Ferreiro é uma profissão dura

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Ter, 19/04/2005 - 18:07


Com 74 anos, Abílio Alves é o único ferreiro das redondezas da aldeia de Babe, no concelho de Bragança. A idade já vai dificultando os movimentos, mas o septuagenário ainda dedica o seu tempo à profissão que o pai lhe ensinou.

Tinha 12 anos quando deixou a escola e começou a palmilhar os trilhos da região, para fazer os utensílios em ferro que, naquele tempo, serviam para a maioria das tarefas do quotidiano.
“Eu e o meu pai trabalhávamos em Babe, mas também percorríamos a pé as aldeias aqui da zona. Eram cerca de 17 quilómetros que trilhávamos por semana. Tínhamos patrões em Gimonde, Sacoias, Vale de Lamas e Labiados”, recorda Abílio Alves.
Com uma forja em cada aldeia, o ferreiro trabalhava o dia inteiro, desde o amanhecer ao anoitecer, para satisfazer as necessidades dos empregadores. “ Naquele tempo trabalhava-se no duro, começava-se mal o sol nascia e só se descansava quando acabava o trabalho”, lembra com alguma mágoa.

Muito trabalho e pouco dinheiro

Já lá vão os anos em que o trabalho não faltava, mas os lucros acabavam por não recompensar o esforço. Abílio Alves confessa que ser ferreiro é uma paixão e sempre trabalhou por amor à arte, porque os rendimentos mal davam para comprar umas calças novas.
“Ganhávamos pouco. Quem tivesse três vacas recebia, por ano, quatro alqueires de pão. Quem não tivesse animais recebia outros produtos para o sustento da casa”, relembra o ferreiro de Babe.
O que dava algum dinheiro para o sustento da casa eram mesmo as ferramentas que eram feitas por fora. Como a agricultura sempre foi a fonte de sustento da população que vive no Mundo Rural, havia muitos pedidos para fazer utensílios para trabalhar a terra.
“Fazia ganchas, toda a qualidade de sachos, machadas, entre outros utensílios ligados à agricultura”, refere Abílio Alves.
Actualmente o trabalho vai escasseando, o que leva o ferreiro de profissão a fazer outros trabalhos, nomeadamente na agricultura. “Ainda tenho muitos consertos para fazer, agora ferramentas de raiz já ninguém manda fazer, porque na praça são mais baratas”, lamenta o habitante de Babe.

Uma paixão de
uma vida inteira

Apesar da profissão de ferreiro ser uma paixão, as dificuldades da vida obrigaram Abílio Alves a emigrar durante algum tempo. Após ter casado com uma moça da terra, a Alemanha foi o destino escolhido pelo jovem de Babe.
“O dinheiro era pouco e as despesas eram muitas. Depois víamos as pessoas a emigrar e quando regressavam já traziam umas calças e uma camisa lavada, quando aqui não conseguíamos nada...”, conta o septuagenário.
No entanto, a arte de moldar o ferro nunca foi abandonada por Abílio Alves, que quando vinha de férias, no Inverno, ocupava o tempo a fazer ferramentas. Mais tarde, quando regressou de vez para Babe, o ferreiro continuou a sua profissão.
Uma profissão à
beira da morte

Os aprendizes também passaram pela oficina de Abílio Alves, mas nenhum deles se dedicou a esta arte, o que deixa alguma mágoa ao septuagenário, que já se sente cansado para aguentar a dureza dos trabalhos.
“Já lá vão 40 anos, quando ensinei um rapaz a trabalhar como ferreiro. Naquele tempo estava um ano comigo a aprender, dava-lhe de comer e dormia em minha casa. Se aprendesse e estivesse apto a exercer saía, senão continuava a aprender. Na altura dava-me 1500 escudos pela estadia”, recorda o ferreiro.
No entanto, ninguém quis seguir as suas pegadas. É com enorme tristeza que Abílio Alves vê a sua profissão morrer. “ Se houvesse alguém a fazer bons trabalhos em ferro ainda o ajudava, se pudesse…”, relata.
Na visão de Abílio Alves, os jovens não querem profissões sujas nem pesadas, pois quem molda o ferro passa um dia inteiro a bater com o martelo.
“Esta arte ninguém a quer. Passar um dia inteiro a apanhar chamas, a roupa toda picada e o lume a ir para a vista, é um trabalho de sacrifício”, salienta.
A esposa do ferreiro de Babe também foi a companheira do duro trabalho que o marido fez toda a vida. “Quando era nova passava os dias a dar ao fole e trabalhava o ferro melhor que muitos homens...”, descreve.
Agora, como a saúde já não ajuda, Abílio Alves vai passando o tempo no recanto, onde tem a forja, e vai trabalhando ao ritmo que o corpo deixa.