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Bragança ganha negócios com filhos da terra que voltaram à região

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Ter, 16/04/2024 - 11:18


Ex-emigrantes não quiseram esperar pela idade de reforma e deixaram para trás a Suíça, voltando a casa

Deixar o país para trás é doloroso, mas há muitas pessoas que, perante a falta de trabalho ou os baixos ordenados, não têm outra solução. Quem parte em busca de uma vida melhor, no geral, só pensa no regresso a Portugal. O mês de Agosto é, por excelência, o preferido dos transmontanos para rumar à terra natal, mas a alguns já não lhe chegavam meia dúzia de dias para matar as saudades. E voltar apenas na idade da reforma, com uma vida financeira estável, já não é moda, como noutros tempos.

Ludgero Afonso e Eduardo Trigo deixaram os bons ordenados que ganhavam na Suíça porque a qualidade de vida em Portugal, a vontade de estar perto da família e de viver na região de origem, os costumes e as tradições falaram mais alto. Para voltar à cidade de origem, Bragança, os ex-emigrantes só viram uma solução: abrir o próprio negócio, de forma a ganhar um ordenado mais simpático, como acontece quando se está fora de Portugal.

 

Não quis esperar pela idade de reforma e veio abrir um stand em Bragança

Ludgero Afonso tem 37 anos. Aos 20 emigrou para Espanha mas, dois anos depois, regressou à terra. Acreditou que podia trabalhar por cá e, de facto, foi o que fez… contudo, não ganhava assim tão bem e decidiu voltar a ir embora. Em 2011 rumou à Suíça, onde esteve até há bem pouco tempo, mais concretamente em Chur, Graubünden. Mas porquê continuar tão longe de casa? Não, não fazia mais sentido e, escolher, de novo, Portugal, “era agora ou nunca”.

A Suíça, um país com um custo de vida “alto”, mas com salários que “não se comparam aos daqui”, deu a Ludgero Afonso, natural de Castrelos, no concelho de Bragança, uma vida financeira que não encontrou em Portugal, mas o brigantino “sempre” quis regressar porque nunca se sentiu em “casa”. “Aprendi a língua e a cultura deles, mas há vários factores que nunca me fizeram sentir em casa. O clima é diferente, é muito mais frio, as pessoas têm uma mentalidade diferente… por isso decidi voltar. Achei que seria a altura certa. Se adiasse mais quatro ou cinco anos já ficaria até à reforma, possivelmente”, esclareceu.

Decidido a estar por cá, Ludgero Afonso não quis grandes luxos nem salários milionários mas, obviamente, queria ganhar um ordenado um pouco melhor do que aquilo a que a maioria dos portugueses está habituada. Assim, decidiu que o regresso implicaria criar o próprio negócio, ou seja, algo que pode dar mais dinheiro que trabalhar por conta de outrem. E escolher o ramo de investimento não foi difícil. Apaixonado por motos e carros desde criança, abriu um stand. “Quem vai para um país como a Suíça tem que ponderar o regresso e pensar no que quer fazer quando chegar cá. Eu tomei esta decisão porque quando estava lá cheguei a trabalhar com veículos, numa empresa do grupo da Volkswagen. É algo que realmente me interessa, mas não tomei a decisão num curto espaço de tempo”, contou, esclarecendo que “não fazia ideia do que era abrir uma empresa” e que foi o sobrinho, que é agora seu sócio, que foi fazendo alguma “investigação” por cá, antes mesmo do seu retorno.

Entretanto, Ludgero Afonso, que regressou a Bragança há um ano, abriu este mês a “Afonso Motors”. “Estivemos quase um ano a procurar o melhor espaço e principalmente a nossa melhor forma de começar a trabalhar, bem como uma estratégia para satisfazer os clientes”, assinalou.

Neste stand de Bragança os clientes podem encomendar qualquer tipo de veículo. Ludgero Afonso e o sobrinho, Nélson, fazem uma “prospeção” a nível nacional e europeu, tentando “garantir” o melhor carro para quem quer comprar. Além disso, também se trata, está claro, das devidas legalizações, caso os veículos venham de fora. O stand tem também parceiros para ajudar os clientes que precisem de um crédito. E os clientes que queiram vender as suas viaturas também ali o podem fazer.

Ludgero Afonso, que emigrou para a Suíça através do incentivo de um amigo, que lhe facilitou a vida no sentido de lhe arranjar trabalho e alojamento, agora, em Portugal, diz que tem “boas perspectivas” para o espaço que acaba de abrir. “Não é uma loja em que passam mil pessoas por dia, mas já se fizeram algumas vendas. Quanto mais formos andando mais as pessoas vão confiando em nós e é isso que queremos”, rematou o empresário.

Arrependimentos, até agora, não há, mas Ludgero Afonso sabe bem que ter estado emigrado foi o que lhe permitiu hoje ver esta aspiração realizada. “Sempre sonhei ter algo ligado às motos e carros. Se não tivesse emigrado não teria capacidade financeira para abrir este negócio, que exige um investimento grande. O mais satisfatório será, um dia, os clientes começarem a dar-nos um bom feedback”, vincou.

A vida, lá fora, muda “radicalmente”. Estar sozinho exige “muita força de vontade para não desistir”. Mas, houve um plano que foi traçado: um dia voltar. Esperar até à idade de reforma, tendo em conta o amor à terra, não fazia sentido. 

