Ao eleger a burocracia como um dos alvos a abater, na tomada de posse, Luís Montenegro acertou na muche. O exagero burocrático do nosso país, quer ao nível central, onde o Governo pode atuar diretamente e espera-se que o faça de forma efetiva e significativa, através do recente Ministério da Reforma do Estado, quer sobretudo ao nível das autarquias, onde a complexidade do procedimento administrativo é, não só um calvário para todos os cidadãos, mas, igualmente, um alfobre para a corrupção mormente a mais pequena (a corrupçãozinha, tão perniciosa como insidiosa, tão portuguesinha e que tanto mina a confiança nas instituições).
A do jeitinho, do “passa à frente”, da cunha, da influência e do fechar de olhos:
“Desta vez passa, mas só por ser para si. Porém saiba que isto não pode ser como cada um quer, porque há regras que se aplicam a todos. Também a si e a mim. Ao ajudá-lo, corro um risco sério de, no futuro, vir a ser prejudicado. Mesmo que não pareça, é um risco grande porque isto não se pode fazer… Dê cá o papel que depois eu digo-lhe quando o pode vir levantar… despachado e assinado!”
Não há qualquer dúvida de que este seria um excelente tema de campanha. Porém, quem detém o poder não quer desfazer-se da regalia de controlar o labirinto administrativo, e quem aspira ao cetro de comando da máquina pública, dá-lhe jeito a sua existência para, uma vez eleito, poder usá-la como benefício e privilégio de muitos daqueles que agora precisa para ser bem-sucedido no preito eleitoral.
Resta quem, genuinamente, se disponha a colocar o serviço público à frente das suas próprias aspirações e interesses o que, convenhamos, são raros. E mais raros ainda os que se disponham a fazê-lo!
Quando me candidatei a uma Câmara do nosso distrito, tendo aterrado de supetão na campanha, já em andamento, para recuperar parte do tempo perdido e me auto introduzir aos temas com que teria de lidar diariamente, dediquei horas e horas a ler as cópias das atas das reuniões camarárias que estavam guardadas num caixote na sede do meu partido.
Curiosamente, para além dos temas que me incentivaram à sua análise, descobri nelas um personagem que encaixava perfeitamente no que acabei de descrever, pelo pragmatismo e desprendimento pessoal sobre os principais assuntos em apreço.
Tive oportunidade de o conhecer, depois, pessoalmente e confirmar a opinião que então fizera e, mais tarde, a solidificar quando lhe foi dada a oportunidade de tomar posse como Governador Civil: José Manuel Ruano – o homem que corporizou em si todo o CDS, enquanto este teve alguma relevância concelhia (depois diluiu-se e foi-se descaracterizando, deixando-se colonizar por outras entidades), contribuindo, ao mesmo tempo, para a solidificação da sua estrutura distrital.
Não duvido que este era o homem que hoje poderia candidatar-se contra o sistema, com o verdadeiro intuito de desmascarar todos os abusos, atropelos e caciquismos e, em simultâneo, fazer uso do seu conhecido pragmatismo contra a burocracia.
Nessa impossibilidade, cabe aos herdeiros honrar-lhe o nome e o legado.
Venham eles e que lhe seja reconhecida e creditada a devida herança!