Comércio e mercados locais continuam a compensar em tempos de inflação mas limitam oferta de produtos

PUB.

Ter, 10/01/2023 - 14:58


Pessoas preferem mercados locais para comprar fruta e legumes, mas a mercearia e os produtos de higiene continuam a ser comprados nas grandes superfícies porque são mais baratos

O ano acaba de começar e a vida continua a complicar- -se porque o preço de vários bens alimentares voltou a subir.

Preços começaram a subir em 2021

A Deco Proteste diz que o preço do arroz carolino e da polpa de tomate aumentou 64% e 53%, respectivamente, em 2022, tendo sido os bens com a maior subida de preço, mas muitos outros produtos, no ano passado, começaram, em termos de custos, a pesar mais. Conforme aponta ainda a Deco Proteste, “um cabaz de alimentos essenciais custa, actualmente, mais 17% do que custava em Fevereiro de 2022, antes do início da guerra na Ucrânia”. A má notícia é que se espera que o valor continue em “rota ascendente”, uma vez que os preços da energia e de algumas matérias-primas continuarão a subir. Os preços dos bens alimentares começaram a disparar em 2021, por causa do impacto que a pandemia teve na cadeia de abastecimento. A seca e a guerra trouxeram mais instabilidade. Enfim, muito tem levado a que seja cada vez mais complicado gerir o dinheiro para se continuar a comer. Assim, é preciso poupar. Para o fazer é necessário perceber-se onde se compra mais barato e o quê.

Comércios locais com fruta e legumes a preços mais apelativos

Na cidade de Bragança, numa visita aos minimercados e hipermercados, os preços não deixam margem para dúvidas: a fruta e os legumes, tendencialmente, são mais baratos nos comércios locais. E, normalmente, são produzidos no próprio território. As batatas, alho francês, brócolos, pepinos, alfaces, pimentos, laranjas, kiwis, maçãs, uvas, entre muitas outras frutas e legumes são os produtos, segundo se apurou, mais baratos nos minimercados que nos hipermercados. Também alguns produtos de higiene e mercearia são, por vezes, menos penosos para a carteira nestes pequenos espaços locais. Ainda assim, os grandes espaços têm opções mais baratas no que toca à maioria destes produtos, nomeadamente açúcar, manteiga, massa, arroz, farinha, leite, entre outros. A carne, tendencialmente, também custa menos nos hipermercados, onde as pessoas mais se concentram por ser um espaço onde existe um pouco de tudo que se pode desejar comprar, ao contrário, habitualmente, dos mercados locais.

Minimercados: a proximidade que desenrasca

Os minimercados são sempre a melhor opção para aqueles que vivem nas suas proximidades. Acontece nas Frutas Ferreiras, em Bragança, onde as pessoas vão por ser um espaço “mais pequeno e acolhedor” e também porque já é um “hábito”. Ali vão clientes só para comprar pão, outros para fazer as compras do mês, mas também há aqueles que vão apenas para comprar “só o necessário”. Outra das razões que leva ali muitos clientes é a relação “preço/qualidade” das frutas e legumes. A qualidade é “superior” e em relação ao preço conseguem ser mais “acessíveis”, segundo a responsável de loja. Marlene Rodrigues explicou que ali vendem produtos comprados aos produtores da região, como “castanhas, grelos, nabiças, nozes”. “Aqui compensa nalguns produtos, como produtos de higiene, shampoo, pastas de dentes, mesmo em termos de fruta somos muito mais baratos do que uma superfície comercial. Se calhar é também por esses motivos que as pessoas continuam a vir aqui”, frisou. Mas há minimercados que já não conseguem vender o que vendiam. Acontece no Horta, na zona do castelo. Um estabelecimento com mais de 100 anos e que está nas mãos de Valdemar Horta há 60. Agora são poucas as pessoas que passam por ali para fazer compras, só mesmo para o “desenrasque”. E porquê? “Antigamente vivia muita gente nesta rua, Serpa Pinto, Trindade Coelho, Estacada, Engenheiro José Beça, São João, no castelo, viviam mais de mil pessoas. Agora em todas as ruas de acesso ao castelo não vivem 50”, disse. O empresário chegou a ter dois empregados e a comprar “mil quilos de açúcar”, “mil e 800 quilos de bacalhau”, mas actualmente “10 quilos de açúcar dá para um mês, 10 quilos de arroz dá para outro mês”. “Aqui só vivem estudantes, que saem de manhã para as aulas e só regressam à tarde e comem nos refeitórios do IPB e liceu, portanto não conseguimos vender. Passam-se dias inteiros que eu não vendo um quilo de açúcar, um quilo arroz, uma garrafa de óleo, uma garrafa de azeite”, afirmou. E ali alguns produtos até são mais baratos, como é o caso da batata, dos limões e até do vinho do Porto. “Os limões que vendo o quilo a 1,5 euros, em qualquer lado custam dois euros e qualquer coisa. O vinho do Porto Três Velhotes vendia a 5,75 euros, no supermercado custava 5,95 euros”, referiu. O minimercado Horta é uma opção quando as pessoas se esquecem de alguma coisa nos supermercados.