 

Negócio do tio evitou que jovem saísse de Bragança

Nelson Afonso, de 27 anos, é o sobrinho de Ludgero Afonso. Abriu o stand com o tio, que “é como um irmão”. O negócio deste familiar “especial” evitou que o jovem, que está a concluir o mestrado em Gestão de Empresas, no Instituto Politécnico de Bragança, saísse do distrito. Recebeu duas propostas de trabalho, na área, mas longe da região, em Santarém. O regresso do tio, além de ser um sonho tê-lo perto, permitiu que ficasse por cá e não fosse mais um dos jovens que se veem obrigados a deixar o distrito. “Sempre nos demos muito bem. Quando ele estava fora, falávamos todos os dias e ele sempre me disse que queria voltar, apesar de lá já ter vários amigos e uma vida relativamente estabilizada. Houve uma vez que me disse que era agora que voltava ou não voltava tão cedo e eu incentivei a que voltasse, que alguma coisa se arranjaria”, esclareceu o jovem.

Num país onde um licenciado ganha pouco mais de mil euros, conforme vincou, com todas as contas inerentes à normal sobrevivência, Nelson Afonso também não estava muito confiante em rumar a uma região mais longínqua para trabalhar na área. Agora tem tudo o que mais podia querer: um negócio que acredita que se tornará estável e o tio perto. “Tê-lo aqui é óptimo. Podemos ver-nos todos os dias. Isto ainda nos torna mais chegados”, terminou

 

É complicado ganhar menos mas nada de arrependimentos

Não há dúvidas de que sair do país é para muitos transmontanos uma solução. Vão em busca de uma vida melhor. Mas a saudade, por vezes, fala mais alto e a tranquilidade também.

Foi o caso de Eduardo Trigo. Também emigrou para a Suíça, mas muito mais novo do que Ludgero Afonso. Tinha 13 anos quando foi para aquele país, acompanhado dos pais. Durante 30 anos fez parte do grupo de transmontanos que vinha matar saudades da sua terra apenas nas férias.

Começou por ser mecânico, tendo formação académica na área, depois trabalhou nos camiões e, nos últimos 15 anos, foi condutor de transportes públicos. A sua mulher era enfermeira.

No entanto, o reboliço de viver noutro país fê-lo pensar novamente no que queria para si e para a sua família. Tem dois filhos, um menino de sete anos e uma menina de 11. Queria que conhecessem o seu país e “gostassem” dele e isso só é possível quando “se vive aqui”.

“Aqui temos mais segurança. A Suíça também é um país muito seguro, mas nos transportes públicos fui várias vezes agredido fisicamente e verbalmente era todos os dias. Além disso, a minha mulher era enfermeira e trabalhávamos 24h sob 24h, sete dias sob sete dias, e isto fartou-nos, deu-nos cabo da cabeça. Estávamos muito fartos da vida que tínhamos, apesar de termos um grande salário, uma grande vida”, contou, salientando que um bom salário “não compensa” a pouca qualidade de vida.

Então decidiu voltar a fazer as malas e regressar a Trás-os-Montes.

Apesar de ser de Vila Flor, vive em Bragança onde abriu um negócio. Junto ao Parque Polis, tinha uma casa de família que decidiu reabilitar. Inicialmente seria para criar um estabelecimento comercial, que depois alugaria, mas uma vez que precisava de uma fonte de rendimento arregaçou as mangas e abriu um café, o “Beira Rio”.

O negócio está a correr “muito bem”, melhor do que esperavam. “No início só pensávamos numa coisa que desse para mim, para a minha mulher e para uma funcionária, mas no Verão, já vamos ter que contratar mais pessoas”, contou.

Mas nem tudo foi um mar de rosas. Primeiro abriu uma empresa de limpezas, mas logo aí encontrou um problema quando percebeu que não conseguia arranjar clientes em Bragança. “Temos uma empresa de limpezas que não conseguiu ir para a frente, porque não conseguimos encaixar-nos no mercado daqui. As pessoas dão trabalho apenas a pessoas que já conhecem, porque são amigos. Quem vem de fora e abre outra coisa não funciona”, lamentou.

Depois decidiu avançar com o café, mas reconhece que é difícil viver em Portugal nos tempos que correm. “Aqui não se consegue ganhar para viver. Não nos arrependemos, porque nós conseguimos viver aqui, mas nem toda a gente consegue. Quando se está habituado a ganhar bem é complicado ganhar pouco. Todo o salário, nem que seja bom, parece pouco e isso é muito complicado mentalmente”, disse.

Ainda assim, Eduardo Trigo não se arrepende da decisão que tomou, até porque os seus pais também estão novamente em Portugal e já era pouca a família que tinha na Suíça.

Se fosse pelo salário “nunca” voltaria, mas é “mais importante a qualidade de vida aqui do que o resto”. Até porque a integração dos filhos correu bem e agora, mais do que nunca, têm tempo para a família. “Estamos contentes e eles também, estão muito integrados. O meu filho joga no Grupo Desportivo de Bragança, faz Jiu-Jitsu, andam os dois nos escuteiros e na catequese e a minha filha faz patinagem, por isso têm muitas actividades. Lá não era possível porque não tínhamos tempo para os levar”, admitiu.

Jornalista: 
Carina Alves / Ângela Pais