Qua, 12/11/2025 - 11:29
Há decisões que, pela sua natureza, não reparam o tempo perdido, mas restituem dignidade à própria ideia de justiça. A decisão do Ministério Público, que obriga a Autoridade Tributária a cobrar 335 milhões de euros em impostos devidos pela venda das seis barragens do Douro Internacional, é uma dessas raras vitórias da persistência e da razão sobre a força do silêncio e da complacência.
Durante anos, as vozes de Trás-os-Montes clamaram no deserto. Autarcas, juristas, cidadãos e movimentos cívicos denunciaram a engenharia societária que, em 2020, permitiu à EDP vender um património hídrico estratégico ao consórcio francês liderado pela Engie sem que o Estado arrecadasse um cêntimo de impostos. Não pediam favores, exigiam justiça. Exigiam que as regras que se aplicam a qualquer cidadão se aplicassem também à maior empresa energética do país.
Agora, três procuradoras do Departamento Central de Investigação e Ação Penal impõem aquilo que deveria ter sido óbvio desde o início, a venda de seis centrais hidroelétricas, avaliadas em mais de dois mil milhões de euros, gera obrigações fiscais. E essas obrigações, calculadas em 335,2 milhões, terão de ser liquidadas. IRC, IMT, Imposto de Selo, três siglas que simbolizam não apenas tributos, mas também o dever de equidade perante o Estado.
Mais do que uma questão técnica, esta é uma questão moral. Durante demasiado tempo, o poder económico beneficiou de uma elasticidade legal que parecia feita à medida dos grandes. O Douro, com as suas águas aprisionadas em betão, foi também símbolo desse desequilíbrio, a riqueza gerada nas margens transmontanas escorria para sedes fiscais distantes, deixando atrás de si pouco mais que o eco das turbinas.
Com este despacho, o Ministério Público repõe uma verdade elementar, o território não é um adereço e o interior não é um cenário para o progresso alheio. A cobrança dos impostos devidos não é apenas uma vitória das autarquias de Miranda do Douro, Mogadouro, Torre de Moncorvo ou Carrazeda de Ansiães, é uma vitória do Estado de direito. É o reconhecimento de que o poder local e o bom senso democrático podem, quando insistem, forçar o país a olhar para o espelho.
Não houve crime, concluiu o Ministério Público, mas houve injustiça. E é precisamente aí que reside a grandeza deste desfecho, mesmo sem condenações penais, impõe-se uma reparação material que tem valor simbólico. Obriga o Fisco a agir e recorda às grandes corporações que a responsabilidade social começa no cumprimento das leis.
As barragens do Douro não são apenas centrais elétricas, são marcos de uma geografia de sacrifício e de trabalho. Representam décadas de investimento público, de comunidades que deram tudo em nome de um futuro que, muitas vezes, lhes foi negado. Que os impostos agora cobrados revertam para o erário é importante. Mas que esta decisão devolva à região o sentimento de justiça, isso, sim, é histórico.
Trás-os-Montes não pediu privilégios, pediu apenas equidade. E, finalmente, a justiça respondeu. Que esta lição não se perca entre relatórios e comunicados, o Douro pode ser internacional, mas a justiça deve ser, antes de tudo, nacional.
Carina Alves, Diretora de Informação.