Feira com produtos mais baratos e de melhor qualidade

A feira de Bragança, que acontece todas as sextas, reúne vários produtores locais e, por ali, também os preços vão subindo. Maria de Lurdes, de Mascarenhas, no concelho de Mirandela, faz a feira há 30 anos e diz que “os preços aumentaram”, no ano passado, sobretudo porque “o preço do combustível subiu muito”. Tendo subido “tudo”, as tangerinas, por exemplo, vendiam-se, a um euro o quilo e agora vendem-se a dois. Este ano não deverá aumentar mais aos preços mas “o produto vai faltar”. “Vai haver dinheiro para comprar e não vai haver muito para vender”, rematou, concluindo que “as pessoas frequentam muito a feira porque procuram os produtos dos produtores locais e porque alguns artigos são mais baratos”. Helena Teixeira também é de Mirandela. Há 33 anos que participa nesta feira. Confirma que neste mercado “é tudo mais barato” mas diz que as pessoas são cada vez menos. Quem ali vai, tendencialmente, são os mais velhos. Considera ainda que quem compra prefere ir às grandes superfícies porque “está lá mais quentinho, porque há lá de tudo e porque estão abertas diariamente”. Esta comerciante de queijos, bacalhau e charcutaria também teve que aumentar aos preços do que vende. “Já se aumentou aos preços no ano passado e este ano já recebi uma nova tabela para tudo que é a salsicharia. Falo de aumentos na ordem dos 15 a 20%. Por exemplo, a chouriça subiu 1,5 euros em quilo. O queijo é uma loucura, com aumentos, nalguns casos, também de mais de um euro. O bacalhau, que estava a cerca de dez euros, está a 14”, confirmou a feirante. Mesmo com os preços a aumentarem, há pessoas que continuam achar que ir à feira compensa. É o caso de Maria do Céu Gomes que vai quase todas as sextas-feiras à feira de Bragança, porque se ta “muita diferença na qualidade” dos produtos, em relação aos supermercados. Costuma comprar “hortaliça, fruta e pão” na feira. Mesmo que o pão seja “mais caro”, tem “qualidade” e, por isso, “compensa”. Todos os anos compra as maçãs à mesma produtora. “É uma fruta biológica, outra qualidade que não tem a dos supermercados, que apesar de lá erem mais bonitas, aqui têm outro sabor, é melhor”, referiu, salientando que “em termos de preço é também melhor”. A proximidade com os produtores e saber de onde veio os legumes e as frutas são outra das razões que levam muita gente à feira. “Assim sei de onde vêm os legumes e as frutas, contacto com o produtor. Já somos familiarizados. Criamos uma relação de amizade com os produtores”, disse Clotilde Crisóstomo, enquanto comprava cenouras. A “qualidade” e “melhores preços” levam esta cliente a ir à feira praticamente todas as semanas. Engane-se aquele que pensa que só os mais velhos vão a estes locais. A jovem Raquel está há pouco tempo a viver em Bragança e quando soube que à sexta-feira havia frutas e legumes a serem vendidos na feira, não hesitou em ir fazer lá compras. “Tem muitas variedades de alimentos bons para consumo. Aqui são mais frescos, no supermercado já estão há dias”, afirmou, salientando que ir ao supermercado é “uma perda de tempo”. Compra “tomate, cebola, batatas”, os ditos “produtos frescos da terra”, porque considera que o “preço é melhor”. Há também quem vá à feira para levar para o estrangeiro o que de melhor tem Trás- -os-Montes. Deolinda Trindade é emigrante em França e há muito tempo que não ia à feira. Na semana passada decidiu ir e não saiu de lá de mãos abanar. “Levo chouriço, alheiras, feijão-frade e ainda vamos ver se compramos mais algumas coisas”, contou. “Coisas” de “melhor qualidade”, da “terra” e “mais baratas” que vão ser levadas para o estrangeiro e que serem compradas no supermercado não era opção.

Jornalista: 
Carina Alves/Ângela Pais