Alunos internacionais do IPB com visto caducado desesperam por marcação no SEF

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Ter, 03/10/2023 - 12:05


A estudante brasileira Mariana Bandeira está há meses a tentar marcação no SEF para fazer o título de residência e o visto já caducou

Há alunos internacionais no Instituto Politécnico de Bragança que estão com problemas em fazer marcação no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para conseguir o título de residência. Segundo representantes de várias associações de estudantes, alguns alunos chegam a vir para Portugal sem visto ou acabam por deixá-lo expirar cá, porque não conseguir marcação no SEF. Para os alunos internacionais conseguirem vir estudar para o IPB têm que submeter uma candidatura através do passaporte e a documentação da candidatura serve depois para pedir o visto. Mariana Bandeira é uma das estudantes que está nesta situação. Veio da Fortaleza, do Ceará, Brasil, mediante um protocolo do politécnico de Bragança com a universidade onde estuda. Está a estudar Gestão e foi- -lhe atribuído um visto de um ano, que já expirou no passado dia 15. Já tentou fazer agendamento no SEF por e-mail, telefone ou site e até agora nada. “Quando fui ao SEF há quatro meses fui informada de que quando o meu visto estivesse mais ao menos a um mês de caducar iria abrir uma opção para agendamento, mas não aparece essa opção no site. Diz ‘de momento não existe possibilidade nos postos de atendimento para o serviço seleccionado’”, contou. A semana passada, depois de muitas tentativas telefónicas, conseguiu ser atendida, mas a resposta também não foi a que esperava. “Apenas me disseram que não havia agendamento disponível a nível nacional, em nenhum local de Portugal eu conseguiria fazer o agendamento para dar entrada no meu título de residência”, disse. Uma situação “angustiante” que lhe está a trazer consequências. “Já tentei participar em alguns cursos no IEFP e não me pude candidatar porque estou com o visto caducado. Acho que algumas situações dessas e em questões de empregabilidade vai ser cada vez mais difícil para mim”, lamentou a jovem. Sabe que a única alternativa é continuar a tentar, até conseguir uma marcação. Mas admite sentir-se perdida. “É um frio na barriga, estamos longe de tudo, longe de todos e vemo-nos de braços atados pelo facto de não saber ao certo quem procurar e a quem recorrer nesta situação”.

Corrupção no SEF

Gabriel Cangussu, da Associação de Estudantes Brasileiros, alertou para esta situação, na visita da ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, ao IPB, na passada terça- -feira. “Alguns já vêm com agendamento para se fazer o título de residência, mas actualmente não estão a vir com esse agendamento e a demora do SEF é muito preocupante, porque os alunos têm que ligar para o SEF, o telefone raramente é atendido e quando é dizem que não há marcação. Então muitos ficam no país como estudantes ilegais durante bastante tempo até conseguirem fazer a marcação”, referiu. A Associação de Estudantes Africanos queixa-se do mesmo. O vice-presidente, Belmiro Zaqueu, explicou que anteriormente o estudante adquiria o visto e vinha para Portugal já com o agendamento no SEF, o que não está acontecer agora. Além disso, denuncia corrupção por parte dos funcionários. “Há pessoas que estão a fazer agendamentos por fora e estão a cobrar aos estudantes por esses agendamentos. Não estamos a perceber o porquê dessa reforma no SEF, algo que está a dificultar o problema dos estudantes que cá estão”, apontou.

SEF contraria estudantes

Contactámos o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que contrariou as declarações dos estudantes. “O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) esclarece que todos os cidadãos estrangeiros munidos de visto de residência para estudo, emitido pelos postos consulares portugueses, entram em território nacional já com a marcação de um agendamento prévio no SEF”, disse. No entanto, os estudantes continuam sem conseguir agendar uma marcação. O SEF acrescentou que o “Decreto-Lei n.º 90/2022, de 30 de Dezembro”, "assegura a validade dos documentos e vistos relativos à permanência em território nacional até 31 de dezembro de 2023, e que os mesmos continuam a ser aceites, nos mesmos termos, após essa data, desde que o seu titular faça prova de que já procedeu ao agendamento da respectiva renovação". Disse ainda que “existem cerca de 13 mil vagas livres para as várias modalidades de autorização de residência e serviços conexos” e que de Janeiro a Agosto “foram atendidas 428 442 chamadas e respondidos mais de 310 mil e-mails”.

Estudantes internacionais

O Instituto Politécnico de Bragança tem 10 500 alunos, cerca de 3 600 são internacionais, de mais de 50 nacionalidades. Os estudantes podem vir para o IPB de diferentes formas, segundo explicou o vice-presidente do IPB, Luís Pais. Através do Programa Erasmus, que atrai “mais de 300” alunos, por ano, de vários países da Europa. Podem também vir através do Programa Dupla Diplomação, acordo feitos entre o IPB e universidades de outros países possibilitam a vinda de cerca de “200” estudantes anualmente. Neste sistema, os alunos ficam com dois diplomas. “Tem resultados não só do ponto de vista académico para os estudantes, mas também do ponto de vista científico e de investigação, porque resulta em dissertação e mestrados em co- -orientação, projectos de investigação conjuntos, participação em conferências conjuntas”, frisou Luís Pais. E podem vir ainda através do Estatuto Estudante Internacional, usado maioritariamente por estudantes de países de língua portuguesa, que se candidatam autonomamente ao politécnico de Bragança. “Há práticas no IPB de boa integração, por exemplo, as associações de estudantes africanos, brasileiros e internacionais e ainda a semana de integração, que acontece no início de cada semestre e se destina a alunos que chegam ao politécnico pela primeira vez e é organizado um programa para que os alunos possam ter conhecimento do campus e da cidade onde ficam e de todas as organizações, laboratório e gabinetes do IPB”, destacou o vice-presidente da instituição.

