com alguém que nos tenha dito um redondo “fica bem”? Se calhar, isso soa a desafio, voltar à carga. “Então não te disse já para ficares bem, caramba?”, poderiam levar na volta todos os que ousem desafiar as regras do “fica bem”. O “fica bem” será uma versão mais moderna e com menos carga religiosa o que um “vai com deus”, um “deus te acompanhe” ou até um “vai em paz”. E, por isso, com menos culpa por lá escrever a morada do sentido oposto ao céu. O “fica bem” não tem reforço positivo nem altruísmo. Porque não pretendemos mexer um mindinho para que tal se materialize em verdade. Reparem, dizer “fica bem” a alguém que hipoteticamente está mal é o mesmo que dizer a um doente para iniciar uma auto-cura. É deixar à sua sorte aquela pessoa que recebeu um mágico “fica bem” como um bilhete dourado, só que, na prática, é incapaz de mudança. Pode ser que o “fica bem” seja, simples assim, um voto de “espero que não fiques na fossa, qualquer coisa desenrasca- -te e não me incomodes”, quando não tem embutida a ironia. E, na prática, vai tudo dar ao mesmo. Naquele final de manhã, ali com algum drama à mistura, o rapaz da compressa na testa pôde aplicar um “fica bem” para aliviar o que tinha debaixo do paninho. Tenho para mim que não o auxiliou em nada, contudo, não vou afirmar. Quiçá um “as melhoras” tivesse surtido mais efeito, três vezes ao dia durante uma semana. O que tenho a certeza é que fiquei com mais fé na Humanidade e no “fica bem” dito sem maldade. Poderá existir. Na minha cabeça, contudo, sempre que o digo, continuará a sair-me com uma capa protectora irónica, algo teatralizada e com a morada do inferno, como uma noiva a abandonar o altar antes do “sim, aceito”. E isso faz-me ficar bem.