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Língua Mirandesa celebra mais um aniversário com sabor a urgência

Qui, 25/09/2025 - 11:41


A Língua Mirandesa, património cultural e identitário único em Portugal e na Europa, assinalou, na semana passada, 17 de setembro, mais um aniversário da sua oficialização como segunda língua oficial de Portugal, decisão aprovada pela Assembleia da República, em 1998, em vigor desde o ano seguinte. Mais de duas décadas volvidas, a celebração deste marco histórico continua a trazer consigo uma reflexão amarga. Apesar do reconhecimento legal, o futuro da língua continua em risco.

As novas gerações, afastam-se do idioma. O resultado é preocupante. Estudos apontam que, se nada mudar, a Língua Mirandesa poderá desaparecer em cerca de 20 anos.

O ensino, que poderia ser a salvação da língua, encontra-se fragilizado. Aprender mirandês é opcional, faz-se apenas em Miranda do Douro, as aulas estão limitadas a uma hora semanal e a espera por manuais e programas oficiais estruturados continua. Os professores, que têm carregado sozinhos o fardo de produzir materiais didáticos, estão numa luta desigual contra a falta de recursos e de reconhecimento.

O linguista António Alves alertou, recentemente, para a urgência de uma política linguística clara e determinada. Não basta reconhecer oficialmente a língua: é preciso dotá-la de instrumentos fundamentais para a sua sobrevivência. Faltam dicionários, glossários e materiais de referência. A própria convenção ortográfica, publicada no final do século XX, está desatualizada. Se quisermos ter dicionários etimológicos e bilingues daqui a dez anos, é necessário começar hoje. Já hoje. Cada dia perdido é um passo em direção ao esquecimento.

Outro ponto essencial é o incentivo à produção literária em Língua Mirandesa. Uma língua não vive apenas nas escolas ou em decretos legais, precisa de circular socialmente, de ser ouvida em músicas, lida em jornais, usada em redes sociais e valorizada como veículo artístico e cultural. A criação de bolsas e concursos para escritores, músicos e artistas mirandeses poderia ser um motor decisivo na revitalização do idioma.

A escola, por seu lado, não pode continuar a ser um reduto frágil. É necessário transformar o ensino da língua em algo mais atrativo e efetivo, integrando-a noutras disciplinas, conferindo-lhe peso na avaliação e criando contextos de uso diário entre os jovens. Noutras regiões do mundo, línguas minoritárias sobrevivem precisamente porque foram introduzidas, de forma transversal, no ensino e ganharam espaço na vida pública.

A preservação do mirandês não é apenas um dever para com a Terra de Miranda, mas para com todo o país. Portugal, que tantas vezes se orgulha da sua diversidade cultural, não pode assistir de braços cruzados ao desaparecimento da sua segunda língua oficial. Perder o mirandês seria perder uma parte insubstituível da nossa identidade coletiva, uma memória viva que nos liga ao passado e que, certamente, enriqueceria o futuro.

Ainda vamos a tempo de agir. Mas é preciso coragem política, investimento consistente e, sobretudo, a consciência de que salvar a língua não é uma questão apenas local. É um compromisso nacional. Se não quisermos que as próximas gerações nos acusem de termos deixado morrer uma língua inteira, a hora de começar é agora.

 

Carina Alves, Diretora de Informação