Propinas caras

Os estudantes internacionais têm um valor diferente de propinas relativamente aos estudantes nacionais. Devido a uma medida do Governo que fez descer o valor das propinas, no politécnico de Bragança os estudantes portugueses pagam cerca de 700 euros, por ano, de propinas. No entanto, os internacionais não estão ao abrigo desta lei e por isso pagam cerca de 1300 euros anualmente. Belmiro Zaqueu, vice-presidente da Associação de Estudantes Africanos, queixa-se desta situação. “Alguns estudantes não têm conseguido aguentar tudo isto. Não vemos uma certa integração dos estudantes naquilo que é questão das bolsas”, disse, salientando que também os estudantes estrangeiros sentem os problemas dos portugueses, porque também vivem cá e, por isso, pede ao Governo para inserir estes alunos nas “políticas de subsistência”. Gabriel Cangussu frisou o mesmo. “O IPB é um dos melhores politécnicos de Portugal, mas temos problemas relacionados com as propinas, pelo facto de serem o dobro das nacionais, com a alteração dos valores que é passada”, disse o membro da Associação de Estudantes Brasileiros. O presidente do IPB, Orlando Rodrigues, explicou que as propinas dos estudantes internacionais são actualizadas todos os anos “consoante o valor do IAS”.

Aulas já começaram mas alunos ainda não têm casa

Na visita da ministra, o presidente da Associação Académica do Instituto Politécnico de Bragança também alertou para a falta de alojamento. Segundo André Caldeira, há alunos que ainda não têm quarto nesta altura do campeonato. “Temos recebido pedidos de ajuda nas nossas redes sociais e estamos a tentar ajudar ao máximo os nossos alunos para arranjarem um quarto. Estamos a tentar arranjar as melhores soluções para que ninguém fique desalojado”. O responsável contou que os estudantes já estão a ficar instalados em zonas mais afastadas da cidade, porque não conseguem arranjar casa perto do politécnico. No entanto, diz que isso traz constrangimentos em termos de transportes. “A nível de transporte também sentem essa dificuldade, porque o meio de transporte aqui na cidade também não é o mais favorável e os alunos têm sentido essa dificuldade”, destacou. Além da falta de alojamento, os preços também dispararam. No espaço de cinco anos, um quarto que custava entre 100 a 150 euros, agora custa entre 200 a 250 euros, de acordo com André Caldeira. O Governo tomou medidas para ajudar a pagar o quarto aos estudantes. Criou um apoio para alunos bolseiros deslocados, que em Bragança pode ir até 217 euros. No entanto, há senhorios que se estão aproveitar da situação e aumentou as rendas para mais de 200 euros, alertou o presidente da Associação Académica. “Este apoio vindo do Governo é uma boa ajuda, mas o facto de apoiar não quer dizer que haja alojamento”, afirmou. O presidente do politécnico, Orlando Rodrigues, adiantou que já estão lançados os concursos para a construção de quatro residências do IPB, em Bragança, Mirandela e Chaves. Vão ser criadas mais de 400 camas. Espera que as obras arranquem ainda este ano. “. A nossa perspectiva é que finais de Outubro, princípios de Novembro tenhamos a obra adjudicada e ainda este ano arranquem as obras”, disse, acrescentando que “o montante total é à volta de 16 milhões de euros”.

Alunos querem nova escola de Saúde

A ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior esteve em Bragança e ouviu as preocupações dos alunos, após visitar as instalações da escola de Saúde. Elvira Fortunato admitiu que não estava a par da falta de condições do edifício. “Até fiz algumas fotografias. Por isso é bom vir a estes locais e vermos. Uma coisa é nos chegarem papéis ou dizerem, mas quando estamos nos locais e vemos exactamente quais são os problemas, eu penso que isso é muito importante. Tive a oportunidade de falar com o senhor presidente do IPB, não estava a par do problema real e daquilo que eu puder, tudo farei para que este problema que está a existir com este terreno, seja desbloqueado e que se possa construir uma escola que dignifique os alunos que escolhem vir estudar para esta escola, na área da saúde”, disse. Quanto à falta de financiamento, referiu que estão a “trabalhar nisso” e que passa por uma “conjugação de esforços entre a própria região, o ministério e a própria instituição”. Já no que diz respeito às dificuldades dos estudantes internacionais, devido ao aumento das propinas e também do custo do alojamento, a governanta disse que “as próprias instituições também terão capacidade de ajudar os alunos que possam estar em dificuldade”. “Neste momento a nossa prioridade é para os estudantes bolseiros deslocados, que são aqueles que têm mais dificuldade económica e que precisam de ter um quarto. É sobre esses que estamos a trabalhar e sobre os estudantes internacionais as próprias instituições estão a par e ajudam os alunos dentro do possível”, referiu. Perante o número de alunos estrangeiros em Portugal, a ministra adiantou ainda que vai ser criado um curso superior que seja reconhecido por todos os países que falam a língua portuguesa.

Jornalista: 
Ângela Pais