Ter, 05/08/2025 - 11:04
O trabalho doméstico continua a ser, em Portugal e também no distrito de Bragança, uma realidade invisível, muitas vezes esquecida nas estatísticas e raramente discutida com profundidade. No entanto, a reportagem que faz manchete desta semana confronta-nos com um retrato nítido de um setor que, apesar dos avanços legislativos, continua preso a uma precariedade estrutural, alimentada pela informalidade, pela desvalorização social e por um sistema que não consegue garantir dignidade a quem cuida das casas, das famílias e, indiretamente, da economia.
Desde a entrada em vigor da Agenda do Trabalho Digno, em maio de 2023, registou-se um aumento significativo do número de trabalhadores domésticos inscritos na Segurança Social. No distrito de Bragança, há agora mais de 1200 pessoas com qualificação ativa nesta área, o que revela algum progresso. Contudo, os números continuam a ser escassos, sobretudo se considerarmos a quantidade real de pessoas que prestam este tipo de serviço diariamente, sem contrato, sem descontos, sem qualquer tipo de proteção social.
A história de “Maria”, que combina um contrato matinal com trabalho informal durante as tardes, é exemplo de uma escolha forçada entre estabilidade futura e sobrevivência presente. A legalização, apesar de desejável, não é economicamente viável para muitos destes trabalhadores, especialmente quando as alternativas implicam custos fiscais elevados, burocracias complexas e rendimentos ainda mais reduzidos. A informalidade, apesar dos riscos, oferece rendimento imediato, mais flexível e muitas vezes necessário para sustentar a família.
O projeto do Governo para eliminar a criminalização do trabalho doméstico não declarado é um sinal preocupante. Esta decisão, ainda em fase de negociação, poderá representar um retrocesso evidente, esvaziando de eficácia as medidas que procuravam combater a precariedade. Legalizar o trabalho doméstico não é apenas uma questão de registo ou cumprimento de obrigações: é garantir que estas trabalhadoras, maioritariamente mulheres, tenham acesso à saúde, ao subsídio de doença, ao desemprego, à maternidade, à reforma. São direitos, não luxos.
É também urgente que se mude a perceção social em torno deste tipo de trabalho. Como lembra a advogada Bruna Rodrigues, o serviço doméstico é frequentemente encarado como algo menor, acessório, que se faz “quando se pode” e “como der jeito”. Essa naturalização da informalidade perpetua uma cultura de desresponsabilização que não serve nem os empregadores, nem as trabalhadoras. A legislação só será eficaz se for acompanhada por campanhas de sensibilização, fiscalização pedagógica e, sobretudo, vontade política de transformar a realidad
Em Bragança, onde o envelhecimento da população, a emigração e a baixa densidade populacional agravam o cenário laboral, é essencial que se criem mecanismos de apoio à formalização. As empresas de limpeza que oferecem contratos, como as que empregam Maria Afonso e Rosa Ferreira, são exemplo de que é possível criar condições estáveis, com direitos garantidos, mesmo neste setor.
O trabalho doméstico tem rosto, tem voz e tem valor. Cabe-nos, enquanto sociedade, reconhecer esse valor e garantir que nenhuma trabalhadora fique para trás.
Cátia Barreira, Diretora de Informação